O debate público sobre a mudança climática evoluiu nos últimos tempos: não está mais centrado em se é real – o que já está bem evidente – mas, sim, em como combater as causas desse fenômeno. O consenso global sobre a importância de resolver a crise climática tem levado cidadãos no Brasil e em outros países a processarem governos por irresponsabilidade. E até influenciou a criação de uma nova versão do famoso jogo Banco Imobiliário.
A importância de um modelo de desenvolvimento econômico sustentável ou verde, que preserve o meio ambiente e a qualidade de vida no presente e futuro, também tem sido enfatizada por diversas instituições, especialmente a Organização das Nações Unidas (ONU). Uma proposta de destaque é o uso de instrumentos financeiros para incentivar ações de combate à crise climática e de transição para uma economia verde.
O mercado de carbono vem sendo trabalhado em vários países, inclusive no Brasil, mas com regras distintas. A teoria é que um crédito de carbono, uma “moeda verde” com valores negociáveis, que pode ser pago a indivíduos ou instituições por atividades que evitem a liberação de, no mínimo, uma tonelada de gases de efeito estufa (GEE).
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O gás carbônico é um dos principais GEE que – por estarem sendo liberados na atmosfera em quantidades excessivas – poluem o ar e desequilibram o clima e os ecossistemas. Os setores da economia brasileira que mais causam emissões de GEE são a agropecuária e o setor florestal, principalmente devido aos do desmatamento.
Assim, programas de créditos de carbono voltados ao setor agroflorestal têm um grande potencial em ajudar a combater a crise climática, além de outros problemas ambientais e socioeconômicos no Brasil. Mas será que essa teoria e também a boa intenção funcionam na prática?
Oportunidades
O mercado de carbono incorpora métodos de valoração ambiental, ou seja, de precificar bens e serviços ecológicos. A empresa ECCON Soluções Ambientais, por exemplo, criou um banco de áreas verdes que serve para valorar e, portanto, incentivar a preservação de remanescentes florestais. A preservação de florestas nativas é uma das principais formas de sequestrar carbono e mitigar impactos climáticos, além de contribuir para a proteção do patrimônio natural e cultural.
“O Banco de Áreas Verdes ECCON, atualmente chamado ECCON Data, consiste em uma plataforma de intermediação voltada aos negócios ambientais em florestas privadas, fazendas produtivas e outros tipos de propriedades rurais”, explica Yuri Rugai Marinho, CEO da empresa.O sistema digital criado pela ECCON permite “automatizar e baratear as transações que envolvem ativos ambientais,” facilitando negócios tanto de regularização e compensação ambiental, quanto de neutralização de carbono entre indivíduos e instituições nacionais ou multinacionais, segundo Marinho.
Além disso, a iniciativa remunera proprietários de áreas verdes pela conservação da natureza – promovendo ganhos ambientais, sociais e econômicos. Já estão cadastradas na plataforma mais de 180 propriedades, equivalente a 800 mil hectares em todo o território nacional.
Outra estratégia importante para combater a crise climática e gerar créditos de carbono é reflorestar e restaurar áreas degradadas. Esse é o nicho de mercado que atua Carlos Alberto Tavares Ferreira, diretor-presidente da Carbono Zero, empresa paranaense que desenvolve projetos de compensação de emissões de carbono para organizações, eventos e famílias.
Há 20 anos, Ferreira reflorestou uma área equivalente a 84 campos de futebol em Campo Largo, a 30 quilômetros de Curitiba, com árvores nativas da Mata Atlântica – sobretudo, Araucárias, espécie raramente encontrada no país, tendo em vista que 88% da vegetação do bioma já foi dizimada. Hoje, ele possui um banco genético em sua reserva ambiental, que fornece sementes e mudas de plantas a vários viveiros e programas de conservação no Estado do Paraná.
“Desde 2004, temos catalogadas mais de 3.600 matrizes do bioma Mata Atlântica”, conta Ferreira. “Nós estamos mostrando que não existe só o bioma Amazônia – temos outro bioma muito rico, mas que é esquecido. Queremos precificar os ativos [ambientais] da Mata Atlântica, para que ela seja tão preservada e financiada assim como está sendo a Amazônia”.
Atualmente, mais de 90% dos remanescentes de Floresta Atlântica se encontram em propriedades privadas. Tal fato revela que o setor privado e os instrumentos financeiros têm um papel-chave na conservação ambiental e da biodiversidade no Brasil. Ainda: estudos apontam que a concessão de crédito financeiro baseada em requisitos de sustentabilidade, tende a melhorar o desempenho socioambiental de produtores rurais.
Ferreira também fornece consultoria técnica ao programa Corredores de Água Boa, desenvolvido através de parcerias entre os setores público e privado. O programa fornece incentivos financeiros a proprietários de áreas rurais ou urbanas que exerçam atividades de restauração de nascentes de água e matas ciliares no entorno de rios – como forma de recompensá-los pela “produção de água” e a manutenção de microbacias que regulam microclimas, segundo Ferreira. Essa iniciativa, além de contribuir para a segurança hídrica municipal, poderá gerar créditos de carbono ou um aumento no recebimento do ICMS ecológico dos municípios abrangidos, devido à restauração de áreas verdes e à criação de corredores ecológicos.
Outras iniciativas multissetoriais se destacam no cenário da economia verde no país. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – um movimento iniciado em 2015 e que conta com a adesão de quase 300 empresas e organizações da sociedade civil – lançou recentemente o Observatório da Restauração e Reflorestamento. A plataforma on-line revelou que o país apresenta cerca de 79 mil hectares de áreas com projetos de recuperação da vegetação nativa, 10 milhões de hectares de áreas que se regeneraram naturalmente e 9 milhões de hectares de reflorestamento, principalmente para produção de madeira, papel ou celulose.
Com a plataforma, será possível acompanhar a evolução de projetos de restauração e reflorestamento que estão sendo desenvolvidos em todos os biomas do país e conhecer quem está fazendo isto. “No entanto, não é possível afirmar se essas florestas regeneradas serão mantidas, pois os dados de satélite não permitem identificar se houve a intenção de deixar essas áreas regenerarem ou se foram áreas abandonadas que seguem ameaçadas por novos desmatamentos”, segundo informações da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Desafios
Um dos principais desafios para o desenvolvimento do mercado de carbono brasileiro é:
“No Brasil, não existe ainda legislação para créditos de carbono,”
diz Carlos Alberto Tavares Ferreira, da Carbono Zero.
Desse modo, programas de compensação de emissões, principalmente os que não têm nenhum tipo de certificação ou verificação externa, correm o risco de apresentarem irregularidades e não serem completamente eficientes na geração de impactos socioambientais positivos.
A ONG Carbon Market Watch (Observatório do Mercado de Carbono, em tradução livre), sediada na Bélgica, aponta alguns problemas que podem advir dos mercados não regulamentados. “Muitos princípios precisam ser assegurados para garantir a integridade dos mercados de carbono”, afirma Gilles Dufrasne, analista de políticas na Carbon Market Watch.
Por exemplo: “Os formuladores de políticas e as partes interessadas precisam garantir que as reduções de emissões sejam reais – que essas reduções não aconteceriam sem o financiamento recebido com a venda [dos créditos de carbono] e que estes sejam mensurados corretamente”. O analista ainda sugere o analista que é preciso assegurar que os programas de compensação de carbono “não afetem negativamente pessoas ou o ambiente”, especialmente os povos e os territórios indígenas.
O relatório “Voluntary Carbon Markets and land credits” aponta que a compra de créditos de carbono em programas para preservação ou restauração de florestas é uma forma válida de compensar as emissões de empresas que praticam desmatamento legal, mas não deve ser permitida para compensar as emissões vindas de empresas de combustíveis fósseis, por exemplo. Afinal, poderá desviar a responsabilidade de empresas de energia em reduzir as emissões da sua própria atividade, o que é problemático, uma vez que o setor energético é o maior emissor de GEE no mundo.
Essa contradição também pode ocorrer com empresas de outros setores muito poluentes. A Bayer, por exemplo, gigante do agronegócio e de origem alemã, vai iniciar um programa de inserção de agricultores brasileiros no mercado de carbono através de orientação sobre práticas produtivas sustentáveis. Resta saber se a empresa pretende deixar de vender agrotóxicos altamente poluentes para o Brasil – muitos dos quais já foram proibidos na Europa e em outros países –, entre outras iniciativas para reduzir a sua própria pegada de carbono.
A regulamentação de um mercado compulsório de carbono pelo Governo brasileiro poderia diminuir o risco de irregularidades, além de criar incentivos para ações de preservação ambiental. Segundo Marinho, da ECCON, “a instituição de normas que proporcionem segurança jurídica – tal como a recente Lei n° 14.119/ 2021, que fixa a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – pode encorajar a adesão e o incremento de operações que rentabilizem a preservação”.
Com a ratificação do Acordo de Paris, o pacto global de combate à crise climática, um número cada vez maior de países está se comprometendo a alcançar a neutralidade em carbono até 2050. E isso demandará compromissos sérios de governos, afinal, para combater as principais causas da mudança climática, como o desmatamento ilegal, é preciso vontade política – não apenas financiamento.
Apesar da falta de ambição do Poder Público, todos os brasileiros e as instituições no país têm uma parcela de responsabilidade em adotar práticas socioambientais positivas. Assim como sugere Ferreira, se você quer proteger o clima e a biodiversidade, “faça você mesmo”.