Há alguns anos, quando se falava em bancarização da população de baixa renda, era possível identificar muitas ressalvas entre os gestores de políticas de assistência social. Afinal, eram inúmeros os relatos de beneficiários do Programa Bolsa Família que entravam no cheque especial após ter sido convencidos por algum funcionário da Caixa Econômica Federal a trocar o seu cartão de benefício por um cartão de conta corrente. Sem saber que aquele dinheiro se tratava de um empréstimo a juros altíssimos, achavam que estavam recebendo um valor a mais, e não hesitavam em gastá-lo.
Em abril de 2021, o Banco Mundial divulgou um relatório com o seguinte título: Aumentando a resiliência dos trabalhadores de baixa renda no Brasil – Instrumentos financeiros e inovações. De forma muito resumida, o relatório propõe que sejam pensados instrumentos financeiros que 1) aumentem a capacidade de poupança da população de baixa renda; 2) assegurem proteções em momentos de choque, sendo os principais os ambientais e os ligados à criminalidade; 3) forneçam crédito barato a essa população e; 4) promovam ações de educação financeira que permitam com que as pessoas possam identificar os riscos que correm e pensar no longo prazo.
Nesse curto período, os instrumentos financeiros deixaram de ser um problema e passaram a ser uma possível solução. O que mudou? Em primeiro lugar, a pandemia de Covid-19 revelou que existe um número enorme de pessoas que não são atendidas nem pelas transferências de renda, nem protegidas pelos direitos assegurados pelo trabalho formal. Sem a perspectiva de aumentar a cobertura da transferência de renda, e tendo em vista um mercado de trabalho cada vez mais precarizado, passou a ser necessário pensar em soluções que garantam alguma segurança de renda para as pessoas mais vulneráveis. E aí entram os produtos financeiros.
Mas os produtos financeiros não podem ser os mesmos que os bancos estão acostumados a oferecer. Afinal, oferecer cartão com limite alto é totalmente prejudicial para essa população. Na verdade, os produtos financeiros devem incentivar a poupança de médio e longo prazo, de modo que as famílias possam enfrentar momentos de dificuldade sem a necessidade de pegar um empréstimo com juros altos. Ou, ainda, podem fornecer proteções a baixo custo para esses momentos, já que nem sempre é possível poupar o suficiente para cobrir alguma necessidade imprevista.
Neste cenário entram os negócios de impacto. As fintechs compõem alguns dos negócios de impacto que mais recebem investimentos. Será que suas soluções financeiras respondem a essas questões? Ou seriam apenas bancos digitais com algumas facilidades que podem interessar às pessoas, mas que não as apoiam no desenvolvimento de sua segurança financeira? Como pautar a questão das finanças sociais a partir do viés da proteção e não somente do acesso ao crédito e serviços bancários?
É sempre bom lembrar, como bem menciona o relatório, que a população de baixa renda é muito mais exposta a riscos do que a população historicamente atendida por serviços financeiros. São quem mais morrem em função da violência urbana e deixam suas famílias desamparadas. Com o aquecimento global, certamente serão o público mais atingido por desastres ambientais.
Caso o ecossistema de impacto não seja capaz de encaminhar essas questões, provavelmente as instituições financeiras desenvolverão produtos com essas finalidades, a seu modo. Assim, essa é uma oportunidade para os negócios de impacto que estão desenvolvendo soluções financeiras voltadas à população de baixa renda – de modo que esses cidadãos possam ser capazes de se inserirem em um debate bastante relevante e encaminhar soluções para problemas reais e que, se nada for feito, tenderão a aumentar cada vez mais.
Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.
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