Na fórmula do ecossistema de impacto, que equaciona lucros, propósitos e soluções socioambientais, quais são os espaços e estruturas que permitem o protagonismo indígena? A provocação demanda uma reflexão crítica acerca do olhar para o futuro na relação entre o ecossistema e a questão indígena, que diz respeito ao conjunto de direitos que as etnias têm. Nesta questão, estão implícitas as ações concretas que dizem respeito à preservação ambiental, à identidade, à cultura das diversas tribos e etnias e que também passa por educação escolar indígena e saúde. O cacique Raoni Metuktire, por exemplo, destaca-se quando o assunto é a circulação política de temas, como preservação de matas e demarcação de territórios indígenas. Ele é uma das principais vozes quando tais assuntos são manchetes no mundo – e, não à toa, houve quem acreditasse que ele seria laureado com o Nobel da Paz em 2019.
Há constantes negociações entre indígenas e não indígenas na disputa por espaços e poder – dos massacres desde a colonização até os atuais embates pela demarcação de territórios indígenas, pelo cuidado com as florestas e as tensões ao redor das pautas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Tais disputas dizem respeito também às adaptações, às lógicas que controlam este poder, como o mercado e a cultura – lógicas também transversais quando tratamos de negócios com propósitos socioambientais. Desse modo, é possível que haja também valorações e impactos a favor das questões indígenas dentro de uma lógica dominada pelo mercado. O que culminaria, portanto, em impacto positivo ao indígena e sua comunidade – processo que diz respeito a questões como identidade, renda, resistência da ancestralidade indígena e proteção às florestas.
Nestas negociações, há, como exemplo, o caso de cinco indígenas Guaranis de São Paulo, que adquiriram ações da Rumo Logística (Rail3), para participarem do debate acerca das consequências da construção e da expansão da ferrovia Itirapina-Cubatão. A aquisição ocorreu em 2019. Em abril, o quinteto formado, por quatro homens e uma mulher, participou da Assembleia Geral Ordinária da Rumo S.A. Ser acionista de uma empresa garante o direito a participar de reuniões e assembleias específicas, uma vez que você se torna “sócio” dela, ao lado de outras milhares de pessoas e grupos. Desse modo, a aquisição das seis ações a R$17,00 cada é um gesto simbólico, cujo objetivo é conquistar espaço, sobretudo, de fala e negociação, dentro da lógica monetária da sociedade não-indígena, além de expor aos demais acionistas e denunciar os constrangimentos advindos do descumprimento de medidas ambientais e de respeito ao território indígena.
E O ECOSSISTEMA DE IMPACTO?
Segundo o 2º Mapa de Negócios de Impacto da Pipe.Social de 2019, apenas 1% dos fundadores de negócios de impacto são indígenas. Tal dado indica problemas tanto de representação quanto de práticas voltadas à busca de soluções socioambientais acerca da questão indígena.
Mesmo diante desta constatação, iniciativas que dialogam com a questão indígena existem. O Projeto Saúde e Alegria, que atua na região de Santarém, no Pará, é uma delas. A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é mais um exemplo. A FAZ é uma organização brasileira não governamental, sem fins lucrativos, criada pelo banco Bradesco em parceria com o Governo do Estado do Amazonas, em 2008. Posteriormente, contou com o apoio da Coca-Cola Brasil, do Fundo Amazônia e da Samsung, além de outros parceiros.
A iniciativa, aliás, é uma das três vencedoras do Prêmio UNESCO-Japão em Educação para o Desenvolvimento Sustentável (ESD) de 2019. O reconhecimento veio a partir das ações do projeto “Educação Relevante para o Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Remotas da Amazônia”, no qual trouxe como resultados conservação ambiental, geração de renda a partir de florestas e qualidade de vida. A iniciativa da FAS é implementada em 581 comunidades, por intermédio de capacitação e empoderamento destas.
Houve ainda neste ano o Prêmio Soluções Inovadoras da Plataforma de Soluções da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN-Amazônia). O reconhecimento, que destaca os países amazônicos, é dado às iniciativas que convergem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Você pode localizar todas as soluções inovadoras, em mapa, aqui.
No levantamento da Pipe.Social, há ainda dados sobre negócios que utilizam tecnologias verdes, cuja concentração está em 58% no Sudeste, 14% no Sul, 12% no Norte, 10% no Nordeste e 6% no Centro Oeste. Este grupo diz respeito a todos os tipos de negócios que têm impacto ambiental, como resíduos, energia, água, poluição e reciclagem, conforme consta no mapa. Ou seja, projetos com soluções para preservação de flora e fauna, impactos em agricultura, análises de atmosfera e biotecnologia. Ainda: 45% das empresas relacionadas neste grupo não tem faturamento e 32% faturam até R$100.000,00 – 5% obtém um faturamento superior a R$2.100.000,00. Sobre a formação de time, 56% detém entre 2 e 5 pessoas na equipe e, em 76% dos negócios, há a utilização de freelancer como equipe.
Segundo o Censo Demográfico de 2010, há no Brasil cerca de 896.917 pessoas indígenas, sendo que 517.383 (57,68%) vivem em Terras Indígenas, enquanto 379.534 (42,13%) vivem fora destas terras. Acerca da condição indígena, dentro das Terras Indígenas, 438.429 se autodeclaram indígenas, ao passo que 78.954 não se declararam indígenas, mas se consideravam enquanto tal. O estado com maior concentração de indígenas é o Amazonas, com 183.514, já o menor é o Amapá, com 7.411. No Distrito Federal vivem 6.128 indígenas. Vale lembrar que a próxima edição do Censo Demográfico sai em 2020.
E fica a reflexão para pensarmos o futuro do ecossistema e da própria sociedade:
quais soluções socioambientais efetivas contemplam as comunidades indígenas, de fato?