Um termômetro da desigualdade racial nas corporações

A pressão social e as fórmulas para empresas dispostas a combater o racismo estrutural

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Um dos pilares de empresas que buscam se alinhar aos princípios do ESG (traduzido do inglês, governança ambiental, social e corporativa) é ter um papel transformador frente à situação social do país e da comunidade onde estão inseridas – princípio que embasa o “S” da sigla. O desafio já começa dentro do escritório: hoje, ainda que representem mais de 50% da população brasileira, segundo o IBGE, pretos e pardos ocupam apenas 4,7% dos cargos executivos das maiores empresas do país. O dado é do levantamento Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, do Instituto Ethos.

Levando isso em consideração, o Pacto de Promoção da Equidade Racial desenvolveu o IEER, Índice ESG de Equidade Racial, a fim de medir o desequilíbrio racial de uma corporação. Funciona assim: depois que a empresa disponibiliza dados demográficos e tem acesso à condição de equidade racial atual, ela pode aderir voluntariamente ao Pacto e se comprometer com o investimento em ações afirmativas. As etapas seguintes contemplam o fomento à permanência e à promoção de profissionais negros, além de investimentos sociais

Pesquisa Realizada pelo Instituto Ethos

Devido à desigualdade na distribuição racial por cargos no Brasil – quanto mais alto, menor a presença de pessoas negras -, o IEER leva em consideração a ocupação e a distribuição de renda entre brancos e negros, além de ter como referencial a porcentagem da população economicamente ativa no respectivo estado de origem da empresa.

Michael França, pesquisador do Insper e um dos econometristas integrantes do Pacto de Promoção da Equidade Racial. Crédito: Divulgação.

“Uma vez que você amplia a transparência informacional, as empresas conseguirão enxergar o quão próximas ou distantes estão do equilíbrio racial em comparação aos concorrentes. Você muda as regras do jogo”, analisa Michael França, pesquisador do Insper e um dos econometristas integrantes do Pacto. Ele conta que mais de 30 empresas já estão em processo de adesão à iniciativa.

 

 

 

Racismo versus cancelamento
Para Michael, a motivação das grandes corporações para sair do status quo e começar a driblar o racismo estrutural vem, em partes, de reivindicações de movimentos sociais. Mas o pesquisador relembra casos de empresas como o do banco digital Nubank: a cofundadora Cristina Junqueira se queixou em uma entrevista sobre, supostamente, ser muito difícil contratar pessoas negras, porque não poderia “nivelar por baixo”. O caso gerou diversas críticas on-line, ameaças de boicote e uma crise de imagem – e de bolsos – para a empresa, que agora já declarou ter investido mais de R$20 milhões em ações de diversidade.

“Se você é uma empresa crescendo em um cenário racial efervescente, independentemente de aderir ou não aos pilares ESG, você pode estar em perigo. As empresas querem fugir de episódios com conotação racial, pois podem ser canceladas”, observa o pesquisador. Nesses casos, o dinheiro investido em políticas internas de equidade pode sair mais barato do que reparar os danos.

Leia também – Racismo: o que vem depois da hashtag?

O próximo passo
De acordo com o levantamento do Instituto Ethos, é comum entre gestores justificar a ausência de negros entre as lideranças de empresas por falta de conhecimento, experiência ou qualificação para lidar com o cargo. No entanto, mais de 80% das empresas não possui medidas para incentivar e ampliar a presença de negros em todos os níveis hierárquicos.

Patrícia Gonçalves, escritora UX e colaboradora do movimento UX Para Minas Pretas. Crédito: Divulgação.

Para Patrícia Gonçalves, escritora UX (do inglês user experience) e colaboradora do movimento UX Para Minas Pretas, o compromisso de empresas que querem atingir o equilíbrio racial vai muito além de dar abertura para o ingresso de pessoas negras nas empresas. “Pode ser que uma corporação tenha muitos projetos de inclusão, mas não tenha ainda capacitado pessoas para que tenham condições de se manter ali. Não é justo, por exemplo, inseri-la na empresa se a cultura interna continua sendo racista, isolando a pessoa e a colocando em situações ruins”, conta.

Segundo ela, a receita é educar, inserir e fazer a manutenção por meio de oportunidades, como bolsas e descontos em cursos de aprimoramento profissional, além de garantir que pessoas negras se sintam confortáveis em um ambiente de trabalho saudável, respeitoso e inclusivo. Vale também traçar parcerias com comunidades que levantam pautas sociais, como a que Patrícia faz parte. O UX Para Minas Pretas tem como proposta promover a equidade de mulheres negras no mercado de tecnologia através de ações de formação, empoderamento e articulação em rede. A comunidade tem parcerias que viabilizam mais oportunidades para profissionais negras, como bolsas de estudo e reservas de vagas em empresas.

Entre cancelamentos e investimentos dos gigantes do mercado, resta o exercício diário da reflexão: “Faça um teste de pescoço. Na próxima vez que você estiver em um lugar público, levante a cabeça, olhe para os lados e conte quantas pessoas negras estão ao seu redor”, provoca. A escritora UX comemora o fato de que o time com quem trabalha é composto metade por negros, mas lamenta a quantidade de espaços em que ainda se sente sozinha.

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