Parece óbvio que problemas complexos e sistêmicos da sociedade, como a fome, a baixa qualidade da educação, a falta de acesso à saúde, as mudanças climáticas, entre outros, não se resolvem de uma hora para a outra e somente por um ator do ecossistema ou um grupo pequeno – por mais bem intencionados e dispostos a mudar a realidade que estes estejam.
No entanto, em nosso trabalho na ponteAponte, estamos notando, cada vez mais, o desejo e a necessidade das empresas, especialmente startups, em ter quick wins quando falamos de impacto social. Isto é, de lançar iniciativas que tenham resultados de curto prazo (curtíssimo, na verdade) e, de preferência, que declarem uma meta ousada, um impacto significativo para ser divulgado.
Isso pode estar acontecendo por várias razões: a própria estrutura mais lean e agile desse modelo de empresa, que costuma fazer rápido, errar rápido e corrigir rápido, a alta rotatividade de profissionais, que precisam entregar resultados no pouco tempo em que ficam no cargo, pressões externas da própria sociedade, da mídia e de concorrentes para as empresas se mostrarem mais sustentáveis devido à “onda ESG”, e talvez até uma ansiedade “geracional” de quem quer resolver os problemas que as gerações anteriores não conseguiram.
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No entanto, “sair fazendo” sem pensar numa estrutura mais consistente, com ações de curto, médio e longo prazos coerentes, e com a lógica de ir corrigindo ao longo do caminho, pode até funcionar para o lançamento de iniciativas digitais no mercado, como muitas dessas startups fizeram, com sucesso. Porém, quando falamos sobre impacto social a situação é mais complexa.
Não vamos resolver o problema da fome no país simplesmente distribuindo cestas básicas ou criando hortas comunitárias, não vamos resolver o déficit de educação somente apoiando iniciativas de contraturno escolar ou doando tablets para escolas, não vamos sanar os efeitos da pandemia apenas com doações de máscaras ou mesmo doações financeiras para hospitais públicos. Claro que ações emergenciais, numa situação emergencial como a que estamos vivendo, são essenciais. Como diz a campanha da Coalizão Negra Por Direitos e parceiros: “Se tem gente com fome, dá de comer!”.
Entretanto, para uma mudança sistêmica e resultados efetivos e duradouros, é essencial que o investimento social privado e a filantropia tenham uma estratégia por trás, mesmo ainda tendo que mitigar, sim, os danos que testemunhamos todos os dias da nossa trincheira. Faz diferença ter uma tese de impacto que apresente com clareza qual o impacto desejado, em que horizonte de tempo, que ações são necessárias para se atingir os resultados esperados, como eles serão medidos, entre outros fatores que devem ser considerados nessa atuação. Construir essa estratégia leva algum tempo, exige reflexão e engajamento dos responsáveis pela empresa e um comprometimento real com ações de curto, médio e longo prazos (e em longo prazo não estamos falando de um ano, mas de pelo menos cinco ou dez anos).
Além disso, para resolver problemas sociais e ambientais complexos, é fundamental pensar em conjunto, em iniciativas intersetoriais, em articulação de parceiros que possam contribuir para a estratégia como um todo, que possam chegar aonde a empresa não chega ou atuar nas lacunas desta. Não à toa, um dos ODS, o 17, é justamente sobre Parcerias e Meios de Implementação. Não resolveremos os problemas da sociedade atuando em “silos”, cada empresa tentando fazer seu melhor, porém sem colaboração e, muitas vezes, dispersando esforços em vez de somá-los.
Para os quick wins tão desejados, uma possível solução pode ser pensar em iniciativas-piloto ou em fases distintas para as ações, divulgando os resultados por etapas, porém sem deixar a macroestratégia de lado no compromisso acordado com a sociedade.