A VerBem começou dentro de uma ONG com o propósito de criar um modelo para distribuir óculos de baixo custo pelo Brasil e gerar renda para pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas foi preciso focar em um problema de cada vez.
Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz
“A gente achou que era super-herói e que conseguiríamos resolver todos os problemas da humanidade.” Esse ímpeto eufórico de Ralf Toenjes de salvar o mundo é comum entre tantos outros empreendedores sociais que conhecemos. É o mesmo afã que ele divide, aliás, com seu sócio na VerBem, Pedro Ivo Garcia. Os dois se juntaram pelo anseio de atender os 45 milhões de brasileiros que precisam de óculos de grau e mal sabem disso. Só que, ao mesmo tempo, queriam levar desenvolvimento econômico, educação e cultura a populações vulneráveis por meio da produção dos óculos. Foi preciso escolher. “Foi só quando a gente conseguiu focar que nosso negócio realmente começou a andar”, recorda-se Pedro.
A Empresa
Operando a partir de 2017, a VerBem procura vender óculos de grau de baixo custo. A receita das vendas, por sua vez, proporciona a doação de outro par para alguém que precise. Na linha de entrada, ou Linha de Acesso, armação e lentes custam R$ 79,90, independentemente do grau. É na Linha Impacto, a partir de R$ 179,90, que a venda gera os donativos. Quem cuida dessa parte filantrópica é a Renovatio, ONG também fundada por Ralf e de onde nasceu a própria VerBem.
A história da VerBem, portanto, é também a da Renovatio. E esta última tem um pouco mais de estrada. A ONG foi criada em 2014 quando Ralf ainda terminava a faculdade – e foram três cursos completos entre 2009 e 2015: Direito, Economia e Administração. Ao vencer um prêmio de impacto social no México, em 2013, Ralf entrou em contato com um grupo de alemães que havia criado a tecnologia dos óculos de baixo custo, o OneDollarGlass, e topou a missão de trazê-la para o Brasil. Foi em 2015, em outra premiação, que conheceu Pedro, também um jovem estudante apaixonado pelo tema de impacto social. Ficaram amigos, e Pedro começou a levar o trabalho da Renovatio para Florianópolis, cidade onde morava.
Até então, a Renovatio operava com doações e com mutirões de distribuição de óculos com patrocínio de empresas. Em 2016, porém, auge da crise política e econômica no Brasil, a ONG viu sua captação cair em 70%. Foi quando Ralf se deu conta que deveria criar um modelo que permitisse sustentabilidade financeira ao seu trabalho, mas também que pudesse ser capaz de alcançar mais pessoas. Assim, Ralf convidou Pedro a se mudar para São Paulo e começarem um negócio de venda de óculos, a Ver Bem. “Dormi em uma ONG e acordei em uma empresa”, brinca Pedro.
O Erro
O plano inicial da Renovatio e da própria Ver Bem era baseado no que Ralf costumava chamar de “duplo impacto”. Eram duas coisas que ele e seu sócio gostariam de fazer. De um lado, democratizar o acesso a óculos no Brasil, é claro. De outro, porém, dar oportunidade de geração de renda e acesso à educação e cultura a populações vulneráveis por meio da produção desses óculos.
“A gente desenhou um programa de desenvolvimento em que moradores de rua e refugiados iriam trabalhar durante o dia, estudar durante a noite e ter programação cultural no final de semana”, recorda Ralf. “Na época, a gente empregava as pessoas participantes do programa para produzir os óculos.”
No papel, é tudo muito lindo. O próprio Ralf se recorda de como ele contava sobre sua ideia de duplo impacto em palestras, para o encanto das audiências. Mas ali, no dia a dia, não funcionava. Dos dezesseis participantes do programa, apenas dois estão trabalhando com a Ver Bem até hoje. Os demais, infelizmente, não conseguiram alcançar estabilidade. “Percebemos que estávamos atuando em várias áreas complexas. Era um desafio muito maior que a nossa capacidade”, assume Ralf.
Essa história de “um olho no peixe e outro no gato” teve impacto negativo no próprio alcance das ações da Renovatio. A meta – ousada, aliás – é distribuir 1 milhão de óculos até 2020. Mas, até então, havia muita dificuldade em criar escala, até porque a própria cadeia de produção ainda não estava azeitada e não poderia atender a uma demanda tão alta.
A Solução
No momento de criar um modelo de negócio social, Ralf e Pedro acharam na Yunus Brasil seus primeiros mentores. Segundo Francisco Vicente, head de aceleração da Yunus, é comum encontrar empreendedores com essa síndrome de super-herói. “É necessário o foco no core business e no modelo de distribuição”, ensina Francisco.
Isso vale não só para o impacto que se pretende gerar, mas também em como distribuir sua solução para a população. No caso da VerBem, Francisco conta que a questão-chave do negócio sempre foi encontrar esse modelo: se é doação, se é venda direta, venda on-line, etc. “A nossa recomendação é que o empreendedor tenha foco em um canal de vendas específico, teste a solução da maneira mais simples possível para, caso não for aceita pelo mercado, voltar atrás e corrigir a rota rapidamente”, conclui Francisco.
Um passo importante da dupla de empreendedores foi reconhecer a dificuldade e buscar ajuda. Além da Yunus, o grupo alemão que investiu neles lá no começo também foi fundamental para encaminhar uma solução. Eles recomendaram um Instituto na Bolívia que também produzia o OneDollarGlass, só que com uma expertise muito maior em empregar e capacitar populações vulneráveis. Foi quando a VerBem resolveu focar só na venda dos óculos, e os resultados começaram a aparecer. De 2017 para cá, já foram mais de 15 mil óculos distribuídos – o dobro do que o estado de São Paulo conseguiu distribuir no mesmo período.
Os Desafios
De agora em diante, Ralf e Pedro têm todo o foco voltado para como montar os canais de distribuição da sua solução. Afinal, a cadeia de produção dos óculos foi resolvida e está toda na Bolívia. Uma das apostas está na abertura de lojas físicas: a meta é inaugurar dez estabelecimentos até o fim do ano. Com isso, o sonho é crescer e se tornar uma ótica mesmo.
Em outra frente, o patrocínio de empresas nos mutirões responderá, pelo menos até junho deste ano, por 70% do faturamento da empresa. Logo, também está na estratégia amadurecer modos de continuar atendendo essa demanda empresarial. “E quem sabe no futuro a gente volte a produzir óculos no Brasil”, especula Ralf.