Prelúdio:
As políticas públicas para negócios de impacto nas periferias deveriam ser impulsionadas, aperfeiçoadas e não extintas. São ferramentas regionais dos governos municipais capazes de ativar e fomentar negócios periféricos a partir dos bairros e das cidades – um campo onde, muitas vezes, o setor privado não quer arriscar. Em São Paulo, a agência Adesampa tem essa função, com programas e projetos próprios e consolidados. Porém, pela insensibilidade do próprio governo poderá ser extinta. Entenda:

Atos:
No último dia 18 de março, ocorreu algo muito simbólico na Câmara Municipal de São Paulo. Em meio à pandemia do Coronavírus, com quarentenas e situação de calamidade pública decretadas, os vereadores da maior cidade do país se reuniram para votar um único Projeto de Lei, o 749/2019. A encenação pode ser contada em três atos.

Primeiro ato, a irresponsabilidade: não deveria haver sessão plenária naquela tarde em razão da aglomeração e do estímulo à contaminação dos próprios vereadores e funcionários da Casa – outras casas legislativas já haviam cancelado as plenárias presenciais.

Segundo ato, a ausência de democracia: em razão da pandemia, a Câmara Municipal estava fechada para os munícipes, o que impedia a presença e as manifestações da população e das entidades – ou seja, era uma sessão fechada, que não permitia a participação popular, algo por si só contraditório.

Terceiro ato, o equívoco do projeto de lei: votava-se o plano de estatização de 10 empresas públicas, que extinguia, entre outras, a Adesampa, a agência de desenvolvimento municipal realizadora de projetos como o Vai Tec e o Teia, programas de apoio e fomento aos empreendedores das periferias. Sua extinção não é bem vista por ninguém. Nem dentro da agência, nem por especialistas, nem pelo ecossistema de impacto e, muito menos, pelos empreendedores da base.

Juízo Final:
O fim da Adesampa, principalmente nesse momento de pandemia e retração econômica, pode ser catastrófico para negócios e empreendedores da periferia. Uma reforma administrativa não deveria estar em discussão nesse momento. Naturalmente, existem ajustes a serem feitos dentro da própria agência, mas sua intencionalidade como política pública sempre foi clara: oferecer estímulos ao desenvolvimento de atores das regiões periféricas e estimular a capacitação e a inovação a partir de pequenos negócios.

Em teoria, há rumores de que haveria um remanejamento feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho e em duas novas estruturas administrativas, mas faltam informações e restam incertezas sobre seu futuro. O Projeto de Lei sem diálogo entre o Executivo e as entidades do setor atestam o cenário incerto. Paira no ar a possibilidade de uma quarentena sem volta.

A periferia de São Paulo já tem negócios periféricos potentes. Já existem aceleradoras e visibilidade. O que falta é apoio, tempo, dinheiro e, claro, políticas públicas de longo prazo. No momento que vivemos, fica claro que apenas um Estado forte, presente e para todos é capaz de combater a ameaça de um vírus, a mesma lógica deveria servir para fortalecer os negócios de impacto. Ou fazemos junto com o Estado ou o impacto que queremos não virá. A lógica do mercado não é suficiente e os fundos de investimentos têm outras lógicas de resultados.

A falta de sensibilidade do Poder Público pode aprofundar o já difícil vale de morte de empreendedores sociais da periferia. É responsabilidade nossa garantir futuro para quem pode mudar o futuro. Basta vontade política. Basta enxergar o simples e abrir as portas para o que queremos.

 

Obs: O projeto 749/2019 não passou na segunda votação e está pendente. Não houve quórum e muitos vereadores da oposição obstruíram a votação. Até o dia 20/3, a Câmara não tinha data e provavelmente o projeto deve ser votado dentro de alguns meses. Por ironia ou acaso, ainda há tempo e esperança de que a quarentena do Coronavírus faça a Prefeitura pensar e voltar atrás para seguir adiante com a Adesampa.

 

*Créditos da colagem: Murilo Mendes.

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