Márcio Teixeira convive com a realidade da periferia há muito tempo. Ele é sócio-fundador da A Banca, que atua no ecossistema de negócios de impacto periféricos desde 2008. E, apesar de já ter visto muitas dificuldades durante esse período, está impressionado com a situação do desemprego nas regiões mais pobres da cidade de São Paulo. Segundo ele, as desigualdades já estavam aumentando antes da pandemia, pioraram no ano passado e se agravaram com a segunda onda de Covid-19. 

Márcio destaca que, quando a pandemia começou, houve uma mobilização maior para apoiar a periferia – contudo, na leitura dele, na segunda onda esse apoio foi menor. Ou seja, justamente quando os números da pandemia pioraram, e a economia voltou a parar, os investimentos se tornaram ainda mais insuficientes.

Segundo dados do Monitor das Doações da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), não houve redução nas doações. Porém, os números ficaram praticamente estáveis, com cerca de R$6 milhões doados por mês.

O resultado disso é óbvio: pessoas sem lar e sem comida na mesa. A fome chegou a 19 milhões de brasileiros, pior número desde 2004, segundo a pesquisa Olhe para Fome. Ainda: mais de nove mil famílias brasileiras foram despejadas durante a pandemia, de acordo com a Campanha Despejo Zero

Em entrevista à Aupa, o sócio-fundador da A Banca acredita na importância de discutir soluções e no poder da mobilização. “Não é preciso inventar a roda. É preciso ouvir quem já está fazendo a roda girar”, diz ele.

Confira a conversa na íntegra.

AUPA – O desemprego aumentou a informalidade e também forçou muitas pessoas a partirem para empreendimentos de emergência. Mas, para empreender, é preciso conhecimento específico. Como lidar com essa dificuldade?
Márcio Teixeira – Vejo muitas pessoas empreendendo, sim, mas na escassez. É um empreendedorismo à força. É vendendo objetos na rua e no farol. É difícil ver essa pessoa montando um negócio, porque não tem grana. Ela empreenderá na necessidade e na escassez. Ela foi obrigada a fazer e vai tentando do jeito que dá. Agora, abrimos inscrição para o Lab Nip (laboratório para Negócios de Impacto da Periferia) e foram mais de 300 inscritos. Tem o lado de pessoas que estavam mais envolvidas com a área social e agora estão enxergando possibilidade de empreender nesse setor. Tem que buscar maneiras de gerar renda. É buscando informações. E há profissionais que  se mantêm e  encontram um caminho.

AUPA – Como esses empreendedores de última hora são ajudados, atualmente, pelo Governo e por instituições? O que poderia melhorar?
Márcio Teixeira – Há ajuda, como a própria Anip (Articuladora de Negócios de Periferia). Mas ainda falta muito. Quando começou a pandemia, houve mais mobilização para investimentos e  fundos foram criados. Tivemos investimentos, recursos e até mais sensibilização para doação. Agora deu  uma parada. Até tem, mas é insuficiente. E não é só o Governo, afinal institutos e fundações também precisam olhar para isso. Grandes empresas precisam ter um olhar mais apurado. Falta ainda, porque, ao mesmo tempo que  muitos negócios fecharam, tem muita empresa grande faturando mais. Os ricos ficaram mais ricos na pandemia. É necessário  um olhar mais responsável para isso.

AUPA – O que podemos apontar como soluções, para o Governo, para as instituições ou para os empreendedores das periferias?
Márcio Teixeira – O que não aconteceu no nosso país, quando veio a pandemia, foi uma mobilização geral.  É necessário criar um comitê extraordinário para pensar as ações. O que vejo é muita gente separada. Há uma briga por eleição. E, pensando nos empreendedores, precisamos de uma assistência emergencial, ao mesmo passo que é preciso investir no conhecimento e na informação, porque para inovar é necessário conhecer. Entramos em uma situação onde a internet virou a principal via de comunicação. E não há acesso à boa conexão de internet nas quebradas. Então, falta investimento de todos os lados para a pessoa periférica conseguir pensar, estudar e inovar. Ficamos nesse jeito meio maluco, no desespero e chutando. O Governo precisa  olhar para quem já está fazendo as articulações. Não adianta querer inventar a roda se a roda já foi criada. É se aproximar de quem está fazendo e abordando esses assuntos e de quem está discutindo esse assunto de empreendedorismo nas quebradas. Esse é um caminho.

AUPA – A Anip é justamente uma empresa que está por dentro deste assunto. Quais foram as principais ações tomadas durante a pandemia?
Márcio Teixeira – Inicialmente, criamos o fundo Volta por Cima, como primeira ação emergencial. Foi uma parceria com a Artemisia, a FGV (Fundação Getúlio Vargas) e o Banco Pérola. Trata-se da primeira ação voltada a conceder créditos aos negócios que passaram pela Anip e pela Artemisia para acessar recursos sem juros. Outro ponto é manter uma relação mais próxima para entender processos e o que cada um está precisando. Nos reunimos mensalmente para trocarmos informações e encontrarmos soluções. O principal problema é financeiro, afinal as pessoas pararam de consumir. Há negócios que não conseguiram migrar para o digital. Alguns outros empreendimentos estão focados em atender a quebrada e o entorno deles, para conseguir cestas básicas, por exemplo.

AUPA – Como era sua percepção sobre o mercado de trabalho na periferia, comparando o antes e depois da pandemia?
Márcio Teixeira – É perceptível o grande número de pessoas desempregadas, processo que já vinha acontecendo desde antes da pandemia. A chegada da Covid-19, e suas consequências sociais, deu uma acelerada no processo. Contudo, o desemprego já estava crescendo. Hoje, vemos o aumento do número de pessoas pedindo dinheiro e comida na rua. Há muito tempo não víamos pessoas pedindo comida de porta em porta. Isso é algo que tem aumentado com frequência.

AUPA – Então, você percebe que muitas pessoas tiveram queda de 100% da renda mesmo?
Márcio Teixeira – Sim. Eu estive na Praça do Sé, no centro de São Paulo, há alguns meses atrás. Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas que agora moram lá. Vi várias famílias com barraquinha e crianças brincando como se estivessem no quintal de casa. 

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