As mulheres representam mais de 50% da população brasileira, de acordo com dados do IBGE. Infelizmente, a expressividade numérica não acompanha a garantia de direitos igualitários.
Apesar de serem a maioria da população com idade para trabalhar, as mulheres representam 43% das pessoas ocupadas no país, enquanto os homens são 57% dos empregados, segundo informações do 3º trimestre de 2020 da Pnad. Esse dado reforça, ainda, como elas foram as mais afetadas pelos reflexos da pandemia.
E a balança desigual não para por aí: mulheres ganham, em média, 30% menos do que homens no mesmo cargo. Se expandirmos a lente para outras áreas, o sexo feminino é o mais afetado pela violência de gênero: a cada 6h23 uma mulher é morta dentro de casa.
As estatísticas desfavoráveis fazem com que o ecossistema de impacto se movimente. Seja no empreendedorismo, seja no ambiente corporativo por meio do investimento social privado, mulheres estão buscando impactar as vidas de outras mulheres, transformando as desigualdades e combatendo as violências.
Empreendedorismo feminino
Quando Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), iniciou o trabalho na rede, em 2010, pouco se falava sobre empreendedorismo feminino ou diversidade.
Após a experiência que Ana teve no programa 10 mil mulheres – parceria da FGV com a empresa Goldman Sachs para capacitar mulheres em gestão de negócios – a Rede Mulher Empreendedora nasceu para apoiar empreendedoras do Brasil em diferentes frentes.
“No começo, nós – mulheres empreendedoras – éramos cerca de 30%, hoje somos quase metade dos pequenos empreendedores. Mas isso não necessariamente é algo bom, pois as mulheres são empurradas do mundo corporativo. É um ambiente hostil, muitas mulheres caminham para o empreendedorismo para conseguir flexibilidade, especialmente as mães”,
reflete Ana Fontes, fundadora da RME.
Insatisfeita com o cenário desigual vivido pelas mulheres, em 2017, Ana fundou o Instituto Rede Mulher Empreendedora, considerado o braço social da RME, que busca ajudar mulheres em situação de vulnerabilidade com treinamentos e mentorias.
Após 11 anos de atuação, a fundadora da RME vê mudanças no mercado do empreendedorismo feminino. “Vimos uma transformação de consciência. Todo mundo entendeu a questão da importância das mulheres na geração de renda e de oportunidades igualitárias. Temos desafios em relação à ação. Muitas organizações estão apegadas a ideias antigas, de querer aparecer como marca”, afirma Ana.
É por isso que uma das ações da organização é fazer consultorias para empresas interessadas em apoiar o empreendedorismo feminino. O escopo de atividades da RME é grande: eventos para ampliar o networking das empreendedoras, mentorias, programa de aceleração, cursos intensivos para quem deseja empreender, o RME Conecta – focado em fazer a ponte entre negócios de mulheres com grandes empresas para fornecimento B2B. Além disso, há um marketplace com diversas organizações lideradas por mulheres cadastradas.
Com a pandemia, a RME, assim como todos os negócios, foi impactada e teve que mudar o modo de atuação em pouco tempo: eventos presenciais migraram para o ambiente on-line. E, para entender como os negócios femininos foram afetados por essa nova realidade, a instituição desenvolveu pesquisas.
Apesar de homens e mulheres terem feito ações parecidas para manter seus negócios frente ao cenário pandêmico, Ana destaca alguns pontos de diferença entre os gêneros.
“As empreendedoras buscaram mais capacitação e pequenas inovações. Ouvimos histórias de cabeleireiras que fizeram kit de coloração e mandaram para as casas das clientes, ensinando como fazer e cobrando um preço. Parecem inovações ‘bobas’, mas significaram a sobrevivência dos negócios. Mas é importante não romantizarmos a situação ruim”,
comenta a fundadora da RME.
Além disso, a empreendedora destaca como a pandemia tem afetado a saúde mental das mulheres. “Elas foram as mais demitidas, especialmente as mães. Tiveram uma piora na divisão do trabalho doméstico, para quem tem filho dentro de casa, com educação on-line, essas mulheres entraram em pânico”, comenta.
Por isso, no início deste período, a rede focou no apoio psicológico. “Fizemos parcerias com psicólogos e falamos sobre elas não precisarem resolver as coisas sozinhas, tirar essa ideia da mulher maravilha, multitarefa, e colocar na cabeça que não precisa dar conta de tudo. É importante pedir ajuda”, disse Ana.
Um ano se passou desde o início da Covid-19 se espalhando pelo país. Ainda não há previsão de quando retomaremos a vida “normal”, já que o Brasil amarga mais de 260 mil mortes pelo novo coronavírus e as vacinas seguem em ritmo lento frente às disputas políticas e desinformação.
Alguns caminhos não têm mais volta. Para Ana, não há como retroceder que todas as instituições têm responsabilidade na transformação da sociedade, especialmente no protagonismo das mulheres.
“Tinha muito ‘isso é o Governo que tem que fazer’. Hoje, essas linhas não estão tão delimitadas. O ESG está aí para mostrar, as pessoas entenderam as responsabilidades. Não tem como voltar atrás disso”, afirma.
Hoje, a RME tem 27 colaboradores e já impactou mais de 750 mil pessoas. Apesar do cenário incerto, a empreendedora é enfática: “Não sabemos o que vai acontecer, mas temos que continuar ajudando as mulheres”, conclui.
Combate à violência contra a mulher
Encarar a violência contra a mulher como um problema sistemático é o que direciona o trabalho do Instituto Avon, que em 2003 começou a atuação com foco no combate ao câncer de mama e, cinco anos depois, abrangeu o enfrentamento da violência contra a mulher.
“Precisamos pensar no modelo de iceberg: cada caso que ganha o debate público, tem milhares que estão abaixo do iceberg. Para atuar, precisamos compreender esse problema, temos que ir além dos casos midiáticos e entender como o fenômeno se comporta ao longo do tempo”, afirma Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon.
Os dados são mais do que suficientes para mostrar a urgência do combate à violência de gênero. Uma pesquisa, feita pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva, apontou que 90% dos entrevistados acreditam que a violência contra a mulher tem aumentado muito no país nos últimos cinco anos.
O contexto de pandemia agravou ainda mais a problemática que sempre existiu. O mesmo estudo afirma que quase 3 em cada 10 dos entrevistados conhece uma mulher que foi vítima de violência doméstica durante este período.
Isso fez com que o Instituto mobilizasse ações, inicialmente, de dentro para fora, focando nas revendedoras Avon – que compõem um universo de mais de um milhão de mulheres. De imediato, uma central de apoio com serviços de saúde e atendimento especializado, que poderia ser acionado por telefone ou WhatsApp, foram implementados para essas mulheres.
“No isolamento aquela mulher, muitas vezes, está confinada com o próprio agressor e ela não tem privacidade, então disponibilizamos uma forma de atendimento mais discreta pelo WhatsApp, que inclusive, depois, foi implementado pelo 180”, conta a diretora do Instituto. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou que, em 2020, mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher foram registradas nos canais Ligue 180 e Disque 100.
A plataforma “Você Não Está Sozinha”, voltada às revendedoras, se desdobrou externamente para o #IsoladasSimSozinhasNão, que reuniu instituições privadas, sociedade civil e setor público no combate à violência de gênero neste cenário. Nesta modalidade, uma assistente virtual, apelidada de Angela, identifica a situação de vulnerabilidade da mulher e oferece caminhos para aquela necessidade. A robô pode ser acionada pelo WhatsApp (11) 94494-2415.
Empresas se uniram ao Instituto para apoiar com serviços, de acordo com a expertise de atuação da companhia. A Uber, por exemplo, facilitou o acesso aos serviços mais próximos dessa mulher que, em casos de violência, tinha à disposição duas corridas a qualquer hora do dia ou da noite.
Além do apoio psicológico e jurídico, uma campanha de mobilização para as pessoas exercerem uma vizinha solidária foi feita, com o objetivo de mostrar como estar atento e buscar ajuda para mulheres em situação de violência.
“O problema da violência contra a mulher é de todos nós. Se você não faz nada, você está se omitindo. Não existe neutralidade”,
afirma Daniela Grelin, diretora executiva do Instituto Avon.
Com uma carreira no mundo corporativo e passagem por empresas como Embraer e Dow, Daniela Grelin chegou ao Instituto Avon em 2016. Ela reconhece que o trabalho de combate à violência contra a mulher é contínuo. “Para trabalhar no Instituto você precisa ter um chamado, o Instituto materializa o propósito da marca Avon. É importante essa clareza de propósito. É a indignação transformada em ação”, afirma.
Ao longo deste mês, a Aupa promove – no site e nas redes sociais – o especial #AupaMulheres. Serão conteúdos com diversas vozes de protagonistas do ecossistema propondo reflexões sobre a atuação e os obstáculos no setor.
No IGTV, o #SigaEssasMulheres traz cinco líderes, nos mais variados pontos de vista do campo, em um debate sobre um mundo mais igualitário.
Não perca!