Eventos associados às mudanças climáticas – como calor extremo, secas prolongadas, furacões e inundações – já afetam todas as regiões do mundo, segundo indicam estudos da Organização das Nações Unidas (ONU). A organização vem alertando que, caso ocorra um aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, fato que está perto de acontecer, os eventos climáticos poderão atingir níveis catastróficos nas próximas décadas.
Todos os anos, a COP, abreviatura de Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, reúne líderes dos 193 países-membros da ONU e representantes da sociedade civil para debater e acordar compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), entre outras ações climáticas.
Um dos focos da COP desse ano, que está na sua 26ª edição e está sendo realizada em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, será a ambição dos líderes mundiais em atingir as metas do Acordo de Paris – para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C.
Segundo Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima (OC), essa COP exercerá “pressão em cima dos países, para que eles aumentem seus compromissos climáticos.” Isso, porque o relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima apontou que o mundo está caminhando para um aquecimento de mais de 2°C ainda este século, tornando necessárias medidas drásticas e rápidas de redução nas emissões globais de GEE, entre outras medidas de controle da crise climática.
Ambição climática
Segundo Marcelo Furtado, professor visitante da Universidade de Columbia e fundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, o Brasil tem peso nas negociações climáticas da COP, porque se o mundo conseguirá ou não limitar o aquecimento global até 1,5ºC, dependerá muito da atuação do país. O Brasil é responsável pela gestão de 60% da Floresta Amazônica, que tem papel-chave relevante na remoção de carbono da atmosfera. Além disso, o país é o quarto maior emissor histórico de carbono no mundo, principalmente por causa dos índices elevados de desmatamento e atividade agrícola.
O atual descontrole do desmatamento no país, entretanto, afasta o Brasil do alcance das suas próprias metas em contribuição ao Acordo de Paris, afirma Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e membro do Conselho Consultivo de Crise Climática (CCAG, na sigla em inglês). O país também “não avançou muito na proposta de restauração de áreas degradadas” e “as emissões no setor de energia estão aumentando com a crise hídrica”, ressalta a docente.
Apenas 0,5% da meta brasileira de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 foi cumprida. Em relação ao investimento em energia limpa, o governo do Brasil está apostando no contrário – mais incentivo aos combustíveis fósseis, altamente poluentes, já que os reservatórios de água das hidroelétricas estão baixos.
O Brasil chegará à COP26 como um destaque negativo de governança climática, destaca Herschmann. “É um dos poucos países que têm retrocedido nos compromissos apresentados à ONU”, além de ter dado uma “pedalada climática” na sua NDC, ressalta.
A NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, é o documento que oficializa as metas e os compromissos climáticos de cada país em contribuição ao Acordo de Paris. A primeira NDC brasileira apresentada em 2015, comprometia o país a reduzir suas emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Mas, ao ser atualizada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), em 2020, teve sua ambição reduzida – permitirá ao Brasil emitir 400 milhões de toneladas de GEE a mais nessa década.
Financiamento climático
Outro foco de discussão na COP26 será o financiamento de soluções à crise climática. A promessa antiga dos países desenvolvidos de destinar 100 bilhões de dólares, anualmente, a países em desenvolvimento, para ajudá-los a reduzirem suas emissões e se adaptarem às mudanças climáticas, ainda não foi cumprida e, provavelmente, será negociada nessa COP, explica Herschmann.
A especialista do Observatório do Clima destaca que o mercado de carbono também será um tema relevante na COP2, porque “ele tem sido bloqueado, as negociações não têm avançado nos últimos anos.” Inclusive, o Brasil é uma das razões desse bloqueio. Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, que liderou a delegação brasileira na COP25, em 2019, gerou um impasse nas negociações sobre regras do mercado global de créditos de carbono, impedindo a obtenção de um acordo.
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Mas, as negociações da COP26 precisam ir além do carbono e abranger os serviços ecossistêmicos, pois a conservação de biodiversidade, água e solos é tão importante para o clima quanto a redução de emissões, sugere Furtado. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura recomenda, como medida climática para o Brasil, o investimento em programas de remuneração para aqueles que contribuem para a manutenção e a recuperação de serviços ecossistêmicos no país, principalmente os povos originários, comunidades tradicionais, produtores e assentamentos rurais.
Vale ressaltar também a urgência de mais investimentos em soluções baseadas na natureza, como redução do desmatamento, agricultura de baixo carbono, restauração de áreas degradadas com espécies nativas, entre outras. Afinal, mais de 70% das emissões de GEE do Brasil estão relacionadas ao uso da terra, então é necessário mudar tais práticas. Ainda: a agricultura é um dos setores mais vulneráveis às mudanças climáticas, já que o fenômeno afeta a produção agrícola e a segurança alimentar nacional e global.
Adaptação climática
A ONU estima que a crise climática levará 100 milhões de pessoas à pobreza e à insegurança alimentar até 2030. Portanto, mobilizar recursos para a adaptação, ou seja, para reduzir os riscos socioambientais e vulnerabilidades causadas pelas mudanças climáticas, é tão importante quanto para a mitigação de emissões de GEE.
Porém, a crise climática não está impactando todos os países e povos na mesma proporção. “Os países desenvolvidos foram os que mais contribuíram para a crise climática e são os que mais possuem recursos de mitigação e adaptação”, explica Amanda Costa, ativista climática, Jovem Embaixadora da ONU e fundadora do Perifa Sustentável. “Então, eles precisam disponibilizar esses recursos para os países mais vulneráveis – que tiveram menos responsabilidade nesta crise que estamos vivendo, mas que já são os principais impactados”.
No Brasil, um dos principais desafios climáticos é o “racismo ambiental” e a necessidade de promoção de “justiça climática”, sugere a ativista. Isso, porque os povos mais vulneráveis, como as populações negras, pobres, indígenas, quilombolas e ribeirinhas, vêm sofrendo as principais consequências dos desastres ambientais e de um sistema econômico que utiliza uma “narrativa neocolonizadora” para explorar as pessoas e os recursos naturais, explana Costa. Dessa forma, colocar essas pessoas no lugar de fala e no centro da narrativa, “é uma premissa para encontrar soluções justas, equitativas, igualitárias e reais” para a crise climática, ressalta a ativista.
Segundo Bustamante, a ciência mostra que o Brasil chegará à COP26 como um destaque negativo, tendo em vista os desafios significativos de mitigação e adaptação climática ainda por resolver no país. “No entanto, é encorajador ver a atuação positiva de governos estaduais e municípios, e a articulação de movimentos da sociedade civil responsáveis por avanços importantes,” destacou a pesquisadora.
Neste contexto, embora tenha sido um modelo de diplomacia climática outrora, o Brasil chegará à COP26 “sem credibilidade nenhuma”, segundo Marcelo Furtado. Isso, porque o Governo Federal não apresentou nenhum plano de como serão alcançadas as metas de descarbonização da economia brasileira, além de caminhos para zerar ou reduzir o desmatamento ilegal.
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