No último dia 9 de julho, o G20 endossou a proposta de um imposto mínimo global de 15% às multinacionais. Ela foi lançada no começo de junho pelos Ministros da Economia dos países do G7 e já foi firmada por 132 dos 139 membros do Quadro Inclusivo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que visa combater a evasão fiscal por parte de corporações multinacionais.

Embora o acordo tenha sido celebrado como “histórico”, a verdade é que uma taxa tão baixa apenas perpetua a história de sempre: uma grande desigualdade na distribuição de lucros, beneficiando somente os países desenvolvidos. É um acordo dos países do Norte para os países do Norte.

De acordo com estimativas da Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation (ICRICT) e da Tax Justice Network (TJN), seriam gerados 275 bilhões de dólares adicionais a cada ano. Parece bom, mas o diabo mora nos detalhes. Desse montante, os países do G7 e outros desenvolvidos ficariam com um total de 60% da receita, enquanto as outras nações, cerca de 120, teriam que distribuir os 40% restantes, dos quais entre 10% e 15% iriam para países em desenvolvimento. A América Latina ficaria com apenas 3% desse valor.

Dessa forma, os Estados Unidos, por exemplo, receberiam cerca de 83 bilhões de dólares, enquanto o Peru mal receberia 471 milhões de dólares. Ou seja, o governo da Casa Branca receberia 176 vezes mais recursos financeiros do que a nação sul-americana,

Além disso, a proposta prevê que o imposto seria aplicado para empresas com faturamento anual maior do que 750 milhões de euros. Na prática, as empresas que apresentam esse faturamento são poucas: grandes corporações como a Apple, por exemplo, se aproveitam de alguns mecanismos para distribuir seus benefícios, fazendo com que o faturamento declarado não chegue ao mínimo estabelecido

A proposta diz ainda que se deve tributar onde se gera o consumo, não onde estão as operações em si. Em outras palavras, isso significa que a arrecadação tributária do imposto mínimo global iria para os países sede, isto é, onde estão as matrizes das corporações, e não para os países onde elas efetivamente operam, que normalmente são países em desenvolvimento.

Vale ressaltar também que a alíquota de 15% é muito inferior à média global de impostos sobre o lucro das empresas (que é de acima de 25%) e se aproxima mais dos 12,5% propostos por jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, os paraísos fiscais. Inicialmente, o presidente estadunidense Joe Biden havia proposto uma alíquota de 21% para o imposto mínimo global, mas ao longo das negociações – que foram feitas a portas fechadas na OCDE – essa taxa apenas baixou e tende a estimular uma corrida para reduzi-la ainda mais.

Por fim, as regras tributárias globais continuam sendo estabelecidas por um grupo de países ricos, que ironicamente são os que mais possibilitam o abuso fiscal corporativo. De acordo com o Corporate Tax Haven Index 2021, os países da OCDE e suas dependências (como Jersey, dependência da Coroa britânica, e Aruba, da Holanda) são responsáveis por 68% dos riscos de abuso fiscal corporativo em todo o mundo. Embora a OCDE tenha ensaiado incluir o Sul global nas negociações através de seu Quadro Inclusivo, países como o Brasil não têm direito a voto, portanto não participam das decisões.

Num momento em que mais precisamos de recursos financeiros para combater a crise socioeconômica desencadeada pela COVID-19, propostas desse tipo minam os esforços dos países de menor renda para gerar recursos adicionais. Como disse Dereje Alemayehu, coordenador executivo da Global Alliance for Tax Justice (GATJ), “Uma solução acordada num processo informal, opaco e sem a participação de representações significativas não pode ter legitimidade para ser um acordo internacional vinculante”.

A Argentina defendeu publicamente que o imposto mínimo global deveria ser superior a 15% e não menor do que 21%, embora finalmente tenha endossado a declaração do Marco Inclusivo. Outros países, como a Nigéria e o Quênia, expressaram sua total discordância com a medida, uma vez que as alíquotas de impostos corporativos em muitos países em desenvolvimento variam entre 25% e 35%. Assim, uma taxa global em torno de 15% pouco contribuiria para a redução significativa da transferência de lucros para locais com taxas mais baixas.

Para além de aumentar a alíquota para pelo menos 21% e idealmente para 25% e garantir os direitos tributários de todos os países, como o movimento global por justiça fiscal defende, precisamos de reformas tributárias mais ambiciosas e transformadoras para um acordo equilibrado que responda plenamente às preocupações e aos interesses dos países em desenvolvimento.

É preciso que a reforma da arquitetura financeira e tributária global ocorra num espaço onde todos os países possam participar da tomada de decisão. E as Nações Unidas são o único espaço onde esse processo poderia ser verdadeiramente inclusivo, democrático, justo e transparente.

Este artigo é uma reflexão de Luis Moreno.

Luis Moreno é presidente do comitê de coordenação da Global Alliance for Tax Justice (GATJ). É também membro da Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe (RJFALC), rede regional da GATJ, e coordenador da área de justiça fiscal da Red Latinoamericana por Justicia Económica y Social (Latindadd).

 

 

 

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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