Desmatamento, queimadas e poluição. Perda de biodiversidade, morte de animais e genocídio dos povos que vivem na floresta. Improdutividade de terras, empobrecimento de famílias agricultoras e êxodo rural. Essa é a história da tradicional e velha economia florestal no Brasil.
É evidente que essa trajetória precisa ser reescrita para que haja um final feliz. Sobretudo, é importante que surjam novos personagens e ações para dar vida a uma economia florestal alternativa – baseada em reflorestamento, conservação e restauração.
Foi com esse objetivo em mente que a WRI Brasil, associada ao instituto global World Resources Institute, de pesquisas ambientais e socioeconômicas, criou a websérie As Caras da Restauração. A temporada conta cinco histórias de brasileiros, de diferentes regiões do país, que estão restaurando áreas florestais em situação de degradação, conservando a biodiversidade e a floresta em pé, enquanto ganham dinheiro com isso.
“São pessoas que estão restaurando e gerando renda a partir dos benefícios da floresta”, diz Miguel Calmon, consultor do programa Florestas do WRI Brasil. “Além dos benefícios econômicos, a restauração tem muitos benefícios ambientais: melhora a qualidade da água e do solo, tira carbono da atmosfera e diminui os impactos das mudanças climáticas”, destacou.
Os rostos da restauração
Atualmente, 140 milhões de hectares de terras no Brasil estão degradadas. Isso significa que 16,5% do território nacional está coberto por áreas rurais de baixa produtividade agrícola e ecológica – e, portanto, com baixa capacidade para gerar retorno financeiro e bem-estar social. Ainda, estima-se que o setor da agricultura seja responsável por cerca de 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa – devido, principalmente, às práticas de desmatamento, queimada e uso de agrotóxicos.
Apesar desse cenário, pessoas de diversas regiões do país estão começando a investir em um novo modelo de produção agrícola: em vez de desmatar e degradar, reflorestar e restaurar. E estão colhendo bons resultados.
A família Soares, por exemplo, decidiu trocar a velha prática de plantar uma única variedade agrícola em larga escala, por um sistema agroflorestal. Com este sistema, a família paraense que dependia apenas da mandioca, agora tem a oportunidade de vender mais de 20 produtos, incluindo frutas, óleos e outras variedades hortícolas. Além de aumentar a lucratividade e a segurança alimentar dos Soares, a nova prática contribuirá para restaurar o solo e conservar a biodiversidade da Floresta Amazônica.
Já o produtor Bruno Mariani está tentando transformar o passado de destruição florestal da Costa do Descobrimento, em Porto Seguro, na Bahia. Seguindo um modelo, em sua fazenda há 40% das áreas destinadas para conservação e 60% para a produção de madeira nativa. Assim, ele consegue gerar benefícios ambientais e econômicos. Ao mesmo tempo que preserva a biodiversidade brasileira, incentiva a indústria madeireira a comprar produtos provenientes de reflorestamento, em vez de desmatamento, contribuindo para manter florestas em pé.
No sertão baiano, Silvany Lima descobriu que o umbu, a árvore sagrada do sertão, também poderia ser um “pé de dinheiro verde”. Junto com um grupo de mulheres, que fundou uma cooperativa agrícola em 2008, cultivam e comercializam frutas nativas da Caatinga. O projeto batizado de Delícias do Jacuípe, hoje transforma 2,4 toneladas de fruta por dia em polpa congelada. Práticas agroflorestais estão sendo adotadas pela cooperativa, ajudando a reverter o processo de desertificação e a degradação da Caatinga, ao passo que gera mais segurança financeira para produtores rurais da região.
O casal Emerson e Viviane Miranda tem como plano de negócio salvar a palmeira juçara da extinção. Para conseguir esse feito, pretendem popularizar a venda e consumo da polpa dos frutos de juçara, similar ao açaí, em vez do palmito – o qual tem historicamente levado a palmeira a ser derrubada e extinta da Mata Atlântica. É um trabalho que, com auxílios do governo do Espírito Santo, como o programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), está contribuindo para a conservação da juçara e a restauração de áreas degradadas no estado.
Em São Paulo, Patrick Assumpção está realizando o plantio de árvores nativas de fruta e madeira, com leguminosas e Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), de forma orgânica. Já fechou parceria com 11 restaurantes em São Paulo, incluindo chefs de cozinha famosos, como o Alex Atala. Seu protagonismo poderá ajudar a restaurar a fertilidade do Vale do Paraíba, tornando-o um polo agroflorestal de produtos madeireiros e alimentares sustentáveis.
Os desafios da nova economia
Para fazer desabrochar uma nova economia (agro)florestal no Brasil, é fundamental garantir espaço de mercado para produtos provenientes da restauração e da conservação da natureza. Assim como provar que há impactos positivos em fazê-lo. “Ao mostrar que [essa nova abordagem] já é uma realidade, com benefícios mensuráveis, esperamos inspirar produtores rurais, cooperativas, organizações, empresas e governos a também investirem na restauração e reflorestamento”, comentou Calmon, do WRI Brasil.
O Brasil é o país que mais perdeu florestas na última década, segundo avaliação global da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU). Condição que tem ameaçado as relações comerciais com a União Europeia e recentemente, com os Estados Unidos. Assim, o investimento em restauração florestal e sistemas sustentáveis de produção agrícola é hoje necessário tanto para recuperar a economia, quanto a credibilidade do agronegócio brasileiro.
Aliás, este plano de investimento está na agenda das políticas ambientais brasileiras desde 2016. O país, ao assinar o Acordo de Paris, assumiu o compromisso de fazer sua parte no combate às mudanças climáticas, estabelecendo a meta de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. Uma estratégia que poderá “Resultar em benefícios econômicos, ambientais e sociais para o Brasil e o planeta”, diz Pedro Nogueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e CEO da Cumbaru, startup de parcerias produtivas na área da agropecuária sustentável.
Segundo Nogueira, o principal desafio nesse processo é garantir uma destinação eficiente de recursos financeiros, públicos e privados, além do acesso inclusivo ao conhecimento técnico necessário para uma nova economia florestal. “A boa notícia é que este recurso financeiro existe e o conhecimento técnico também”, destacou. “O trabalho agora é fazer estes recursos chegarem a quem mais precisa.”