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Aceleradora Negócios de Impacto Periférico: a parceria que fez nascer a Anip

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Uma parceria entre três organizações construída pela identificação de um incômodo em comum: como dar acesso e oportunidade para mais empreendedores da periferia? Foi assim que surgiu, em 2017, a Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip). Lançada pela produtora social e cultural A Banca com a co-realização da Artemísia e FGV Cenn (Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios), a aceleradora parte agora para a seleção de sua segunda turma, a qual será formada por outros cinco negócios da periferia.

A Banca nasceu em 1999, no Jardim Ângela, como produtora cultural-social que, por meio da música e da cultura hip-hop, busca promover educação e empreendedorismo na zona sul de São Paulo. A iniciativa é encabeçada por Marcelo Rocha, o Dj Bola. Em 2007, porém, A Banca começou a se aproximar do ecossistema de impacto. Bola conheceu a Artemísia e participou de um de seus programas, a Expedição. “Ficamos um ano em uma formação intensa, tanto pessoal, quanto do negócio. Tivemos acompanhamento por dois anos e somos parceiros até hoje”, recorda o produtor.

A parceria culminou na criação da Anip.  “A gente tinha uma série de workshops para empoderar esses empreendedores e o Bola passou a fazer parte dessa rede da Artemísia”, conta o gerente de seleção e apoio a negócios da Artemísia, Felipe Alves. “Ao longo dos anos a gente foi mudando e trabalhando com outros projetos, mas a relação com ele sempre foi próxima”

Atravessando a ponte

As provocações dentro do ecossistema para finalmente criar algo dentro da periferia são antigas. Antes da Anip, Bola vinha denunciando como o portfólio de aceleradoras de negócios não contemplava empreendimentos das periferias. Segundo ele, isso se devia a falta de mulheres e negros nas lideranças destas organizações. “Portanto, eles [da Artemísia] começaram a se inquietar com isso e nos juntamos”, conclui.

A conversa continuou e se estendeu até a FGVcenn, o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas. “Eles [da Artemísia] me disseram que desenvolver uma aceleradora como esta era um sonho, mas não tinham propriedade para realizá-lo porque não eram da quebrada. Por isso, juntamos A Banca, Artemísia e FGV para pensar em uma aceleradora para negócios de impacto na periferia”, completa Bola.

Segundo DJ Bola, a ANIP nasceu de uma inquietação: como que as aceleradoras de impacto não contemplavam negócios periféricos em seu portfólio? Crédito: Agência Ophelia
Segundo DJ Bola, a ANIP nasceu de uma inquietação: como que as aceleradoras de impacto não contemplavam negócios periféricos em seu portfólio? Crédito: Agência Ophelia.

Modelo de Aceleração

O modelo de aceleração da Anip consiste em encontros presenciais a cada 15 dias, um encontro online individual com cada negócio e mentoria no processo. Após quatro meses de aceleração, os negócios têm acompanhamento com mentor durante mais seis meses. Ao final do programa de quatro meses, os negócios de impacto periférico que elaboraram um bom plano de ação poderão receber um investimento de R$ 20 mil em subvenção; ou seja, a fundo perdido.

Ao identificar que para manter a Anip era necessário fazer uma captação, a Artemísia passou a articular parceiros para investir naquele projeto. “A gente teve bastante sucesso nisso. Os recursos são para manter, principalmente, a equipe da Anip, a qual toca a organização dos encontros e o projeto de aceleração individual para cada negócio”, explica Felipe.

Isso também engloba uma pessoa que o grupo chama de “acelerador”. Sua função é acompanhar os negócios para analisar os caminhos, mapear o desafio e conectar com mentores. “Existe uma organização e isso custa. Os recursos captados foram para financiar tanto as estruturas, quanto para o capital dos negócios e até mesmo o investimento na comunicação”, conclui o gerente de seleção.

A Anip conta com o patrocínio de instituições de peso. Fundação Via Varejo, Fundação Telefônica, Mov Investimento, Fundação ARYMAX, Fundação Vedacit, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Fundação Lemann estão entre seus apoiadores.

Primeira Turma

A primeira edição do programa contou com 51 empreendimentos inscritos e finalizou com cinco negócios acelerados. Os finalistas foram a Boutique de Krioula, o Empreende Aí, a Ecoativa, a Jovens Hackers e a Editora Selo Povo.

Para o permacultor e educador, Jaison Pongiluppi, articulador cultural da Ecoativa, o processo foi bastante intenso e cada processo da aceleração fez muito sentido para o momento que a equipe estava vivendo. “Tivemos o envolvimento de todos no grupo. Nós nos debruçamos nos exercícios que tínhamos para fazer, pensamos nos modelos de negócio e participamos 100% de todas as atividades”, recorda.

Hoje, a Ecoativa impacta principalmente jovens e crianças da Escola Estadual Adrião Bernardes, parceira da organização localizada na zona sul de São Paulo. Com um ciclo de 200 crianças desde o fundamental até o ensino médio, a Ecoativa se tornou uma extensão da escola. Além dela, a organização também recebe CCA, Caps, Programa Jovem Monitor Cultural, Ong’s e outros parceiros. Segundo um levantamento interno, o número de crianças e adolescentes impactados por mês gira em torno de 300 a 400.

A Ecoativa é um centro eco-cultural localizado na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings que promove o acesso a cultura e a práticas sustentáveis. Crédito:Reprodução
A Ecoativa é um centro eco-cultural localizado na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings que promove o acesso a cultura e a práticas sustentáveis. Crédito:Reprodução.

A segunda turma de acelerados da Anip já foi selecionada, em setembro, e está em processo de mentoria. Fazem parte desta turma as empresas Bio Afetiva, Bora Lá, Gastronomia Periférica, Nutrir-Si Periferia em Movimento.

Como os resultados são mensurados?

A Anip possui um acompanhamento dos negócios no qual são documentados os desafios, as mentorias e como o empreendimento se saiu durante a aceleração. Ao mesmo tempo, é feita uma coleta de indicadores e, posteriormente, um acompanhamento periódico de cada negócio para saber como evoluíram. Após receberem o capital semente de 20 mil reais. “Como um programa, valeu a pena? O que podemos fazer diferente para as novas turmas? Existem esses dois olhares no acompanhamento dos negócios para medir os resultados”, comenta Felipe, da Artemísia.

Apesar desses indicadores, Felipe afirma que, em geral, “os programas de aceleração vão mostrar os resultados nas próximas coletas. Daqui a um ano, quantos desses negócios continuam na ativa, qual foi o crescimento no faturamento desses negócios? Qual o crescimento de suas equipes? Esses são números indicadores que vão mostrar o real sucesso desse programa”.

Os benefícios da aceleração ainda estão reverberando. “A gente fez um plano de ação e estamos colocando em prática”, comenta Jaison, da Ecoativa. “São muitas ferramentas, provocações, questionamentos e exercícios que fizemos na aceleração. Esse aprendizado já está em prática no modelo de negócios da Ecoativa hoje. A gente já se sente muito mais preparado”.

A segunda edição teve suas inscrições encerradas em julho e agora segue para a seleção dos cinco negócios que serão anunciados ainda em agosto. O foco da seleção se concentra nos territórios da Zona Sul, distrito Jardim Ângela, Campo Limpo e Capela do Socorro. “É bem provável que ano que vem a gente atenda a outros territórios de São Paulo, em outras periferias. Decidimos começar nesse espaço para aprender, validar algumas coisas, refinar a ideia para conseguir ir para outros lugares. Um passo de cada vez”, conclui Bola.

 

O governo como cliente? Como fomentar negócios impacto por meio de compras governamentais

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No terreno ainda árido da economia brasileira, uma das maneiras de viabilizar a missão de negócios de impacto e garantir sua permanência no mercado é fazer negócios com o governo. No mundo das siglas de business isto tem nome: B2G, ou Business to Government.

Para entender o cenário: ainda não há uma legislação ou certificação específica para impulsionar negócios de impacto no Brasil. Por enquanto, há dois projetos de lei em tramitação neste sentido, mas que devem demorar em torno de dois anos para serem aprovados. Uma das saídas, portanto, para o gestor público fortalecer a cena e gerar benefícios para a comunidade é comprar de produtos e serviços provenientes de Negócios de Impacto.

Para José Mario Brasiliense Carneiro, fundador da Oficina Municipal Escola da Cidadania e Política, ainda é preciso muito trabalho para este modelo se desenvolver com solidez.

“Do lado dos governos, há interesse e há uma noção de que isso pode ser uma coisa boa, mas precisa acontecer uma melhoria da cultura da política administrativa. Os negócios de impacto estão amadurecidos para fazer este tipo de parceria, mas a questão governamental ainda não”, opina Carneiro. “De fato, em um país com tanta corrupção e onde a relação do setor privado com o governo é tão promíscua, mesmo coisas boas tem muita dificuldade para conseguir ganhar um espaço.”.

Na prática, o empreendedor que deseja fazer B2G com eficiência precisa de alguma experiência para preencher editais, participar de licitações e lidar com a burocracia. Mas é uma das ferramentas à disposição para manter o negócio de pé e gerar impacto em escala.

B2G de impacto pelo mundo

Mundo afora, algumas experiências mostram que há espaço para melhorar a atuação brasileira tanto em termos de legislação, quanto de organizações da sociedade civil. O Reino Unido, referência no assunto, já incluía as empresas de impacto no seu plano nacional de governo de 2010 a 2015. Já na Coreia do Sul, em 2007, foi promulgada a Lei de Promoção de Empresa Social da Coreia do Sul.

Além disso, foram criadas instituições específicas para conectar negócios sociais e o governo. Uma delas é a australiana Social Traders, que reúne 600 empresas de negócios de impacto certificadas. Por meio dela, cria-se um relacionamento com quase uma centena de compradores do governo. O objetivo é gerar, até 2021, 1.500 empregos para australianos em condições desfavoráveis.

B2G de impacto no Brasil: experiência positiva

O tema entrou oficialmente nos planos do governo no fechar das portas de 2017, com a ENIMPACTO. Apesar de certo atraso, a boa notícia é que no Brasil já existem casos de transações B2G com negócios de impacto espalhados por prefeituras do país todo.

Um recente levantamento feito pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) em parceria com a Oficina Municipal encontrou 12 empresas que já assinaram contratos com governos municipais. Entre elas está PlayMove. A empresa criou a Play Table, uma mesa digital com games educativos que auxilia no aprendizado regular e especial de crianças de 3 a 12 anos.

Fundada em 2014, o primeiro passo da PlayMove junto a governos municipais foi em 2016, em uma escola municipal de Blumenau (SC). Para acompanhar o uso prático do produto, a empresa decidiu fornecer o equipamento para uma escola que era referência em educação de alunos especiais. A parceria já dura dois anos. Hoje, a solução tem cerca de 350 mil alunos usando-a semanalmente e está espalhada por 21 municípios, que firmaram contratos que variam entre 8 e 12 mil reais.

Apesar de trabalhar com escolas privadas, 55% dos seus clientes são de escolas do governo. Isso fez com que fosse preciso criar departamentos específicos de venda pública para lidar com a burocracia das licitações e reunir os documentos necessários para comprovar a geração de impacto.

“Realmente a parte de licitações é extremamente burocrática, mas eu entendo que deva ser assim, frente à situação atual do país, para evitar problemas”, compreende Cristiano Sieves, gerente de marketing e produto da Play Table. “Essa parte burocrática necessita bastante conhecimento de como funcionam as modalidades de licitação e é um trabalho demorado. Às vezes, leva mais de um ano para acontecer.”

Driblando a burocracia

Como era de se esperar, nem todas as experiências são tão produtivas como se imaginava. E foram a burocracia e o desgastante jogo de interesses políticos que fez com que a startup de educação Plataforma Juntos mudasse seu modelo de negócios.

A startup foi criada em 2014 por Julio Cosmo, um ex-funcionário da Nasa especialista em compressão de dados. Sua plataforma usa big data e inteligência artificial para auxiliar na educação de crianças da rede pública de ensino. Hoje, atende 42 mil crianças.

A Plataforma Juntos é capaz de oferecer ao professor um mapeamento sobre habilidades, dificuldades e o perfil da personalidade de cada aluno. “A gente consegue identificar exatamente qual o déficit do aluno e saber se essa dificuldade pode ser resultado de variáveis externas, como por exemplo, a falta de saneamento básico na casa em que ele vive. Isso faz com que as intervenções do professor sejam mais assertivas”, conta Luana Busche, diretora de desenvolvimento de novos negócios da empresa.

Em quatro anos de existência, a startup começou com um projeto piloto com os 1.200 alunos da cidade mineira de Itanhandu e fechou um contrato de 8 mil reais via licitação para atender todas as escolas do município de Bernardino Batista (PA). Mas as coisas não andaram como se esperava. “A burocracia e a falta de interesse político faz com que a gente tenha muita dificuldade de trabalhar com as prefeituras”, desabafa Luana. “Diante disso, e de uma necessidade corporativa que surgiu a Juntos passou por um spin off. A solução foi criar um produto similar, mas focado em empresas e a cada licença vendida a gente doa uma para a prefeitura da cidade”, conta Luana. O modelo se mostrou mais eficiente e já atendeu 26 Escolas Públicas de todo o Brasil.

Apontando caminhos

Para José Mario, da Oficina Cidadania, o cenário deve melhorar nos próximos 12 anos. “O que precisa acontecer é uma melhoria da cultura político-administrativa. E pode ser que a gente tenha uma surpresa nos próximos dois, três mandatos, de termos outros perfis de lideranças, com gestores mais engajados e a fibra ética sendo uma marca. Mas este é um olhar mais de esperança. O remédio para isso é mais participação da cidadania, mais vida comunitária, com todo o tecido social mais engajado, mais consciente”.

Às vésperas das eleições, as iniciativas de fomento no governo federal correm contra o tempo antes da troca de legislatura e de administração. E a possibilidade de compras governamentais está na mesa. Segundo o secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministérido da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Rafael Moreira, o governo planeja ainda em 2018 lançar licitações-piloto para startups do setor de Tecnologia da Informação. A experiência pode evoluir para beneficiar o ecossistema de impacto, mais especificamente. Outra aposta é aprovar também neste ano a proposta de Sociedade Anônima Simplificada, além de ações que ampliem a oferta de capital por meio dos bancos públicos.

“Este é um tema emergente. Não está em um ranking de prioridade dos outros ministérios aqui na esplanada. Mas é um tema cool, diferente”, comenta Rafael. “Então o potencial dele continuar sendo debatido no governo [depois das eleições] é enorme. O engajamento do setor privado é importantíssimo para manter este momentum dentro do setor público.”

Projeto Semente abre inscrições para negócios de impacto social da zona leste de SP

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Projeto Semente, do CIEDS, chega à Zona Leste
Projeto Semente, do CIEDS, chega à Zona Leste

O Projeto Semente recebe até 23 de agosto inscrições para negócios de impacto social da Zona Leste de São Paulo. O programa oferece capacitação e mentorias com objetivo de identificar e promover iniciativas de inovação social na região.

É o terceiro ano seguido que a iniciativa é promovida. O Projeto Semente é realizado pelo Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS) e pelo Empreende Aí. A Fundação ARYMAX patrocina a ação que, neste ano, chega na Zona Leste com apoio do Bancadão, negócio social que busca estimular a geração de capital social na região.

As aulas ocorrerão entre 3 de setembro e 5 de novembro no CIFA, em Itaquera. Ao fim, um evento premiará os negócios melhor avaliados com a mentoria.

Inscrições .

 

Governo testará licitações voltadas à startups ainda em 2018

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Governo estuda ações para fomentar o ecossistema de impacto no Brasil.
Governo estuda ações para fomentar o ecossistema de impacto no Brasil.

Em entrevista exclusiva à Aupa, o secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Rafel Moreira, informou sobre ações governamentais direcionadas ao fomento de inovação e do ecossistema de impacto. Segundo Moreira, uma das iniciativas ainda estaria voltada à compras governamentais por meio de licitações direcionadas à startups. “O que nós vamos fazer ainda este ano é testar algumas licitações piloto pelo Ministério do Planejamento, na central de compras, para quilo que for inovador em startups em TI”, declarou.

Embora não tenha sido enfático em informar que há estratégias específicas direcionadas à negócios de impacto em circulação no governo, o secretário adimitiu que esta tem sido uma área de interesse e estudo dentro do MDIC.

“Ele é um tema emergente. Não está em um ranking de prioridade dos outros ministérios aqui na esplanada. É um tema cool, diferente”, declarou. “[O assunto] Tem uma pegada internacional muito interessante, porque tem fóruns sofisticados dedicados sobre isso. Então o potencial dele continuar sendo debatido no governo é enorme.”

Reverberações da ENIMPACTO 

Em 2017, por meio de portaria presidencial, criou-se a Estratégia Nacional de Investimento e Negócios de Impacto (ENIMPACTO). Seu objetivo é discutir e articular, em um prazo de 10 anos, políticas públicas direcionadas a fomentar o investimento em negócios de impacto socioambiental. A estratégia organiza Grupos de Trabalho envolvendo atores do governo, da iniciativa privada, das universidades e da sociedade civil que discutem quais seriam estas ações.

A fala do secretário já aponta quais são as principais estratégias que já se anunciam para alcançar tais objetivos. Segundo Moreira, mecanismos de compra governamental direta são questionados diante do “altíssimo déficit fiscal” nas contas públicas. Mas ainda estão na mesa.

Uma maior participação de Bancos Públicos no ecossistema também desponta como forma de engajamento possível do poder público. “Há um movimento que parte de bancos de desenvolvimento e bancos públicos, casada com a oferta de capital privado já existente no ecossistema. O objetivo é criar  instrumentos híbridos para ampliação da oferta de capital privado”, informa o secretário. “Este é o grande mote nosso nesses poucos meses até o fim deste governo.”

O tempo voa

Ainda conforme a fala do secretário, a pressão do calendário eleitoral é determinante na escolha das ações prioritárias nesse sentido. O tempo deste governo é curto. Portanto, segundo Moreira, o foco está em desenhar ações de curto prazo para beneficiar o campo de inovação no Brasil e o ecossistema de impacto ainda em 2018.

“O que pretendemos é viabilizar algumas estruturas regulatórias que fariam total diferença para o ambiente de negócios empreendedores. Uma delas que temos visto é a questão da Sociedade Anônima Simplificada”, revela. “Há uma vontade grande em congresso para votar essa proposta. Isto está em uma comissão especial, não precisaria ir a plenário, e acreditamos que haverá espaço para o fim do ano para ser aprovado.”

Ainda para o Secretário, os meses que restam serão propícios para fortalecer a governança da ENIMPACTO. O objetivo é garantir que o debate sobreviva às eleições e à troca de governo.

Confira a entrevista completa aqui.

Secretário de Inovação, Rafael Moreira: “Vamos fechar quais são as entregas de curto prazo para fomentar o setor de impacto”

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Secretário-de-Inovação-Rafael-Moreira_crédito_ASSESPROPR
Secretário-de-Inovação-Rafael-Moreira_crédito_ASSESPROPR

No cargo desde 19 de junho, o novo Secretário de Inovação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), dá continuidade na construção da ponte entre o setor público e o ecossistema de impacto. Em 9 de julho, segundo agenda oficial, Rafael esteve em audiência, por exemplo, com Célia Cruz, Diretora Executiva da Inovação em Cidadania Empresarial (ICE) e uma das principais articuladoras do setor.

Para os já iniciados no ecossistema de impacto no Brasil, não deverá ser novidade o debate sobre parcerias do campo com o poder público. A ponte entre o governo federal e o ecossistema de impacto tornou-se institucional em 2017, quando por meio de portaria presidencial estabeleceu-se a Estratégia Nacional de Negócios de Impacto.

A partir desse marco, alguns debates e discussões estão na esteira. O apoio do poder público ao setor de impacto será financeiro, por meio de bancos públicos e de desenvolvimento? Há expectativas para projetos que regulamentem os negócios de impacto e facilitem o acesso à ofertas de capital privado?

Dentro do governo federal, é a Secretaria de Inovação e Novos Negócios do MDIC quem coordena a elaboração ENIMPACTO. Ainda para julho, está prevista mais uma rodada de discussão entre grupos de trabalho sobre o tema, em articulação com os setores do governo, do setor privado, da comunidade científica e acadêmica e da sociedade civil.

Rafael fez carreira no setor público, tndo sido diretor de políticas em tecnologia da informação no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, dirigente da assessoria econômica da Agência Nacional de Telecomunicações e gerente de projeto na mesma Secretaria de Inovação. Em entrevista exclusiva à Aupa, o secretário comentou sobre as estratégias possíveis, para este ano, com o objetivo de fomentar o ecossistema de impacto. Segundo ele, o foco está em ações de curto prazo que possam ser realizadas antes da troca de gestão, em janeiro de 2019.

Usar o social impact bond é uma ótima ideia, mas precisa de tempo de maturação, principalmente de órgãos de controle e quais seriam os indicadores usados de efetividade de resultados.

AUPA | Qual é a sua avaliação da aproximação e como o governo tem interesse nesse ecossistema de impacto?

RAFAEL MOREIRA | Foi instituído um decreto no ano passado que estabelecia a Estratégia Nacional de Negócios de Impacto, a ENIMPACTO. O objetivo maior, agora que nosso tempo é curto, é fortalecer essa institucionalidade, manter os comitês funcionando aqueles que discutem os assuntos que foram comentados na estratégia de estruturação. E a gente tentar fechar quais são as entregas reais de curto prazo que vamos priorizar nesse segundo semestre.

Na ENIMPACTO, nós vamos fazer mais uma rodada de discussão nos comitês em julho para poder levantar quais seriam os entregáveis de curto prazo. A gente percebe que dá para fazer alguma coisa na área de fundos de investimento, ou um crédito social pelo BNDES, ou aceleração de startups. A estratégia é construir uma agenda de curto prazo e consolidação da governança para o próximo governo. Lembrando que este é um assunto que ainda perdurará por mais tempo. O decreto mesmo dá um prazo de 10 anos de discussão das ações para negócios de impacto no país.

AUPA | A gente apurou que há alguns projetos correndo no legislativo para definição de negócios de impacto. Nesse ano, é possível esperar algum avanço desses projetos? Ou a possibilidade do executivo propor projetos para isso?

RAFAEL MOREIRA | Propor projetos não faz sentido quando se está nas vésperas da troca da legislatura. Esses projetos acabariam ficando mortos ali nas comissões. Como o tempo é curto, o que pretendemos é viabilizar algumas estruturas regulatórias que fariam total diferença para o ambiente de negócios empreendedores. Uma delas que temos visto é a questão da Sociedade Anônima Simplificada. Mesmo que não haja um incentivo fiscal, ela ajudaria muito a estruturação de empresas de bases tecnológicas que pudessem receber aporte de fundos de investimento e participação. E há uma vontade grande em congresso para votar essa proposta. Isto está em uma comissão especial, não precisaria ir a plenário, e acreditamos que haverá espaço para o fim do ano para ser aprovado.

Para uma startup receber um aporte de um fundo de investimento, ela precisa se converter em Sociedade Anônima de capital fechado por questões de segurança jurídica. Com isso, ela vai para um regime de tributação de uma sociedade anônima, que é um regime muito mais caro. Sendo uma S.A., ela tem que cumprir um rol de obrigações acessórias, como publicar balanços, o que não faria nenhum sentido para uma empresa que fatura um ou dois milhões de reais por ano. A proposta é retirar boa parte dessas obrigações e permitir que essa sociedade anônima possa ser enquadrada no SIMPLES, do ponto de vista fiscal, se ela fatura até 3,6 milhões. E isso não teria nenhum impacto tributário, porque se ela hoje é limitada e fatura essa quantia, ela já está no Simples. A diferença é que uma limitada não pode receber um aporte de um fundo de investimento. A proposta que a Argentina já fez e o Chile já fez é dar essa oportunidade que startups possam se instituir como S.A. com menos obrigações e tributação mais simples.

Além desta, a gente levantou aquilo que seria a agenda do legislativo nesse ano, aquilo que está na boca e poderia ser votado no pouco tempo. Tem uma estratégia que vamos fechar no final desse mês de ver onde estão alguns focos que se relacionam com negócios de impacto social e podem dialogar com o bloco de Sociedade Anônima Simplificada. Vamos tentar fazer um apensado e buscar aprovar algum bloco que seja relevante para os negócios de impacto no país.

há um movimento que parte de bancos de desenvolvimento e bancos públicos, casada com a oferta de capital privado já existente no ecossistema, para criar alguns instrumentos híbridos com objetivo de ampliar a oferta de capital privado.

AUPA | A possibilidade de destinar uma porcentagem de compras do governos à negócios de impacto é considerada em âmbito federal? Ou que outras possibilidades de fomento têm sido discutidas?

RAFAEL MOREIRA | Essa parte de compras é mais complicada. Eu sou do Ministério de Planejamento, de origem, e sei bem como funciona um processo como esse. Aqui no país, isso já foi muito utilizado no passado para tentar estimular inovação e tecnologia. Ou tentar dar alguma margem de preferência para algum produto que tivesse margem de conteúdo local ou nacional. Essas iniciativas estão sendo reavaliadas. Acha-se que o impacto dessa iniciativa não seria tão efetivo e a relação custo-benefício não seria tão adequada.

Nessa parte de investimento de impacto, a questão da ampliação da oferta de capital é a prioridade. É um momento que temos vivenciado um altíssimo déficit fiscal. Cada vez mais o governo corta gastos e não abre a possibilidade abrir uma aquisição a um custo superior com algum componente tecnológico ou modelo de negócio social.

Há, porém, ainda a oportunidade de tentar trazer ideias inovadoras de startups que possam impactar diretamente a estratégia governamental. Com tempo, essas empresas poderiam entrar no rol de contratações do governo federal. Isso é uma ideia que discutimos com o Ministério do Planejamento e não só para negócios de impacto, mas no ambiente de startups em geral. O que teríamos são leilões ou licitações que tivessem caráter diferenciado para testar essa solução, começando pelo setor de Tecnologia da Informação. O que nós vamos fazer ainda este ano é testar algumas licitações piloto pelo Ministério do Planejamento, na central de compras, para quilo que for inovador em startups em TI.

O que a gente começa a perceber que seria uma oportunidade bacana, mas não temos tempo viável para fazer, é a parte dos contratos de impacto social. Usar o social impact bond é uma ótima ideia, mas precisa de tempo de maturação, principalmente de órgãos de controle e quais seriam os indicadores usados de efetividade de resultados. Isso que aconteceu da primeira debenture social do país é bacana, por exemplo. Com iniciativas assim, vão se criando os casos de estudos para analisarmos quais são os indicadores de resultados.

AUPA | Você citou o BNDES na resposta. Considere-se a possibilidade de usar o Banco Nacional de Desenvolvimento para investir no setor de impacto?

RAFAEL MOREIRA | Há iniciativas neste sentido dentro do BNDES, mas também a Caixa Econômica Federal está pensando em fazer um fundo específico voltada para negócios de impacto. Então há um movimento que parte de bancos de desenvolvimento e bancos públicos, casada com a oferta de capital privado já existente no ecossistema, para criar alguns instrumentos híbridos com objetivo de ampliar a oferta de capital privado. Este é o grande mote nosso nesses poucos meses até o fim deste governo.

Obviamente, um terceiro eixo seria fortalecer o apoio aos empreendedores de negócios de impacto. Nós vamos fazer uma conexão de todos os programas de startups do governo federal junto com o Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns parceiros como ABDI [Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial] e Sebrae. Hoje, cada um tem sua iniciativa, que não necessariamente se comunicam, e vamos organizar isso a partir de um fluxo de trabalho.

essas empresas poderiam entrar no rol de contratações do governo federal. Isso é uma ideia que discutimos com o Ministério do Planejamento e para negócios de impacto e startups em geral.

AUPA | Em todo tempo da conversa você comenta sobre o curto tempo de trabalho às vésperas de uma eleição. O quão forte está esse assunto dentro do governo e do MDIC. Dá para esperar que essas pautas continuem nesta intensidade após a troca de gestão e de legislatura?

RAFAEL MOREIRA | Ele é um tema emergente. Não está em um ranking de prioridade dos outros ministérios aqui na esplanada. É um tema cool, diferente. Tem uma pegada internacional muito interessante, porque tem fóruns internacionais sofisticados dedicados sobre isso. Então o potencial dele continuar sendo debatido no governo é enorme. Mas ainda emergente. O engajamento do setor privado é importantíssimo para manter este momentum dentro do setor público.

Impacto Verde: como a Morada da Floresta se tornou um negócio social

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Em 1999, nasceu a “ideia-embrião” de a Morada da Floresta. Mas só em 2009,  ela  se tornou uma. empresa. Desde então, é uma das primeiras e mais relevantes iniciativas para soluções socioambientais, cursos, produtos e serviços.

Sua concretização versa com a biografia do casal Cláudio Spínola e Ana Paula Silva, engajados quanto à consciência socioambiental. “Em 1998, conheci o movimento de comunidades alternativas e a permacultura. Fui morar na casa onde hoje é a Morada e, em 1999, comecei a fazer compostagem, ainda de forma experimental”, relembra Cláudio, também formado em Artes Plásticas.

A casa localizada no Butantã, em São Paulo, já foi uma república e, hoje, pertence a Cláudio. O nome Morada da Floresta veio depois que o artista plástico plantou duas plantas sagradas da Amazônia na residência, dentre elas um cipó, que cresceu e hoje sobe pela casa. A partir de 2004, a casa se tronou uma comunidade intencional e passou a ter como moradores somente aqueles engajados com o meio ambiente. “Tínhamos acordos, propósitos combinados, como a alimentação vegetariana e buscar uma forma ecológica de vida dentro de uma experiência comunitária”, comenta Cláudio.

Em 2007, a estrutura da casa começou a ser modificada, ao mesmo tempo que o casal passou a ministrar cursos de permacultura urbana – o que os ajudava a receber algum recurso financeiro por intermédio dos pagantes dos cursos. “Até então, eu não pensava em abrir a empresa. Queria ter uma vida com menos impacto e foi quando começou a ter essa “pegada” um pouquinho mais empreendedora, vamos dizer assim. Em 2007, com esse início dos cursos da Morada, as pessoas iam até lá e viam o sistema de compostagem que eu já fazia com as minhocas e queriam adquirir o produto pronto, mas eu não vendia – falava assim ‘pega a caixa e faz e tal’”, pontua o sócio-fundador.

Em entrevista à Aupa, Cláudio conta sobre essa trajetória e das vitórias recentes do empreendimento, um dos primeiros e mais influentes na pauta ambiental.

não retiramos lucro: conseguimos sobreviver e praticamente tudo o que sobra é reinvestido para implementar as melhorias e aumento de impacto.

AUPA | A Morada da Floresta surgiu, em 1999, quando não se falava tanto em economia circular ou setor 2.5. Como surgiu a ideia e como aplicar uma proposta sustentável e consciente em uma grande metrópole como são Paulo?

CLÁUDIO SPÍNOLA | A medida que começamos a vender composteira doméstica para famílias, começamos também a entrar no universo político e entender a estrutura da cidade. Foi o momento em que foi assinada a Política Nacional de Resíduos Sólidos [Lei 12.305/2010]. Então, tive uma fase muito atuante no engajamento da municipalidade de São Paulo, para levar o conhecimento desta informação quanto à gestão permacultural dos resíduos orgânicos e de fazer com que o resíduo orgânico fosse tratado no próprio local de geração. Tanto em casas quanto em apartamentos, condomínios, escolas, praças, parques e hotéis. Podemos produzir muito composto dentro da cidade, evitando este custo enorme de transporte e de desperdício de nutrientes. Começamos, também, a engajar o poder público nisso, porque as estruturas estavam arcaicas – assim como a mentalidade estava arcaica; nada era favorável para a compostagem.

A partir daí, foi quando saí do ambiente alternativo para entrar no empreendedorismo social. Assim, fui aprendendo a fazer gestão de empresa, além de todas as burocracias, as leis, a CLT, os impostos, a parte contábil e de finanças. Eu não tinha experiência anterior à Morada da Floresta. Tudo foi no passo a passo e de maneira orgânica. Foi muito de dentro para fora, a partir da prática interna foi virando uma necessidade de compartilhar. Depois, uma necessidade de gerar sustentabilidade econômica, ampliar impacto e acreditar nesta mudança.

Mas acho que isso nos motiva muito: tentar trazer para realidade essa visão, o que enxergamos e como conseguir promover esta mudança.

AUPA | A pauta ambiental também é vista como um modelo de mercado e de negócio. No caso da Morada da Floresta, como funciona a geração de renda?

CLÁUDIO SPÍNOLA |A Morada da Floresta gera renda vendendo produtos para famílias e o nosso e-commerce é o principal canal de vendas. Para venda B2C, o centro das nossas vendas vai pelo e-commerce. Temos também uma rede de revendedores que vendem os nossos produtos e também ajudam a vender neste sentido. Para o público B2B, implementamos o sistema de compostagem em grandes geradores: indústrias que têm restaurantes para os funcionários, assim como hotéis e escolas. Quem gera resíduos orgânicos entra em contato conosco e buscamos resolver o problema de uma maneira ecológica, econômica, ambiental e educativa. Agregamos este valor aos resíduos orgânicos.

Fazemos, ainda, projetos educacionais, como cursos, palestras, projetos com escolas. Neste momento, estamos implementando compostagem em todas as escolas municipais de Ilhabela; já fizemos até um projeto grande com a prefeitura de São Paulo.

O dinheiro vem para aumentar a nossa estrutura para gerar mais impacto. Praticamente, até hoje, não retiramos lucro: conseguimos sobreviver e praticamente tudo o que sobra é reinvestido para implementar as melhorias e aumento de impacto.

AUPA | Fale um pouco dos impactos do projeto de compostagem, por que é importante termos esta consciência em 2018?

CLÁUDIO SPÍNOLA | Mais da metade dos resíduos no Brasil são orgânicos. Hoje, é encarado como problema, pois além dos custos econômicos, esses resíduos geram danos ambientais, como chorume, gás metano, consumo de combustíveis fósseis, etc. Na Morada damos um olhar diferenciado para os resíduos orgânicos. Afinal, os entendemos como recurso. Pegamos os resíduos orgânicos e o transformamos em adubo, conseguimos dentro da própria cidade fazer uma geração de adubo enorme. E essa geração de adubo pode fomentar políticas públicas de agricultura familiar, agricultura ecológica, educação ambiental, hortas escolares, hortas comunitárias dentro da cidade, hortas em praças. O potencial é enorme.

No modelo da composteira antiga [a Morada da Floresta lançou seu modelo atual de composteira em 2017], entre 2009 e 2017,  vendemos cerca de 11 mil unidades. Então, há 11 mil famílias compostando 22 toneladas de resíduos orgânicos, por dia, nas suas casas. Isso gera mais de 8 mil toneladas ao ano, é um impacto bastante alto.

Cláudio Spinola posa com uma de suas composteras. O método de compostagem alicerça o modelo de negócios da Morada da Floresta.
Cláudio Spinola posa com uma de suas composteras. O método de compostagem alicerça o modelo de negócios da Morada da Floresta.

AUPA | Fale um pouco sobre o projeto Composta São Paulo e a proposta da elaboração de uma política pública para a prática da compostagem doméstica nos lares paulistanos. Qual foi o impacto na cidade de São Paulo?

CLÁUDIO SPÍNOLA | No ambiente doméstico, no Brasil como um todo, gera-se mais de 50% de resíduo orgânico. Então, se a gente faz compostagem, resolvemos já  metade dos resíduos,  além dos recicláveis, que representam de 32 a 33 %. O  grosso mesmo é o resíduo orgânico. Em casa é a mesma coisa, metade dos resíduos é orgânico. O cidadão ou a família não tem custo com essa coleta, então, o engajamento e o estímulo para que essas famílias façam a compostagem é ambiental, além da produção de adubo. Para o ambiente empresarial: a empresa tem um custo mensal para levar os resíduos para o aterro sanitário. Então, quando a empresa implementa o sistema de compostagem no próprio local, ela gera uma economia grande. Para o poder público, gera uma economia enorme quando a prefeitura, por exemplo, estimula a pessoa a fazer a compostagem em casa. É metade do resíduo com menos custo para a prefeitura. Afinal, a gestão desses resíduos é municipal. Cada tonelada custa cerca de 250/300 reais e pode chegar a 450 reais o custo por tonelada.

Vamos imaginar um cenário em que na cidade de São Paulo tenha-se 100 mil famílias fazendo compostagem, ou seja, cada família estaria compostando 2 quilos de resíduos por dia. Então, na verdade, essas famílias estariam compostando 200 mil quilos por dia; 200 mil quilos são 200 toneladas. Se São Paulo tem um custo de 300 reais a tonelada, fica fácil fazer as contas para ver a economia que uma política pública como essa geraria para o poder público [60 mil reais]. Há muitos benefícios por todos os lados.

A partir do Composta São Paulo houveram muitas iniciativas para impulsionar a compostagem no Brasil. Então, o projeto trouxe o conhecimento ao grande público a respeito da prática da compostagem doméstica e inspirou outros municípios a quererem fazer outros projetos. Inspirou até mesmo o Ministério do Meio Ambiente a elaborar um edital específico para apoiar projetos de compostagem. Cerca de 2 mil famílias participaram do Composta São Paulo. Teve uma desistência de menos de 100 famílias, que não fazem mais por algum motivo pessoal ou por terem viajado ou mudado de cidade. Mas considerando 2 mil famílias, compostando juntas, são mais ou menos 4 toneladas por dia. Isso desde 2014.

AUPA | Quais dicas você pode dar para quem quer começar um negócio social voltado à sustentabilidade e ao meio ambiente?

CLÁUDIO SPÍNOLA | Primeiro, faça do coração aquilo que você realmente acredita. Não entre somente para ganhar dinheiro, porque o dinheiro nem sempre vem tão fácil. Até porque, essas causas são nobres e bonitas, as pessoas que olham de fora acham que é muito legal, mas há muitos desafios. Principalmente na parte financeira. Ainda é um público especifico, a gente trabalha sempre com nichos, por mais que estejamos promovendo uma prática muito legal. Mas ainda são poucos os que estão neste movimento, falando de público consumidor.  A gente está enxergando algo que as pessoas não estão enxergando agora. Mas acho que isso nos motiva muito: tentar trazer para realidade essa visão, o que enxergamos e como conseguir promover esta mudança.  Acho que é também assim que essa parte visionária do empreendedor deve ser. Acredito que é mesmo um alimento, combustível para o dia a dia.

 

As periferias precisam de dinheiro para errar

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Marcamos na Avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo. Se não era necessariamente o coração financeiro da cidade, era onde se concentravam diversos escritórios que articulavam todo um campo econômico. Eu conhecia por lá. Havia trabalhado na Alameda Gabriel Monteiro da Silva vários anos antes para uma pessoa que, nunca vou me esquecer, me disse assim em meio a uma discussão: “vocês precisam parar de problematizar tudo e trabalhar pesado. Na situação em que o país está é muita sorte ainda termos este emprego para te dar, Tony”.

No dia seguinte eu pedi demissão.

Graças ao 857-A, Terminal Campo Limpo – Metrô Santa Cruz, eu desci ao lado de uma gráfica. Deu tempo imprimir uma pilha de documentos sobre o que fazíamos, com um dinheiro que nem tínhamos em caixa, todos devidamente organizados em um papel pardo. E uma apresentação simples, mas honesta de bonita, que eu havia feito com algumas anotações gerais sobre: metodologia, impactos e resultados financeiros. E foi assim que fui.

Se não era a primeira vez que eu entrava em um café em que o café custava tanto, era a segunda vez que fazia isso, no máximo. Cheguei, me sentei, pedi uma água, que era o que dava para arriscar pagar, e fiquei esperando o meu contato. Ele me mandou mensagem cinco minutos depois, iria atrasar, mas chegaria. Aproveitei para reler os documentos que havia feito. Espalhei em cima da mesa, peguei meu caderninho de notas e fui anotando tudo que era indispensável de contar.

É que marcar aquela reunião tinha sido quase tão difícil quanto empreender o projeto em si. Havia mandado e-mail para umas cinco iniciativas que faziam investimento em empreendimentos sociais. Nenhuma delas respondeu. Daí que um amigo fez a ponte, e consegui 30 minutos do meu contato. Ele havia me pedido para não atrasar, pois tinha uma reunião logo depois justamente sobre financiamento. Daí veio a minha preocupação em deixar tudo organizado, objetivo.

Ele chegou, pediu um suco, me ofereceu, eu não quis, e começamos a conversa. Tínhamos uns 20 minutos, ele me disse, pois havia um compromisso inadiável em seguida. Eu abri a primeira apresentação e já ia começar a falar, quando ele me pediu para eu dizer o que sabia de coração, mesmo. E saber de coração sobre o que fazíamos era realmente o melhor que eu fazia. Bom, eu disse, se não temos muito tempo eu vou te contar logo, então. E contei.

Contei que a metodologia estava super amarrada, que tínhamos este, aquele, e aqueles outros resultados para mostrar, que havíamos sido reconhecidos, justamente na metodologia que havíamos desenhado, que achávamos que a médio e longo prazo o que fazíamos poderia se transformar talvez numa política pública. Ele pediu desculpas por me atrapalhar, mas pediu para eu contar mais sobre como isso transformava a região. Eu ameacei pegar os documentos que havia levado, ele até tocou na minha mão, disse que não precisava, que era só dizer com o coração, e eu disse.

Em um determinado momento ele olhou para o relógio, me parou no que eu falava, e disse assim: “olha, o seu trabalho é incrível, mas me perdoe dizer isso, é muito romântico”. Eu olhando, ele continuou: “dentro do campo dos empreendimentos sociais, a gente precisa de pragmatismo, Tony, de resultado”. Eu ameacei de novo pegar o envelope com a apresentação, ele continuou: “achei tudo muito bonito, mas praticamente impossível captar com este projeto de vocês. O investidor não tem segurança para saber que o que ele está fazendo dá algum resultado prático para a comunidade”. Por fim, me disse que o projeto, apesar de legal, tinha que estar mais estruturado, competitivo, e pediu que eu ligasse quando isso rolasse.

Desde este dia, e já faz tempo isso, que eu fiquei com uns pés atrás em buscar apoio neste ecossistema. Tentei algumas vezes depois, mas sempre fiquei com a impressão que a pessoa que estava falando comigo não entendia nada sobre o meu bairro, sobre as necessidades do meu bairro, sobre a dinâmica do meu bairro. E mesmo assim tinha dificuldade em escutar o meu ponto de vista sobre as coisas todas. E logo as conversas terminavam em nada, como do nada elas começavam.

Nem todas e todos agem assim, mas a história ilustra um padrão de comportamento que eu percebo. As iniciativas que emergem nas periferias nascem pela necessidade, essencialmente, não pelo propósito, o discurso popular de momento. A gestão das urgências feita por quem mora onde eu moro não abre muitos espaços para que todas e todos nós fiquemos em casa imaginando como as necessidades do mundo encontram os meus talentos.

O que a gente anda fazendo, ao empreender o que quer que seja, é tentar inventar uma existência que faça frente a estrutura social que acredita, sincera e honestamente, que todo mundo agora está na internet. Mesmo quando no extremo sul de São Paulo a internet só chegue a rádio, quando chega. Defina “todo mundo”.

Os protagonistas do campo de investimento social precisam perceber que eles podem até entender de investimento, mas quem entende do nosso trabalho e território somos nós. E é preciso que isso seja relevante para uma conversa como essa, senão nada vai avançar. E quem já estava à margem, permanecerá, ao invés de vir para o centro da atenção.

As iniciativas das periferias nascem em contextos e com dinâmicas completamente diferentes do restante do que também é a cidade. E se isso não for levado em conta, a gente nunca vai conseguir acessar recurso nenhum. Pois o campo já está emergindo a partir de padrões geocêntricos do que é resultado, do que é estruturação, do que é modelo de negócios, e tudo mais.

Historicamente, a gente sempre acessou dinheiro contado, linha por linha, para realizar os nossos projetos. Não tinha margem de erro. E se o campo quiser, verdadeiramente, incentivar novos protagonistas sociais, vai ser preciso mudar o paradigma de investimento e dar condições para que também as periferias, como todo o restante dos atores, possam errar no que estão fazendo. Não é possível que nem ao erro a gente tenha direito.

Impacto Verde: o plano de negócios do Legado das Águas, iniciativa de mais de 40 anos

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O Legado das Água trata da primeira filial da empresa Reservas Votorantim Ltda, que, por sua vez, foi criada para gerir seus ativos ambientais. Com 31 mil hectares, o Legado das Águas foi constituído com aquisição de diversas áreas pela Votorantim, entre as décadas de 1920 e 1950. “Na época, a empresa pretendia conservar a cobertura vegetal para garantir, a longo prazo, a disponibilidade hídrica da região, onde estão sete usinas hidrelétricas, hoje operadas pela Votorantim Energia, que fornecem energia para a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA)”, explica David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.

Segundo Canassa, essa visão foi ampliada e se materializou em um protocolo de intenções, firmado em 2012 entre o Governo do Estado de São Paulo e a Votorantim S.A.. O objetivo foi “a implantação de uma Reserva que oferecesse um legado positivo para a sociedade, desenvolvendo atividades de pesquisa, educação ambiental e turismo sustentável, além de possibilidades de negócios a partir dos recursos ambientais ali presentes”, detalha o executivo.

O território gerenciado pelo Legado das Águas corresponde a 1,5% dos 9% restantes da Mata Atlântica do estado de São Paulo. “Há seis anos, definimos e aprovamos o plano de negócios do Legado das Águas. Na época, sabíamos que era um projeto corajoso, ousado. Também tínhamos a consciência de que era algo inédito, inovador, principalmente porque, na iniciativa privada, ninguém havia feito nada semelhante”, comenta Canassa.

Desde então, a proposta tem sido utilizar uma imensa área de mata preservada como oportunidade de negócio para promover o desenvolvimento socioeconômico territorial e gerar valor compartilhado. Em entrevista para Aupa, Canassa conta como tem evoluído o plano de negócios da iniciativa e o que se aprendeu ao longo destas décadas.

Novas cadeias produtivas foram fomentadas, contribuindo com a população local e com o desenvolvimento econômico por meio da geração de valor compartilhado

AUPA | O Legado das Águas é a primeira filial da empresa Reservas Votorantim Ltda, tendo seu início nos anos 1970 para a produção de recursos de energia. Qual o valor que uma marca como o Legado traz a uma multinacional, como é o caso da Votorantim?

DAVID CANASSA | Pela natureza dos negócios desenvolvidos pela Votorantim, a empresa sempre optou pela aquisição de áreas que não se limitassem às necessidades do empreendimento. Isto resulta em uma significativa parcela dessas áreas mantida em alto grau de conservação, em dimensão muito superior aos requisitos legais. Diante deste panorama, a Votorantim criou uma nova empresa com a proposta de gerar negócios com a conservação de ativos ambientais. Consequentemente, novas cadeias produtivas foram fomentadas, contribuindo com a população local e com o desenvolvimento econômico por meio da geração de valor compartilhado.

AUPA | Como vocês enxergam e medem os impactos do Legado das Águas na população do Vale do Ribeira e na reserva de Mata Atlântica?

CANASSA | O Legado das Águas gera impacto positivo na sociedade ao desenvolver atividades de pesquisa, educação ambiental e turismo sustentável. Está em nossa visão a geração de valor compartilhado. Por isso, entendemos que a nossa responsabilidade com a população local vai além. O Legado das Águas está inserido em um dos territórios com menor IDH do Estado de São Paulo. Por isso, a Reserva é uma catalisadora de iniciativas sociais e econômicas que possam contribuir para o desenvolvimento dos municípios onde se insere, considerando que o desenvolvimento territorial é pré-requisito das atividades ali praticadas. As ações têm como foco melhoria da gestão pública nos municípios, estímulo ao empreendedorismo, educação e fomento ao turismo com o apoio de empresas parceiras e do Instituto Votorantim.

Nessa questão do turismo, estamos contribuindo para as cidades estruturarem seus Conselhos de Turismo e se tornem municípios de interesse turístico. Miracatu e Juquiá já conquistaram essa condição, por exemplo. Para o Legado das Águas, não basta olhar somente para o que acontece dentro de seus limites, é preciso olhar para fora e oferecer apoio, conhecimento e ferramentas para que os municípios parceiros cresçam e se desenvolvam.

Em 2017, os projetos sociais representaram 7,7% de todo o investimento realizado no Legado das Águas

AUPA | A pauta ambiental também é vista como um modelo de mercado. No caso do Legado das Águas, como funciona a geração de renda?

CANASSA| A geração de receita acontece por meio das atividades desenvolvidas no Legado das Águas. Algumas delas são o ecoturismo, a venda de plantas de nosso viveiro para projetos de florestas e paisagismo, a compensação de Reserva Legal e visitas escolares para Estudo do Meio. No ecoturismo, temos uma grande integração com a região. Nosso projeto de levar a Mata Atlântica para os grandes centros urbanos e desenvolver soluções ambientais de florestas tem gerado excelentes frutos. Para isso, utilizamos todo o potencial da mata conservada do Legado das Águas. Já vendemos projetos de paisagismo para diversos empreendimentos na cidade de São Paulo. Além disso, ajudamos empresas na reconstituição de florestas, com soluções inovadoras para suas demandas de compensação ambiental. Também desenvolvemos projetos em parceria com a Floresta de Bolso do paisagista Ricardo Cardim, fornecendo mudas para plantios voluntários na cidade de São Paulo.

A sede do Legado das Águas também é um local que recebe cursos diversos. Alguns deles são o da Escola de Botânica, do biólogo Anderson Santos e cursos de fotografia na floresta de nosso parceiro Luciano Candisani. E estamos abertos a outras parcerias. Em relação à regularização de proprietários rurais, nós nos propomos a ser uma empresa de soluções ambientais, ofertando soluções para compensação de Reserva Legal e apoio na recomposição de APP’s (Áreas de Proteção Permanente).

AUPA | Vocês fazem o trabalho de compensação de reserva legal no Legado das Águas. Como esse processo atua nos novos modelos de economia?

CANASSA | A compensação em áreas como o Legados das Águas e o Legado Verdes do Cerrado garante a proteção dos serviços ecossistêmicos e a manutenção da floresta em um corredor ecológico. Proprietários rurais têm a obrigação de se adequar às regras de ter 20% de reserva legal. Se realizam essa compensação em sua própria área,  necessariamente, não formará um corredor florestal, pois o reflorestamento isolado perde riqueza de biodiversidade.

Como funciona: o proprietário rural que não tiver os 20% completos de Reserva Legal poderá compensar o déficit na área excedente das Reservas Votorantim. Como exemplo, tendo o proprietário rural apenas 10% de reserva legal, ele poderá utilizar a área excedente do Legado das Águas ou Legado Verdes do Cerrado para compensação dos 10% restantes.

A área equivalente necessária é alocada nos documentos do proprietário rural, de maneira a garantir o cumprimento da obrigação de manter a reserva legal com os seus atributos requeridos. O contrato tem validade de 15 anos, com pagamento de uma taxa anual por hectare. Além disso, o modelo proposto oferece garantia da manutenção da área compensada; apoio técnico com a colaboração dos CAR’s; relatórios anuais; e benefícios de se vincular a um negócio com apoio dos Governos dos Estados de São Paulo e de Goiás.

Precisamos avançar nas parcerias com o Governo

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Via marcas, fundações e institutos familiares e empresariais, a iniciativa privada ainda tem um papel determinante para a chegada das soluções de impacto social na ponta. Pode-se pegar como exemplo os negócios em educação, especialmente aqueles com produtos voltados à educação básica. Alcançar os mais de 40 milhões de alunos no país não é tarefa fácil. Os casos mais comuns ainda são aqueles em que o empreendedor busca parceiros privados para financiar sua entrada no público ou, até mesmo, para ganhar fôlego em negociações longas com o primeiro setor, que podem levar até dois anos.

A MGov é um dos muitos negócios de impacto que opera dessa forma. A empresa, entre outras iniciativas, criou o EduqMais, um sistema de comunicação inteligente via SMS que promove o engajamento dos pais na educação de seus filhos. Com isso, busca melhorar os indicadores educacionais da rede pública. A solução já superou a marca de mais de 140 mil usuários entre pais de alunos da rede pública de ensino, em 36 municípios. Para tanto, contou com o apoio financeiro de fundações e institutos que investem em ações de melhorias na educação pública do Brasil.

Vender produtos e serviços para empresas privadas, como as escolas particulares, é outro modelo utilizado no setor da educação para gerar caixa e viabilizar o acesso à população de baixa renda. A depender do volume e do preço negociado na instituição privada, isso garante a entrada da solução educacional de forma gratuita na escola pública. Segundo dados do 1º Mapa de Impacto de 2017, da Pipe Social, apenas 27% dos negócios de impacto vendem diretamente para o Estado.

As empresas privadas também têm se mostrado um agente direcionador do campo, no apoio indireto aos negócios de impacto, via intermediários. Nos últimos anos, a aceleradora Artemisia, vem desenvolvendo iniciativas customizadas para grandes marcas. A Aceleradora Estação Hack, com o Facebook, a Tese de Impacto Social em Alimentação, em parceria com a Fundação Cargill, e o Lab de Mobilidade Urbana, com o Ford Fund são alguns exemplos.

Percebe-se que o investimento privado é fundamental para impulsionar o ecossistema, principalmente para endossar e apoiar negócios em estágio de desenvolvimento. Entretanto, é preciso avançar nas parcerias financeiras com o setor público.

Iniciativas como as do Centro de Inovação para a Educação Básica (CIEB), do BrazilLAB e PitchGov do Estado de São Paulo colocam o assunto de vendas diretas para o setor público cada vez mais em evidência. São empreendimentos que buscam inovações jurídicas que possam gerar mudanças efetivas na prática de gestores públicos.

Outra iniciativa mais recente do governo federal é a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) que, entre outras frentes, busca ampliar a oferta de capital para esse tipo de empreendimento. Tudo isso é muito positivo.

Será ótimo quando as vendas diretas e recorrentes para o Governo se tornarem uma realidade para as startups de impacto brasileiras!

Dj Bola: “Se os empreendedores são da quebrada, o impacto já está acontecendo na vida deles”

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Foi em 1999 que o movimento juvenil, que promovia eventos de hip-hop no Jardim Ângela, Zona Sul de São Paulo, recebia um nome. A Banca. “Naquela época, era uma questão de sobreviver, conquistar território e espaço, fortalecer uma identidade e não tinha pretensão nenhuma de se tornar uma organização ou viver dela”, recorda Marcelo Rocha, o Dj Bola. Bola foi um dos principais nomes no movimento que retirou do Jardim Ângela o triste título de bairro mais violento do mundo, conforme foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1996.

Quase 20 anos depois, A Banca se tornou uma produtora cultural-social de impacto que utiliza música, cultura hip-hop, educação e tecnologia para fomentar a realização de sonhos e o empreendedorismo dentro da periferia. Em 2007, a iniciativa participou da Expedição Artemísia, que seleciona projetos de impacto de jovens empreendedores. Naquele ano, A Banca estava entre as finalistas, recebendo apoio técnico e financeiro para a sua implementação. “Foi quando tivemos contato com esse conceito de negócios sociais e rolou uma identificação”, conta DJ Bola. “A gente não queria que o nosso sonho morresse por falta de grana e dificuldade em acessar editais.  Precisar de filantropia não é tão simples, é bem concorrido. Por isso, a partir do momento que nós conhecemos esse conceito de negócio com impacto, percebemos que aquilo tinha a ver com o que acreditávamos.” Hoje, A Banca tem CNPJ de associação, com título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

Em uma conversa exclusiva para a Aupa, DJ Bola nos contou sobre as transformações d’A Banca, sua parceria com a Artemísia e FGV-cenn, que resultou na Aceleradora NIP, Negócios de Impacto Periférico, e nos deu sua definição para a palavra impacto.

DJ Bola, d'A Banca, conta em entrevista exclusiva à Aupa sobre seu olhar para os negócios de impacto.

 

Na realidade, a gente busca ser o protagonista. Fazer a ponte de a cidade ser uma via de mão dupla, um ambiente onde a gente possa trocar, ir e vir, se conectar. Hoje a ponte é um simbolismo da separação entre a cidade desenvolvida e a quebrada.

AUPA A Banca foi criada em 2000 como uma produtora musical, cultural e social. No que ela se transformou, na sua opinião? E como foi essa transformação?

DJ Bola Em 2007, começamos a nos fortalecer como uma organização. Até aquele momento, a gente estava na garagem dos meus pais. Ficamos ali por 12 ou 13 anos, sendo que os primeiros projetos, os primeiros discos e o primeiro plano de negócio foram feitos em uma garagem. Quando passamos na Artemísia, em 2007, começamos a reformar esse espaço. Aqui não tinha água, não tinha luz, não tinha essa lousa, cadeiras ou móveis. Viemos para cá e começamos a reformar esse espaço e agora, aqui, é nossa sede. Sobre fomentar o conceito de negócio de impacto levou dez anos para conseguirmos fazer isso na “quebrada”. Quando conhecemos o conceito, começamos a participar e a buscar lugares que falassem dessa temática. Além disso, quando a gente estava nesses lugares não víamos pessoas que moravam na quebrada como protagonistas do processo de desenvolvimento desse conceito. A gente ainda era visto como beneficiário, usuário ou um cliente para alguma inovação social que era criada do outro lado da ponte, para falar da dor que eu vivo aqui todo o dia.

Essas foram as provocações que a gente foi fazendo nesses lugares. Em paralelo, fazíamos reuniões e encontros mensais aqui na quebrada, trazendo pessoas que já vivessem de algum negócio desse sentido ou tivesse algum negócio com ação de impacto, para falar da sua experiência para gerar uma discussão sobre esse conceito que ainda não é difundido dentro da quebrada. A Aceleradora Nip é uma das frentes que estamos tocando esse ano, colocando em prática mesmo, que inclusive, ano retrasado foi acelerada pelo ICE [Instituto de Cidadania Empresarial]. Já no ano passado, realizamos o Fórum de Negócios com Impacto na Periferia, primeiro fórum realizado na quebrada. Começamos o ano com o fórum em março, e encerramos com a aceleradora fazendo busca e seleção de negócios com impacto aqui dentro.

AUPA Qual foi a maior dificuldade que já enfrentou nesses 18 anos?

DJ BOLA São várias. Mas talvez a primeira dificuldade fosse olhar internamente para nós, olhar para gente quanto indivíduo, quanto pessoas com barreiras, preconceitos, medos, a fim de desconstruir isso e conseguir se relacionar com uma galera que vive em uma condição social e econômica diferente da nossa. Outra é conseguir, de fato, sobreviver do nosso sonho. Nosso viés é cultura e música e, viver disso, não é nada fácil, ainda mais, trazendo esse conceito de negócio de impacto. Tivemos que nos reinventar, ter muita resiliência para conseguir estar dentro do mercado e vivos, até hoje, por questões financeiras.

Além disso, tem o desafio de descobrir como fomentar ainda mais o conceito dentro da quebrada e trazer mais pessoas para dentro desse ecossistema. Tem muita tecnologia, informação e investimento acontecendo para pensar sobre nossa vida, e a gente não participa disso. Muitos coletivos e movimentos sociais deixaram de fazer suas ações na quebrada por falta de política pública. É um desafio colocar essa galera para se questionar:  ‘Por que não oferecer algum tipo de serviço? Por que eu tenho que trabalhar para os outros 44h por semana e só fazer aquilo que eu amo no meu tempo vago?’.

DJ Bola, d'A Banca, conta em entrevista exclusiva à Aupa sobre seu olhar para os negócios de impacto.

 

Quando a gente busca negócios da quebrada para acelerar,  entendemos que já tem impacto ali, por comprar, por exemplo, coisas daqui, contratar pessoas daqui.

AUPA Sobre o NIP, quais foram os critérios para realizar as acelerações?

DJ BOLA A Banca já realizou diversos projetos e incubamos algumas pessoas que já trabalharam com a gente. Com a NIP fazemos a aceleração, que é outro olhar para esses negócios de impacto. Lançamos a aceleradora, em 2018, encerramos a primeira turma semana passada com cinco negócios acelerados. Explico por que não quisemos incubar:  nós entendemos que existem outras organizações fazendo isso. Um exemplo é o Empreende aí, que está fazendo incubação com empreendimentos da quebrada. A gente quis fazer um recorte para negócios que já existem e já estão em andamento na quebrada.

Então, o desafio é maior, porque é algo que já está estabelecido. Já tem o seu jeito de fazer, já tem sua cultura, seu modo de lidar com as planilhas, com entrada e saída de dinheiro, como lidar com funcionário. Importante falar que acelerar não é apressar a pessoa e, sim, trazer conteúdos, informações, tecnologias e conexões estratégicas para melhorar o desempenho do negócio aumentando, assim, o  impacto.  Muitas vezes, o termo acelerar gera um desconforto, porque já vivemos “acelerados”, mas, na realidade, é acelerar o empreendimento.

AUPA Como é o modelo de aceleração?

DJ BOLA São encontros presenciais a cada 15 dias, um encontro on-line individual com cada negócio e “mentoria” no processo. Após quatro meses de aceleração, os negócios têm acompanhamento do mentor durante seis meses. Ao final do programa de quatro meses, os Nip’s, que elaboraram um bom plano de ação, poderão receber um investimento de 20 mil reais sem retorno, ou seja, fundo perdido.

Estamos em busca e seleção início da segunda turma.  Estamos focando nos territórios da Zona Sul, distrito Jardim Ângela, Campo Limpo e Capela do Socorro. É bem provável que, ano que vem, a gente atenda a outros territórios de São Paulo, em outras periferias. Decidimos começar nesse território para aprender, validar algumas coisas, refinar a ideia para conseguir ir para outros lugares. Um passo de cada vez.

AUPA Como é a relação de trazer instituições como a Artemísia ou a FGV para a periferia?

DJ BOLA A gente sempre provocou a Artemísia e todos do meio que movimentam esse ecossistema do lado de lá para fazer algo aqui na “quebrada”.  Mas devido a tantas provocações durante esses anos e a outras pessoas que também questionam, a Artemísia começou a perceber que 99% do portfólio da maioria das incubadoras, aceleradoras e organizações de inovação social são negócios com impacto ambiental e social que não são da quebrada. São liderados por homens brancos que têm seus privilégios. Não existe mulher na liderança, não tem negro ou diversidade de gênero. Portanto, a Artemísia começou a se inquietar com isso e, a partir disso nos juntamos.

A gente já estava fazendo essas discussões por conta própria na quebrada, trazendo pessoas e etc. Entre eles, trouxemos o Daniel, da VOX Capital, para falar de fundo de investimento. A gente veio fomentando esse conceito, aqui dentro, com o olhar da quebrada. Aqui, os negócios não são tradicionais como os do lado de lá. Não tem muitos negócios com tecnologia, ligados à saúde e educação. Existem, sim, alguns projetos que, de alguma forma, se interessam por esses desafios, mas não são tantos negócios assim.  Ainda mais, se posicionando como um negócio de impacto. Por isso, a gente começou a trazer esse movimento para cá e fazer barulho aqui. Acredito que isso foi ecoando. Conversei com a FGVcenn [Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios] e me disseram que essa ação era um sonho, mas o Centro não tinha propriedade para realizar, porque não era da quebrada. Por isso, juntamos A Banca, Artemísia e FGV para pensar em uma aceleradora para negócios de impacto na periferia.

O portfólio da maioria das incubadoras, aceleradoras e organizações de inovação social são negócios com impacto ambiental e social que não são da quebrada.

AUPA Então vocês buscam dar o protagonismo para a periferia?

DJ BOLA Na realidade, a gente busca ser o protagonista. Fazer a ponte de a cidade ser uma via de mão dupla, um ambiente onde a gente possa trocar, ir e vir, se conectar. Não sei até quando isso vai acontecer, mas hoje a ponte é um simbolismo da separação entre a cidade desenvolvida e a “quebrada”. Por isso, a gente quer fazer das pontes um lugar de troca. Muitas pessoas me perguntam como a gente está fazendo isso, acham fantástico criarmos a aceleradora e tal.

E não tem segredo: o que a gente fez foi tentar trazer essa metodologia que já existe há muitos anos. Muitas delas são internacionais com vários termos em inglês. A gente quer trazer toda essa bagagem para ser aplicada nos negócios que estão na periferia e são da periferia. A magia disso é a junção de três organizações que vivem outras condições, mas têm objetivos em comum. Com essa junção, trazendo esse conceito para focar nos negócios que são da quebrada em uma narrativa aconchegante. Não em uma narrativa de brainstorm, B2B, uma confusão que, às vezes, distancia. Acredito que esse é o diferencial, é o brilho da parada. Além disso, é um gargalo que o ecossistema de negócio com impacto não conseguiu chegar até hoje. É só olhar para todas essas aceleradoras: quase ninguém da quebrada passou pelos processos ou, então, isso é novo.

AUPA Qual é a sua definição de impacto?

DJ BOLA  Acredito que o impacto, em si, é uma coisa mística, porque eu só o vejo em longo prazo. Ele não se dá a médio prazo e nem curto. O impacto, de fato, é a transformação que a vida da pessoa sofre. Por isso, eu posso dizer que fui impactado pela cultura hip-hop, pela música e por esse conceito de negócio de impacto. Eu tenho 37 anos, há mais de 20 anos estou fazendo a mesma coisa. Portanto, isso me impactou, eu sou uma prova de impacto. Para os negócios que são da quebrada e estão na quebrada, eles não precisam se preocupar com os termos, agora. Primeiro, se eles estão fazendo e são daqui, o impacto já está acontecendo na vida deles. É preciso se preocupar em ficar de pé, em pagar as contas, porque essa é nossa maior dificuldade. Quando a gente busca negócios da quebrada para acelerar,  entendemos que já tem impacto ali, por comprar, por exemplo, coisas daqui, contratar pessoas daqui. Por isso, queremos fortalecer a questão de conquistar mercado, conquistar território, refinar modelo de negócio e trazer ferramentas para que as pessoas possam continuar acompanhando e monitorando o desenvolvimento. Depois,  veremos a curva de aprendizado e o impacto que teve na vida delas.

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