O ESG vai bem, obrigado. A sopa de letrinhas apadrinhada pelos fundos de investimento foi a paleta mexicana do verão passado e tudo indica que continuará sendo nos próximos verões. Pandemia à parte, a crise aqui significa oportunidade. O movimento do mercado financeiro é rápido e principalmente certeiro: atender uma demanda crescente por novos picolés coloridos – mesmo que eles nem existam.
A sigla, a intenção e o movimento são legítimos, embora nada inovador. As iniciais E (Environmental), S (Social), G (Corporate Governance) são o novo dogma do capitalismo financeiro, ou melhor, do capitalismo consciente ou ainda, do capitalismo de stakeholders. Ou seja, do capitalismo. Traduzindo, o clube ESG criou uma “marca-manifesto” para dizer que, a partir de agora, todas as empresas e os investidores precisam cuidar do meio ambiente, se importar com as pessoas e contratar sem preconceitos seus funcionários. De fato, isso nunca foi e nem deveria ser novidade, nem hoje, nem nunca.
A ideia é tão básica quanto sedutora, mas segue o padrão ético do mercado. Isso não é exatamente um problema. O problema em si está nas reais intenções e no quão verdadeira a sigla e o movimento perante a sociedade. E, principalmente, para onde isso nos levará. Resumindo, ESG é um movimento puxado sobretudo pela maior gestora de fundos do planeta, a Black Rock, com um único objetivo: se antecipar ao futuro e fazer o mercado financeiro inovar e manter sua hegemonia. Salvar o planeta e ajudar os outros é um detalhe. Ops, o objetivo. Afinal, o Sr. Larry Fink (que administra 5 vezes mais recursos do que o PIB do Brasil) não pode arriscar sua pele e sua reputação. Ops, o mundo.
Por agora, o ESG continua sendo o que sempre foi, uma carta de intenções, nada mais. Dúvidas sobre sua eficiência e veracidade estão aí. Qual é, de fato, o critério, o lastro? A transparência dos dados é real? E quais organismos, auditores – além do próprio mercado – que mensuram as práticas e podem garantir resultados socioambientais? O G da governança passou longe e esqueceram de ouvir e chamar para assinar a “marca-manifesto” a sociedade civil e o Estado. Sim, eles existem, mas o clube de Davos prefere não chamar. Preferem seguir como movimento – de vanguarda, diga-se de passagem – do mercado dizendo para o mercado. Mas, quando só uma parte fala, a democracia falha e a narrativa pode ser, no mínimo, equivocada, para não dizer arrogante.
Fatos não faltam para dizer o quanto o ESG funciona apenas como um alter ego e não para o resto da bolha que habita o mundo. Em sua última carta (sim, repito, é apenas uma carta mesmo), o mito Larry Flink é categórico em seu recado: pede, exige, incita, exorta e até ameaça quem não entrar na linha. Diz que acredita que estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças e fala que haverá uma realocação significativa de capital. Adverte para as empresas correrem com seus relatórios, antes que as “agências regulatórias exijam”, e finaliza: “Estou muito otimista sobre o futuro do capitalismo e da saúde futura da economia”. Leia a carta e tire suas próprias conclusões.
A sigla ESG virou mainstream para o universo dos farialimers e segue como fraco balizador de práticas, como a que ocorreu no Carrefour de Porto Alegre. O clube até se apressou e excluiu a marca francesa da “lista do bem” da bolsa de valores brasileira (a B3), logo após o assassinato de Beto Freitas em 20 de novembro.
Mas fica a dúvida: o fato de o supermercado “ser ou não ser” ESG mudou algo? Outras marcas vão entrar e outras vão sair e o compromisso estará tão fiel quanto o fechamento do pregão diário.
Claro que nem tudo são trevas e, sim, há empresários, movimentos e investidores éticos no Brasil e no mundo, mas isso é outra história. Os comprometidos com os Direitos Humanos e com a crise climática estão em outras salas. Longe da corretora brasileira que usa sigla sem vogal no nome e que está aliviada, pois a pandemia já passou dessa classe social. É muita cifra e muito alarde para pouco. O clube do ESG peca pelo isolamento. A democracia desses lobos é muito diferente da dos mortais.
Tomara que sejam apenas siglas e cartas. De intenções, o mercado e o inferno estão cheios. Espero que sigam lá, que a bolha deles continue com eles e que não estoure para o resto pagar a conta no final, mas não sou tão otimista quanto o Sr. Flink.
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