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Transempregos fomenta inclusão de pessoas transgêneras no mercado de trabalho

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Um exercício mental prático: quantas pessoas gays, lésbicas ou bissexuais trabalham com você? “Se eu olho para LGBTs, eles também estão em cargos de liderança, mas não necessariamente se assumem no ambiente de trabalho. Nem sempre falam sobre a sua orientação sexual e, mesmo quando falam, são muito comuns as situações de preconceito e todo tipo de violência nas organizações”, alerta Ricardo Sales, consultor da Mais Diversidade, pesquisador e eleito pela Out&Equal Workplace Advocates, o brasileiro mais influente no assunto diversidade nas organizações. Retomando o exercício mental: e quantas pessoas trans trabalham com você? “E se a gente fizer o recorte pensando nas pessoas trans aí, de fato, temos uma exclusão muitíssimo grande”, ressalta Sales.

Os números não mentem essa realidade, pois segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a partir do estudo , “90% de travestis e transexuais utilizam a prostituição como fonte de renda e possibilidade de subsistência”. Além disso, 13 anos é a idade média em que travestis e pessoas transgêneras são expulsos de casa. Segundo dados do Projeto Além do Arco-Íris, da AfroReggae, apenas 0,02% dos trans estão na universidade, 72% não possuem o Ensino Médio e 56% não concluíram o Ensino Fundamental.  Dentre as consequências desse quadro, que reflete exclusão social, familiar e escolar, relacionam-se às dificuldades de inserção de travestis e pessoas transgêneras no mercado formal de trabalho.

Inclusão é a chave do negócio

Iniciativas como o TransEmpregos auxiliam na inserção da população trans e nãobinária em empresas. Criado em 2013, o projeto tem como foco a empregabilidade de pessoas transgêneras, fazendo a intermediação entre candidatos e empresas, bem como preparando empresas e corporações para praticar a inclusão, de fato. Maitê Schneider, consultora de diversidade e uma das fundadoras do TransEmpregos, conta que, há 16 anos, em Curitiba, ela fundou a ONG Transgrupo Marcela Braga e que, por intermédio deste grupo, houve incentivo para cursinhos preparatórios exclusivos para pessoas trans. “Elas começaram a estudar, terminaram o Ensino Fundamental, Médio e também as graduações. Só que começaram a reclamar de um problema que não tínhamos dado conta: apesar das qualificações educacionais, nas mais diversas áreas, não havia emprego/acesso a elas”. E desse problema, após diálogos entre Schneider e nomes como Márcia Rocha e Laerte Coutinho (nas várias palestras que elas ministram), surgiu a ideia do TransEmpregos.

Ao dialogarem com as empresas, a consultora afirma que era comum ouvir respostas como: “Não sabia que tinha gente qualificada” e “Achei que todas eram prostitutas”, numa reprodução de estigmas e preconceitos. “Há bastante gente que vive da prostituição, porém,  temos pessoas que vivem da prostituição e tem mestrado e doutorado, pois não conseguem oportunidade nas áreas de formação. Quando informamos isso aos empresários, eles disseram: ‘se vocês têm essas pessoas, tragam, porque, se se adequarem na vaga, não há problema nenhum’”, comenta Schneider. Ela cita, em alguns casos, que há homens e mulheres trans que têm conseguido seu primeiro emprego formal somente agora, com mais de 50 anos. “Isso se dá porque antes só havia exclusão. Ao mesmo tempo em que este fato é uma alegria, revela também o atraso e que algo precisa ser feito, urgentemente. Há pessoas que morrerão sem ter direito ao emprego”, afirma.

O trabalho do TransEmpregos hoje se dá em três movimentos. O primeiro é receber currículos de pessoas trans gratuitamente (é possível fazer o cadastro no site www.transemprego.com.br) e fazer essa ponte com as empresas que estejam aptas para a inclusão. É muito importante que a organização esteja pronta. “Percebemos que depois de dois ou três meses que a pessoa trans ou não binária estava empregada, ela pedia demissão por não se sentir inserida na equipe de maneira efetiva por questões problemáticas como,  do nome [social] e do banheiro , dentre outras. Enfim, as empresas não estavam prontas para essa tal diversidade”, elenca a consultora.

E é que aí entra o segundo movimento do trabalho da TransEmpregos, que é a realização de consultorias para preparar as empresas a serem inclusivas, na prática, e não somente no discurso. “Dialogamos com CEOs, lideranças e funcionários para estarem lidando com a diversidade humana e a variedade de pessoas. É uma situação especialmente difícil para pessoas transgêneras, pois raramente elas têm amigos e familiares trans em seu círculo social, então há muita desinformação, além do fetichismo e dos estigmas negativos reproduzidos há tempos”, explica a fundadora. Este trabalho demanda tempo e só depois que a empresa está pronta é que é feita a ponte entre candidato e organização, para que sejam um processo bom para ambas as partes.  O terceiro movimento da TransEmpregos vai além da empregabilidade. “As próprias empresas querem ir além, pois sabem que diversidade traz inovação. Quando a meta é a criatividade, traz retorno produtivo para a empresa”, afirma Schneider. “As empresas estão mudando realidades sociais, cada uma dentro de suas missões e seus valores, trazendo um novo pensamento para melhorar o entorno social”, elucida.

Mais do que empregos

Maitê Schneider é também a primeira trans a ser embaixadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), onde já ministrou várias palestras sobre diversidade. Da aliança, veio a expansão de network e a parceria com o Google para o projeto Womenwill, programa internacional da empresa para o empoderamento de mulheres, com o apoio da RME. O evento chegou ao Brasil em 2018, ocorreu no Google Campus durante dois dias e contou com aulas de finanças, tecnologia, negociação, liderança e comunicação para o público-alvo – a seleção deu prioridade às minorias, como mulheres com deficiência, mães solteiras, pessoas transgêneras, além de considerar quadro socioeconômico das candidatas.  Em agosto, ocorreu o curso voltado às mulheres trans, especificamente, com 100 participantes (como em todas as edições do programa) e Maitê Schneider estava lá.

“A questão da mulher trans era muito abstrata ou então nem aparecia na discussão com relação ao empreendedorismo feminino. E eu conhecia várias pessoas trans que seguiam o caminho do empreendedorismo, justamente por não serem aceitas no mercado de trabalho formal”, explica Schneider.  “Agora, por intermédio desse meu cargo de embaixadora e influenciadora da RME, que impacta 550 mil mulheres, começaremos a fazer a primeira rede de empreendedorismo trans  para, também, fortalecermos esses casos”, afirma ela. A meta do Womenwill, no Brasil, era de impactar 10 mil mulheres, em 2018, dando protagonismo às ideias e ações de mulheres cis e trans, marcando a ação pela responsabilidade social.

Seja ágil, rapaz

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Clique na imagem acima para ver o sexto episódio da série!


O SmartSíndico olhou para onde ninguém havia olhado ao criar uma solução de gestão para condomínios de habitação social. Mas o app ficou muito tempo na prancheta até ser lançado.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Tentamos atingir uma perfeição que não valia a pena. Era uma ideia que só existia na nossa cabeça, mas não focava no usuário final.” Depois de conhecer o SmartSíndico é estranho ouvir Guilherme Ribeiro lançar uma frase assim. Trata-se de um aplicativo para smartphone completo para gestão de condomínios de interesse social, como CDHU, no estado de São Paulo, ou Cohab. A solução junta soluções para gestão financeira e canal de comunicação entre moradores e administradores. Porém levou muito tempo para chegar até um produto tão completo. É aí que mora o arrependimento de Guilherme: “Se eu tivesse lançado antes, hoje eu teria um software muito mais maduro e teria muito mais clientes”.

A Empresa

A SmartSíndico existe apenas desde 2017, mas o caminho que levou ao seu desenvolvimento já tem mais de uma década. Em 2004, Guilherme foi convidado para realizar uma consultoria para o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), que então estava envolvido nos investimentos para um projeto de revitalização – como foi chamado na época – do centro da cidade de São Paulo. Guilherme já tinha acumulados dez anos de experiência com administração de condomínios trabalhando na empresa de sua família. Como o projeto do BID envolveria construção de habitações populares, ele e outros profissionais foram chamados para pesquisar e pensar sobre as peculiaridades de gerir um condomínio com esse perfil.

Foi durante a consultoria que conheceu seus sócios na SmartSíndico, Cássio Thut e Laerte Temple. Até então os três criavam cursos de formação para gestores de condomínios sociais em parceria com a prefeitura de São Paulo. Em 2010 eles começaram a participar de licitações do governo do estado para administrar esses condomínios. A partir disso, passaram sete anos qualificando gestores, e os resultados foram ficando claros: a manutenção dos condomínios melhorou, a inadimplência caiu e o cuidado geral com a propriedade aumentou.

Mas foi no final de 2016 que os três se juntaram novamente para ter a ideia do que viria ser a SmartSíndico. “Pensamos em fazer isso de forma digital”, recorda-se Guilherme. “A gente sabia que o governo não tinha condições de atingir uma quantidade grande de condomínios. E criamos um modelo para digitalizar os processos e conseguir criar escala no estado inteiro e em qualquer lugar do Brasil.”
De lá para cá, a SmartSíndico venceu o programa PicthGov, em 2017, e se tornou a primeira startup de impacto em habitação homologada pelo estado de São Paulo, o que facilitaria sua contratação pelo governo. Em seguida, participou da Estação Hack, o programa de aceleração do Facebook e da Artemísia, além de outras acelerações importantes.

Hoje, a SmartSíndico já possui clientes em 22 estados brasileiros – todos condomínios que a contrataram diretamente, e não por meio de governos ou prefeituras – e fatura, em média, R$ 80 mil mensais. Porém, mesmo estando no ar, a plataforma só foi oficialmente lançada e divulgada a partir de março de 2019. Os preços para contratar a solução serão revelados a partir do lançamento. Até aqui, Guilherme e sua equipe passaram o tempo testando e atualizando a plataforma. E essa demora foi um problema.

O Erro

Guilherme e seus sócios já acumulavam muita experiência quando decidiram empreender com a SmartSíndico. Mas essa seria a primeira startup deles. Logo, o trio começou a planejar a plataforma sem a agilidade tão familiar de quem participa do ecossistema de inovação. Pelo contrário: aplicando as metodologias tradicionais de formulação de um plano de negócios, os três levaram um ano até chegar na primeira versão do aplicativo.

“Nós percebemos que não havia uma ferramenta de gestão financeira completa para condomínios no mercado, muito menos para baixa renda. E fazer uma solução dessas é maravilhoso”, conta Guilherme. “Mas a gente começou pela parte mais difícil, que era pensar nessa plataforma financeira. Se tivéssemos criado funcionalidades simples, divertidas, e as lançado antes, teríamos crescido mais rápido no começo.”

No início, o aplicativo da SmartSíndico foi pensado mais para ajudar os gestores. Por isso mesmo, Guilherme dedicou um ano tentando levar para o digital toda experiência que tinha com processos delicados, como a própria gestão financeira. “Só que nesse tempo demos muitas cabeçadas. Cada atualização do aplicativo levava ciclos de tempo longos. O pior é que, ao olhar para o síndico, não atentamos para o que de fato os moradores queriam do aplicativo, e eles buscavam algo mais simples do que estávamos fazendo.”

Quando se trata de uma solução tecnológica, o tempo é precioso. Planejar rapidamente para lançar e testar logo vale mais a pena do que levar meses na prancheta para lançar, só então testar e acabar tendo de atualizar a plataforma de qualquer jeito. Pelo menos essa foi a avaliação de Guilherme: “Um ano é muito tempo para uma startup. Se fosse mais ágil, hoje eu teria uma base maior e já teria testado a plataforma várias vezes.”

A Solução

Em um caso como esse, o primeiro passo é tentar compensar o tempo perdido. “A necessidade de testar, errar e corrigir com velocidade se dá pela necessidade de capital que vai sendo queimado nesse processo”, comenta Marina Ramos, analista da Artemísia responsável pela aceleração da SmartSíndico.

O importante, porém, foi mudar o foco e atentar para as necessidades do usuário. “Sim, o planejamento é importante. A falta dele pode ser tão perigosa quanto o perfeccionismo. Mas só é possível saber onde é essencial melhorar com o público usando sua solução”, ensina Marina. “Esse usuário precisa de fato da sua solução? Ele vê valor e está disposto a pagar por isso? São respostas que só vêm de quem realmente usará o produto.”

O que Guilherme e a SmartSíndico fizeram, então, foi abrir o leque, percebendo, ainda que tardiamente, que sua solução não poderia ser só para síndicos, mas também para moradores. E o que eles queriam era mesmo um canal de comunicação. Com isso, a plataforma possui a complexa gestão financeira, mas se tornou muito mais uma gestora de comunidade.

Depois disso foi possível recuperar um pouco do tempo (e dinheiro) perdido. “Com isso a gente trouxe uma massa enorme de usuários e fazer as coisas bem mais rápido”, explica Guilherme.

Os Desafios

Finalmente, a plataforma está mais madura e a empresa está pronta para lançá-la no varejo. Com isso, Guilherme pretende investir pesado em marketing e propaganda, com o objetivo de aumentar o número de usuários alcançados. E, é claro, continuar evoluindo. “É preciso estar aberto para revisar suas certezas, levantar dúvidas e incorporar mudanças no meio do caminho. Uma ideia que vale o empreendedor aplicar em suas rotinas é se perguntar: ‘O que eu aprendi com meus clientes esta semana?’”, conclui Marina Ramos.

 

Ricardo Sales: “Nunca se falou tanto em diversidade no meio empresarial brasileiro”

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Uma consultoria para debater estratégias para elaboração e gestão de políticas de diversidade. Esta é a proposta de Ricardo Sales e João Torres com a Mais Diversidade, especializada em oferecer treinamentos e workshops sobre grupos minorizados e pluralidade a empresas e organizações.

Ricardo acredita que sua própria trajetória e experiência enquanto homem gay o motivou a abrir a consultoria. “Sempre me perguntei sobre o porquê que a orientação sexual ou a identidade de gênero de alguém é colocada como um obstáculo para o acesso e progresso dessa pessoa dentro de uma empresa”, explica Sales, de 35 anos e sócio-fundador da Mais Diversidade. Formado em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), ele hoje é consultor, pesquisador e professor. João Torres, também sócio-fundador da consultoria, é advogado e internacionalista formado pela Universidade Estadual Paulista e atua como consultor de diversidade e inclusão. A dupla é vencedora do prêmio de Excelência do Out&Equal Workplace Advocates, como pessoas mais influentes do país sobre Diversidade e Inclusão nas organizações.

Com relação ao número de pessoas que já foram impactadas pelo trabalho da consultoria, Sales afirma que só em 2018 foram feitas mais de 200 palestras em organizações e eventos pelo Brasil todo, estimando-se alguns milhares de impactados no período. A Mais Diversidade trata, portanto, de entregar à sociedade algum retorno de parte das organizações, ou seja, as empresas criarem um negócio que tenha um impacto social. “Atuamos junto às organizações para que elas desenvolvam essas práticas para tornar o seu ambiente de trabalho mais inclusivo. Então, isso vai envolver atração de grupos que eu não chamo de minorias, prefiro chamar de grupos minorizados, porque eles sofrem, na verdade, uma ação de minorativa que os levam a ter menos poder e participação na sociedade”, pontua o consultor.

Dessa forma, o trabalho é feito em constante diálogo com movimentos sociais e próximo também aos ativismos e seus diálogos dentro das empresas. Conheça mais sobre o trabalho desenvolvido pela Mais Diversidade no pingue-pongue a seguir.

As empresas no Brasil, hoje, têm ocupado um espaço/um vácuo que foi deixado pelo poder público. Se os governos não participam dessas discussões, as empresas, por sua vez, têm participado.

Ricardo Sales

AUPA | O tema inclusão é usado nos discursos de muitas empresas, porém nem sempre isso acontece na prática. Ver negros, LGBTs e mulheres em cargos de chefia é ainda mais difícil. Como quebrar essa barreira?

RICARDO SALES | Para este ponto, é preciso fazer algumas quebras. Há uma porcentagem muito baixa de pessoas negras em cargos de liderança. Para analisarmos LGBTs, vou fazer uma outra quebra: se eu olho para LGBTs, eles estão também em cargos de liderança, mas não necessariamente se assumem no ambiente de trabalho. Nem sempre falam sobre a sua orientação sexual e, mesmo quando falam, são muito comuns as situações de preconceito e todo tipo de violência nas organizações. E se fizermos o recorte pensando nas pessoas trans, aí, de fato, temos uma exclusão muitíssimo grande, pois, muitas vezes é barrado o acesso de transexuais às empresas – ainda que tenham a escolaridade necessária e exigida pelas organizações.

AUPA | A população transexual acaba sendo a que mais sofre violência, portanto.

RICARDO SALES | Sem dúvida. Os dados da ANTRA [Associação Nacional de Travestis e Transexuais] dão conta de que, hoje, 90% das pessoas trans estão na prostituição. Ressalto que, de minha parte, não se trata, de maneira nenhuma, de criminalizar a prostituição: o ideal seria que ela fosse uma alternativa ou uma opção, uma escolha e, hoje, não é. Eu faço sempre uma provocação em algumas empresas, sobretudo em palestras, que é a de perguntar: “Por que não tem nenhuma pessoa trans trabalhando aqui?”. E adoro quando me respondem assim: “Ah, mas é porque elas não têm a qualificação que a gente precisa”. E eu falo: “Jura? Então, eu mando os currículos que eu tenho e eu tenho seguramente mais de 40 currículos de pessoas trans, várias com Ensino Superior, algumas com Mestrado e Doutorado – todas desempregadas”. Fazer essa provocação é para que as empresas possam entender que elas não têm pessoas trans ali, não por falta de escolaridade, mas porque elas não têm um ambiente inclusivo. Então, enxergando o problema certo, é que justamente o fato de que elas não têm um ambiente inclusivo, aí podemos trabalhar propriamente para mudar esse cenário das organizações.

AUPA | Quando procuramos negócios sociais e iniciativas relacionadas a comunidade LGBT encontramos muitos mais negócios relacionados, ainda, ao acolhimento do que à busca por aceleração, orientação e financiamento…

RICARDO SALES | Isso tem a ver com o cenário do nosso próprio país. É necessário o acolhimento, porque, hoje, muitas pessoas LGBTs, sobretudo trans, que são até expulsas de casa, no momento em que sua orientação sexual e sua identidade de gênero vêm à tona. Então, acho que é muito disso. São iniciativas, a meu ver, todas válidas. A Casa 1 é extremamente necessária – precisaríamos muito mais de exemplos assim pelo país a fora, pois, infelizmente, há muita demanda. No entanto, realmente, é muito interessante a possibilidade de fomentar o desenvolvimento de projetos voltados à população LGBT, como geração de renda, empreendedorismo, como outros grupos já o fazem, por exemplo, o de mulheres e o de pessoas negras. A parceria que o Mais Diversidade e o Itaú fizeram [com o edital de incentivos a projetos voltados à valorização de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais] foi uma das experiências profissionais mais incríveis que já tive. Nós tivemos um número imenso de inscrições, dez pessoas foram pré-selecionadas, vieram à São Paulo para participar de uma banca e, nela, pude testemunhar o poder de transformação que comunidade LGBT tem. Pude ver a capacidade dessas pessoas que, muitas vezes, precisam de incentivo, apoio ou suporte, que é financeiro, mas, também, no sentido de orientação – e isso vale para a carreira e para os negócios dessas pessoas. Então, sem prejuízo ao acolhimento, sem de maneira nenhuma tirar o mérito das ações de acolhimento, tomara que a gente possa avançar para outras, como a geração de renda e o empreendedorismo.

Fazer essa provocação é para que as empresas possam entender que elas não têm pessoas trans ali, não por falta de escolaridade, mas porque elas não têm um ambiente inclusivo.

Ricardo Sales

AUPA | Ao mesmo tempo em que há uma violência assustadora, como a homofobia e a transfobia, a cidade de São Paulo abriga a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, que justamente é o momento de ocupação do espaço e de diálogo sobre a diversidade e da dignidade das pessoas desta comunidade. Como você vê esse paradoxo, que lida com uma violência cotidiana e um fluxo de dinheiro enorme com a Parada?

RICARDO SALES | Isso fala da nossa própria sociedade, mais uma vez: o Brasil é uma sociedade feita de muitos paradoxos. Nós somos uma sociedade conservadora e ela sempre foi conservadora, mas que no Carnaval a vemos com aquela ousadia toda. Nós somos uma sociedade que tolera, por exemplo – e eu não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre isso –, no Carnaval, a exposição do corpo, mas se uma mulher faz topless numa praia brasileira, em questões de minutos, alguém liga para a polícia, a polícia vai lá e manda ela se vestir. Então, acho que esse é mais um dos paradoxos da nossa sociedade, de ter a maior Parada LGBT do mundo ao mesmo tempo em que é um dos países que mais assassina essa população em crimes de ódio. A Parada é um espaço incrível de visibilidade, sobretudo, de articulação política. Ela existe há 22 anos no Brasil e eu realmente espero que ela possa crescer ainda mais nesse ano e nos próximos, porque será ainda mais necessária a articulação da comunidade. Mas aí ressalto duas coisas: (1) não é a articulação da comunidade isolada, acho que a comunidade pode, cada vez mais, se valer da articulação com aliados, ou seja, aquelas pessoas que não são LGBTs, mas que entendem que essa é uma questão urgente de Direitos Humanos e podem estar ao nosso lado – não à nossa frente, é ao nosso lado na luta; (2) em outra ponta, acho que abriu espaço para a participação da iniciativa privada. As empresas no Brasil, hoje, têm ocupado um espaço/um vácuo que foi deixado pelo poder público. Se os governos não participam dessas discussões, as empresas, por sua vez, têm participado. O que vimos de crescimento da pauta [LGBT] nos últimos cinco anos é impressionante, pois nunca se falou tanto em diversidade no meio empresarial brasileiro. Nós, da Mais Diversidade, no dia a dia, sentamos para falar sobre esses temas e planejar iniciativas de inclusão com presidentes das maiores empresas do Brasil. E isso é muito significativo e inédito.

Quem é que paga?

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O Empreende Aí ocupa a importante função de oferecer formação empreendedora para as periferias de São Paulo. Mas o erro foi imaginar que a própria periferia bancaria seus cursos.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Eu tinha um emprego. A Jennifer tinha um emprego. E a gente passou madrugadas consertando o nosso negócio.” Não seria raro que outros empreendedores e empreendedoras sociais se identificassem com o relato do casal de fundadores do Empreende Aí, Luís Henrique Coelho e Jennifer Rodrigues. O negócio deles nasceu para levar para as periferias os cursos e as formações em empreendedorismo cuja oferta é tão grande no centro. Seus alunos seriam jovens que gostariam de empreender e bancariam, eles próprios ou sua família, os cursos. Ledo engano. O tempo mostrou que esse não seria o público pagante do Empreende Aí. Logo o casal teve de voltar para a prancheta para reestruturar o negócio.

A Empresa

Nascido e criado no bairro de Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, Luís Coelho estava no fim do curso de Administração, entre 2013 e 2014, enquanto tentava empreender ali, no seu território. Paralelamente a algumas tentativas, ele lançou um blog, já com o nome Empreende Aí, com conteúdos sobre empreendedorismo com esse olhar das e para as quebradas. Sua então namorada, hoje esposa, Jennifer Rodrigues, formada em Psicologia e com experiência na área, o apoiava revisando os textos.

O interesse no assunto tornou-se mútuo e crescente. Não demorou para que os dois passassem a sonhar, juntos, em expandir sua atuação para levar educação empreendedora para a periferia da cidade. O “estalo” veio em 2015, após assistirem a uma palestra de Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz por sua atuação em crédito social. Foi quando passaram a entender que o Empreende Aí poderia se tornar um negócio de impacto social.

De 2015 para cá, o Empreende Aí realizou dezenove turmas, formou mais de quinhentos alunos e abraçou mais de 250 novos negócios da periferia em seu portfólio. Dentre seus participantes, 67% são mulheres e 66% negros e pardos. Em 2018, além de ter formado oito turmas, eles se tornaram parceiros no VAI TEC, o programa de aceleração da Agência São Paulo de Desenvolvimento, a Adesampa. 

O Erro

A trajetória do Empreende Aí é uma dentre tantas que nos ensina sobre as peculiaridades de se empreender na periferia. E o “erro” do projeto só pode ser compreendido a partir desse lugar. Ao tentar sintetizar, Luís afirma que o maior equívoco seu e de Jennifer na condução do negócio foi na definição de qual seria seu público. Ou seja, quem pagaria pelos cursos de empreendedorismo.

Na cabeça do casal, esse público a quem se direcionava o curso era, de certa forma, o reflexo deles próprios. Jovens, na casa dos vinte anos, homens, que não estão no mercado de trabalho formal, seja por falta de oportunidade ou por falta de interesse, e que gostariam de ter o próprio negócio. Faz sentido, certo? “Em um primeiro momento, tentamos vender as formações direto para essa galera”, recorda-se Luís. “Depois imaginamos que os pais pagariam. Mas logo nas primeiras turmas erramos feio.”

Para se ter uma ideia, hoje a faixa etária do público é de 30 a 35 anos, sendo a maioria de mulheres, as quais acabam vendo no empreendedorismo uma maneira de segurar as contas. Logo, o perfil imaginado não se concretizou na realidade. E aqui entra o recorte social importante: ainda que se ajustasse esse perfil na periferia, tirar do bolso a grana para investir num curso implica um impacto significativo nas contas do lar e da família. Sendo assim, a partir mesmo da primeira turma, em 2015, Luís e Jennifer constataram que não seria possível esperar dessas pessoas o faturamento que levaria à sustentabilidade do negócio.

A Solução

Entre a primeira formação e a segunda houve um período de um ano. Durante esse tempo, o casal investiu tentando entender qual seria o seu cliente real. E, mais uma vez, o recorte social faz a diferença: cada um deles tinha um emprego formal durante o dia, para pagar as contas, e dedicaram-se a pensar sobre o Empreende Aí nas madrugadas.

Alguns negócios têm como usuário a periferia, mas nem sempre esse público tem a possibilidade de pagar pelo serviço”, aponta Edgar Barki, professor da Fundação Getúlio Vargas. Barki foi um dos mentores do Empreende Aí  quando, no ano passado, o negócio passou pela Aceleradora de Negócios de Impacto Periférico (Anip),uma iniciativa da produtora cultural A Banca, a aceleradora Artemísia e o centro de empreendedorismo social da FGV-SP. “É essencial identificar potenciais parceiros ou clientes que podem pagar pelos serviços oferecidos e a forma de monetizar esses serviços”, assinala o professor.

O aprendizado, entre 2015 e 2016, foi entender que havia um interesse de empresa, fundações e outras corporações em patrocinar essas formações, via setores de marketing, para estrategicamente se aproximar do público periférico. E foi por esse caminho que o Empreende Aí passou a investir. Atualmente, são clientes do Empreende Aí personagens como a Fundação Arymax, a Fundação Via Varejo, das Casas Bahia, e a rede de atacadistas Assaí.

Os Desafios

Crescer, crescer e crescer. Agora que já se sabe bem de onde vem a grana, Luís conta que o objetivo é expandir a base de clientes e ampliar o faturamento. E passará também por aumentar a equipe e saber gerir novas pessoas. Luís e Jennifer não estão mais atuando ali na ponta, nas formações. Atualmente, o Empreende Aí conta com dois facilitadores de formações e uma gestora de comunidades.

A Agroecologia, o consumo local e seus microinvestidores

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Com a crescente expansão da produtividade da agrofloresta no campo, e a agroecologia brasileira se firmando cientificamente como cultura sustentável própria, as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs) e outros grupos locais fomentam novos ecossistemas econômicos, como microinvestidores. Tornam-se modelos potentes que fecham o ciclo da produção de alimentos de forma naturalmente equilibrada.

Para a paulista Camila Andrietta, por exemplo, a possibilidade de participar de uma CSA nasceu principalmente da necessidade: “Eu tive dois filhos alérgicos que realmente não podiam comer nada que não fosse orgânico [ou sem agrotóxicos]. Se não fosse nesse modelo, seria inviável financeiramente”, conta ela. Também para criar melhor ambiente para os filhos, Giovane Salvadori, em Curitiba, faz parte da CSA Bocaiuva e se vê como integrante de uma “família empreendedora”.

Produtores e consumidores, chamados de coprodutores, trabalham juntos em uma cadeia de consumo organizado que sustenta certos tipos de atividades agrícolas. Na CSA que Giovane está, paga-se o valor trimestral de R$ 315 com antecedência tendo de 3 a 6 kg de alimento na mesa, semanalmente. Ele e a companheira deixaram de ir ao supermercado para a alimentação deles e dos dois bebês, de vez em quando na feira para itens especiais. Mas pela cesta do CSA os produtos são  mais diferentes, uma cesta mais volumosa, uma abundância cultural.

Uma revolução de consumo

Na Índia, a “revolução do consumo” já foi realizada no pós-colonização e ficou conhecida como Swadeshi, que significa “consumo local”. Exemplos como o do Banco Palmas, de Tocantins, mostram que se o dinheiro fica na região, seu valor é multiplicado, a riqueza circula na própria cidade ou comunidade. No caso do setor de alimentos, organizações, fundações e governos  vêm trabalhando, pelo mundo, para contribuir com mudanças entre os pequenos e grandes agricultores: “O mercado de comodities está fadado a desaparecer por obsolescência”.

E o que nós, meros “comedores” podemos fazer, além de esperar que o preço desses produtos abaixe? Como fazer para comer alimentos saudáveis sem financiar uma boutique chique de orgânicos? Giovane conta que é estar atento a todo um ciclo que se transforma a partir dessa iniciativa: “A gente está investindo vários valores, dinheiro, e isso volta. De um tempo para cá, isso começa a preencher nosso alimento diário. O nosso dia a dia fica muito saudável. Então, temos retorno do alimento, da parceria, do empreendimento, de ser ativo”, resume ele.

Os benefícios financeiros do modelo podem ser tão positivos quanto os ambientais. Eliminação de intermediários, corte de custos – com transporte, pedágios, embalagens, comercialização, administrativo. Aumento de 50% no salário dos agricultores, segundo banco de tecnologias sociais da Fundação BB. Fim da compra que somente gera escassez. Divisão de tarefas, gestão rotativa, tentativa e erro, trabalho de grupo, criação de comunidade. Todos entendem a integralidade do processo, um agroecossistema diferente em sua totalidade que passa a existir.

Microinvestidores agroflorestais: quem são e empreendem com o quê?

Para Wagner Santos, um dos diretores da CSA Brasil, organização que fomenta esses agroecossistemas no país, “a CSA é um impulso social, acima de tudo”. O formato existe desde a década de 1980, surgido do conceito da economia associativa, baseada na anterior filosofia do alemão Rudolf Steiner, a antroposofia.

Wagner garante que os princípios de comunidade podem ser aplicados a qualquer tipo de atividade econômica. No Distrito Federal, por exemplo, há uma “recriação” desse sistema que se chama Comunidade que Sustenta a Agricultura, a Saúde e a Educação. Só em Brasília são 20 CSAs, e pelo menos 130 espalhadas por todo o país.

Com a rede formada, cada um se identifica com uma tarefa, mas tudo é compartilhado, com diferentes níveis de horizontalidade em cada uma das CSAs. “Não se busca recurso fora, se busca dentro”, explica Wagner. “Esse grupo de pessoas  dividirá entre elas as necessidades do sítio, do organismo agrícola, e junto, se consegue prover que essa sustentação aconteça”. O projeto e o orçamento são traçados para se tornarem mais viáveis ao longo do tempo, inclusive, do ponto de vista econômico.

Pessoas jurídicas também podem investir sendo este o diferencial do seu empreendimento: a proximidade com os produtores, a qualidade do produto e sobretudo o ambiente que se cria. “Hospitais, escolas, ou o dono de um restaurante, por exemplo, é como se fossem 100 famílias. Na Bahia, tem uma CSA que se vincula a restaurantes, em Piracanga, uma cidade bem turística. Indiretamente, cada cliente do restaurante está também sustentando um organismo agrícola”, conta Wagner.

Cada um investindo, seja com trabalho ou com dinheiro, nessa nova forma de se relacionar com a terra, nos serviços ecossistêmicos que a natureza provém: “Para que esse espaço continue fornecendo comida de verdade, seja um espaço de preservação da natureza, seja um espaço de manutenção da biodiversidade ou da manutenção da soberania alimentar através da conservação e criação de sementes, eu,  como cidadão preciso ter uma ação no mundo, nesse sentido”, conclui Wagner.

“Vida agroflorestada”

Lilian Alves estava retornando para sua cidade natal, Atibaia, onde iria trabalhar na pequena produção de queijos dos pais, quando conheceu uma CSA. Saía do convencional de uma indústria têxtil que a ocupou por décadas para voltar, resgatar antigos valores, ideias, atitudes. Sem saber que já havia encontrado o que procurava, anunciou na primeira reunião que participou da comunidade que não queria responsabilidades.

De início pensou: “contas a pagar e tudo aquilo parecia só um sonho para quem já tinha a vida resolvida”. Mas foi convidada novamente a estar por perto e, uma semana depois, viu-se colaborando, “com uma força que desconhecia”, e em 2016 o grupo começou a se consolidar. Ela deixava de lado a “falsa ilusão de estabilidade” para aos poucos entender que tipo de benefício estava recebendo na comunidade.

O organismo agrícola que Lilian e a comunidade apoiam tem hoje cerca de 100 pessoas associadas. Quatro trabalham na terra e cinco produtores bolsistas, que trabalham quatro horas por semana em troca da mensalidade da CSA. A partir do trabalho em torno da propriedade-floresta produtora de verduras, legumes e frutas, é justamente a economia que se cria.

A comunidade começa realizando oficinas, mutirões, visitas, eventos educacionais e culturais. Passam por compras coletivas, com mais cortes de custos, para trocas, até se tornarem uma verdadeira rede local. Foi assim que Lilian aumentou repentina e consideravelmente as vendas de queijos da sua família, assim como  cada membro passou a oferecer seu talento, produtos e serviços “com valor justo”.

Mas a base se firma antes, com trabalho intenso de “conscientização”, acredita Paulo Rodrigues, um dos precursores da prática. A própria natureza que dita a produção, que mostra aonde está a produtividade e a expansão. “Ao se alimentar bem, as famílias de coagricultores contribuem com a saúde própria, com a saúde do ecossistema e com a saúde financeira dos agricultores”, resume ele, o que acaba por afetar positivamente todo o sistema. Uma “agri-cultura” que ao invés de desencadear uma série de empobrecimentos, produz riqueza para todos os envolvidos.

Foi assim que a comunidade passou a estudar os conceitos de economia circular, economia solidária, colaborativa, compartilhada. Então, existem — e tendem a crescer — soluções e tecnologias que diversificam mais os processos. Que não são economia alternativas, e sim complementares. Está a ideia de convergência, entre esses modelos de descentralização e valorização.

Paulo procura traduzir: “A gente trabalha em sinergia com a natureza. É daí que vem o conceito de sintropia, [uma filosofia específica dentro do contexto] da agrofloresta. Estando tudo caminhando para o equilíbrio, a natureza é, pois tem a fórmula da economia perfeita. Não se desperdiça nada num ecossistema equilibrado. Nada é lixo e nada é extremamente valioso. Tudo faz parte de uma sintropia [e de uma entropia], um fluxo de crescimento sempre”.


Leia os outros conteúdos da série:

O impacto e a produtividade das agroflorestas no campo

Eu Errei: Ralf Toenjes e Pedro Ivo, da VerBem

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“A gente achou que era super-herói e que conseguiríamos resolver todos os problemas da humanidade.” Esse ímpeto eufórico de Ralf Toenjes de salvar o mundo é comum entre tantos outros empreendedores sociais que conhecemos. É o mesmo afã que ele divide, aliás, com seu sócio na VerBem, Pedro Ivo Garcia. Os dois se juntaram pelo anseio de atender os 45 milhões de brasileiros que precisam de óculos de grau e mal sabem disso. Só que, ao mesmo tempo, queriam levar desenvolvimento econômico, educação e cultura a populações vulneráveis por meio da produção dos óculos. Foi preciso escolher. “Foi só quando a gente conseguiu focar que nosso negócio realmente começou a andar”, recorda-se Pedro.

Leia a reportagem completa no Eu Errei!

Empreender-se: O empreendedor social na essência

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No último artigo, escrevi sobre como nosso mundo precisa de mais empreendedores utópicos. Empreendedores sociais autênticos são movidos pela utopia de um mundo mais digno, justo, equânime, sustentável, sempre. Cada um ao seu modo, agarra-se a essa “corda” que nos mantém atados ao ponto do futuro que desejamos criar, apesar das intempéries, das distrações, dos obstáculos, dos “nãos”, da ignorância sobre o caminho.

Ao observar a maioria dos livros, eventos e debates sobre empreendedorismo, percebo que muito se fala sobre empreendedores serem protagonistas da história e construírem o futuro. Falamos também sobre formas para encontrar modelos de negócios saudáveis, sobre quais competências devemos ter no time e sobre como nossa empresa deve estar organizada para permitir que o modelo funcione em todo o seu potencial. E claro, sobre como financiar todo esse processo.

Entretanto, pouco se trata do pilar central dessa jornada, pois raramente mergulhamos no exercício de destrinchar aquele que é alma que dá luz ao processo. Me refiro ao empreendedor. Quem é o Ser Humano que empreende a sua utopia social? Qual a sua essência e a sua identidade? Qual é a sua história? Quais crenças e valores o levam a essa jornada empreendedora? Como elas foram formadas? Quais os seus medos e angústias? O que o faz feliz e realizado no dia a dia desafiador de construir mercados para atender a quem de fato precisa? O que o levou a fazer essa escolha de vida diante de tantas outras possibilidades? O que o mantém no caminho e na busca?

Nossa vida é um reflexo da natureza dos nossos sonhos e da nossa vontade, no âmago, a essência de quem de fato somos. Para o mundo, somos o que fazemos. É na transformação gerada pela nossa ação empreendedora que imprimimos pegadas e modelamos o mundo que nos cerca. Se queremos mais empreendedores utópicos, é essencial desbravarmos essas questões. Como diz sabiamente meu querido amigo Fernando Dolabela, há que se falar do criador e não apenas da criatura.

Conhece-te a ti mesmo

Nesta busca, aprendi que há cinco grandes perguntas que precisamos responder para mergulhar nessa rica compreensão do criador – o Ser Humano empreendedor.

1. Quem sou – minha identidade e autenticidade? A resposta a essa pergunta está na base da minha intenção de futuro;

2. A que “sirvo” – o que de fato importa na minha vida? A resposta a essa pergunta espelha meus valores, princípios, propósito;

3. Qual minha vontade e firmeza para sustentar as minhas escolhas? A resposta a essa pergunta reflete a coerência e consistência dos meus atos;

4. O que faço – minhas atitudes, escolhas, renúncias e omissões? A resposta a essa pergunta nos fala sobre a integridade dos meus atos frente às respostas anteriores;

5. A quem / ao que impacto – as consequências dos meus atos? A resposta a esta pergunta define nosso campo de ação empreendedora.

A qualidade das respostas a essas cinco perguntas define a essência da nossa alma de empreendedores sociais. É uma busca contínua. Não é uma resposta fechada. A pergunta está sempre aberta e em criação.  E aprendi pela experiencia, lidando com centenas de empreendedores, que quanto mais profundidade e seriedade há na jornada de trabalho sobre essas perguntas grandes, maior qualidade tende a existir na formação da cultura empreendedora do time que levará adiante o desafio de encontrar um modelo de negócio sustentável e construir uma empresa saudável.

Uma boa dica para responder a essas perguntas é começar de traz para frente. De fora para dentro. A quem ou a que impacto com minhas ações empreendedoras? O que faço com meus ativos empreendedores – meu tempo, meu recurso, minha inteligência, etc? E assim adiante. Deixamos rastros e pegadas de quem somos. Para podermos nos conhecer mais, podemos começar por ai.

Fácil? Jamais. Muito desafiador. Nos deparamos com rastros que não gostaríamos, incoerências, arrependimentos e afins. Mas, e aqui é um grande MAS, a atitude aqui deve ser a mesma atitude empreendedora que utilizamos no desenvolvimento do nosso modelo de negócios. Abertura para a descoberta, evidencias sobre o que lidamos, velocidade de aprendizado, desapego ao que não gera valor real.

Quanto mais avançamos na jornada empreendedora, mais descobrimos que empreender-se é parte essencial dessa vida. Afinal, qual a graça do caminho se não sentirmos que podemos nos tornar pessoas melhores ao percorrê-lo?

Boa busca!

Não somos super-heróis

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A VerBem começou dentro de uma ONG com o propósito de criar um modelo para distribuir óculos de baixo custo pelo Brasil e gerar renda para pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas foi preciso focar em um problema de cada vez.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“A gente achou que era super-herói e que conseguiríamos resolver todos os problemas da humanidade.” Esse ímpeto eufórico de Ralf Toenjes de salvar o mundo é comum entre tantos outros empreendedores sociais que conhecemos. É o mesmo afã que ele divide, aliás, com seu sócio na VerBem, Pedro Ivo Garcia. Os dois se juntaram pelo anseio de atender os 45 milhões de brasileiros que precisam de óculos de grau e mal sabem disso. Só que, ao mesmo tempo, queriam levar desenvolvimento econômico, educação e cultura a populações vulneráveis por meio da produção dos óculos. Foi preciso escolher. “Foi só quando a gente conseguiu focar que nosso negócio realmente começou a andar”, recorda-se Pedro.

A Empresa

Operando a partir de 2017, a VerBem procura vender óculos de grau de baixo custo. A receita das vendas, por sua vez, proporciona a doação de outro par para alguém que precise. Na linha de entrada, ou Linha de Acesso, armação e lentes custam R$ 79,90, independentemente do grau. É na Linha Impacto, a partir de R$ 179,90, que a venda gera os donativos. Quem cuida dessa parte filantrópica é a Renovatio, ONG também fundada por Ralf e de onde nasceu a própria VerBem.

A história da VerBem, portanto, é também a da Renovatio. E esta última tem um pouco mais de estrada. A ONG foi criada em 2014 quando Ralf ainda terminava a faculdade – e foram três cursos completos entre 2009 e 2015: Direito, Economia e Administração. Ao vencer um prêmio de impacto social no México, em 2013, Ralf entrou em contato com um grupo de alemães que havia criado a tecnologia dos óculos de baixo custo, o OneDollarGlass, e topou a missão de trazê-la para o Brasil. Foi em 2015, em outra premiação, que conheceu Pedro, também um jovem estudante apaixonado pelo tema de impacto social. Ficaram amigos, e Pedro começou a levar o trabalho da Renovatio para Florianópolis, cidade onde morava.

Até então, a Renovatio operava com doações e com mutirões de distribuição de óculos com patrocínio de empresas. Em 2016, porém, auge da crise política e econômica no Brasil, a ONG viu sua captação cair em 70%. Foi quando Ralf se deu conta que deveria criar um modelo que permitisse sustentabilidade financeira ao seu trabalho, mas também que pudesse ser capaz de alcançar mais pessoas. Assim, Ralf convidou Pedro a se mudar para São Paulo e começarem um negócio de venda de óculos, a Ver Bem. “Dormi em uma ONG e acordei em uma empresa”, brinca Pedro.

O Erro

O plano inicial da Renovatio e da própria Ver Bem era baseado no que Ralf costumava chamar de “duplo impacto”. Eram duas coisas que ele e seu sócio gostariam de fazer. De um lado, democratizar o acesso a óculos no Brasil, é claro. De outro, porém, dar oportunidade de geração de renda e acesso à educação e cultura a populações vulneráveis por meio da produção desses óculos.

“A gente desenhou um programa de desenvolvimento em que moradores de rua e refugiados iriam trabalhar durante o dia, estudar durante a noite e ter programação cultural no final de semana”, recorda Ralf. “Na época, a gente empregava as pessoas participantes do programa para produzir os óculos.”

No papel, é tudo muito lindo. O próprio Ralf se recorda de como ele contava sobre sua ideia de duplo impacto em palestras, para o encanto das audiências. Mas ali, no dia a dia, não funcionava. Dos dezesseis participantes do programa, apenas dois estão trabalhando com a Ver Bem até hoje. Os demais, infelizmente, não conseguiram alcançar estabilidade. “Percebemos que estávamos atuando em várias áreas complexas. Era um desafio muito maior que a nossa capacidade”, assume Ralf.

Essa história de “um olho no peixe e outro no gato” teve impacto negativo no próprio alcance das ações da Renovatio. A meta – ousada, aliás – é distribuir 1 milhão de óculos até 2020. Mas, até então, havia muita dificuldade em criar escala, até porque a própria cadeia de produção ainda não estava azeitada e não poderia atender a uma demanda tão alta.

A Solução

No momento de criar um modelo de negócio social, Ralf e Pedro acharam na Yunus Brasil seus primeiros mentores. Segundo Francisco Vicente, head de aceleração da Yunus, é comum encontrar empreendedores com essa síndrome de super-herói. “É necessário o foco no core business e no modelo de distribuição”, ensina Francisco.

Isso vale não só para o impacto que se pretende gerar, mas também em como distribuir sua solução para a população. No caso da VerBem, Francisco conta que a questão-chave do negócio sempre foi encontrar esse modelo: se é doação, se é venda direta, venda on-line, etc. “A nossa recomendação é que o empreendedor tenha foco em um canal de vendas específico, teste a solução da maneira mais simples possível para, caso não for aceita pelo mercado, voltar atrás e corrigir a rota rapidamente”, conclui Francisco.

Um passo importante da dupla de empreendedores foi reconhecer a dificuldade e buscar ajuda. Além da Yunus, o grupo alemão que investiu neles lá no começo também foi fundamental para encaminhar uma solução. Eles recomendaram um Instituto na Bolívia que também produzia o OneDollarGlass, só que com uma expertise muito maior em empregar e capacitar populações vulneráveis. Foi quando a VerBem resolveu focar só na venda dos óculos, e os resultados começaram a aparecer. De 2017 para cá, já foram mais de 15 mil óculos distribuídos – o dobro do que o estado de São Paulo conseguiu distribuir no mesmo período.

Os Desafios

De agora em diante, Ralf e Pedro têm todo o foco voltado para como montar os canais de distribuição da sua solução. Afinal, a cadeia de produção dos óculos foi resolvida e está toda na Bolívia. Uma das apostas está na abertura de lojas físicas: a meta é inaugurar dez estabelecimentos até o fim do ano. Com isso, o sonho é crescer e se tornar uma ótica mesmo.

Em outra frente, o patrocínio de empresas nos mutirões responderá, pelo menos até junho deste ano, por 70% do faturamento da empresa. Logo, também está na estratégia amadurecer modos de continuar atendendo essa demanda empresarial. “E quem sabe no futuro a gente volte a produzir óculos no Brasil”, especula Ralf.

Muito dinheiro, pouco investimento: o paradoxo do investimento de impacto no Brasil

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Os números do cenário global são incontestáveis: a oferta de capital em investimento de impacto aumentou mais de 500%. Segundo dados do Annual Impact Investor Survey – 2018 publicado pelo Global Impact Investing Network (GIIN), o fluxo de capital investido em negócios de impacto foi de 46 bilhões de dólares, em 2014, para 228 bilhões de dólares em 2018.

Segundo Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem, a tendência deste número é aumentar: “Isso não é uma moda, não é algo que irá passar. E tem um fator geracional que está sendo muito comentado recentemente: o investidor da próxima geração, para quem o fator, propósito, é muito importante”, explica Letelier. “A gente já viu isso se refletir no consumo e vai ver no investimento. Esse pessoal vai ter uma transferência muito grande patrimônio com aposentadoria e morte da outra geração. Vai ter muito dinheiro mudando de mão e para mãos que querem investir com propósito”, prevê. A SITAWI gere recursos de origem filantrópica e investe financiando negócios de impacto, com um portfólio com mais de 30 organizações de impacto.

Toda essa abundância, porém, ainda não reverbera na realidade da maioria dos empreendedores, que enfrentam muita dificuldade em ter acesso a dinheiro. Segundo dados do 1º Mapa de Negócios de Impacto feito pela Pipe.Social em 2017 (o segundo será lançado dia 19 de março deste ano, no Civi-co), 79% das empresas brasileiras de impacto estavam procurando investimento e 35% não tinham nenhum tipo de faturamento.

A conta não fecha por um motivo: risco. Haroldo Torres, sócio-fundador da venture builder Din4mo, lembra da importância de fazer uma distinção entre investimentos em ativos e dinheiro na conta das empresas. “Os 226 bilhões de ativos são recursos em carteira de fundo de investimento a serem alocados em negócios de impacto”, ensina Torres. Ou seja, o número não é um indicativo de um investimento que efetivamente aconteceu, mas de que tem vários fundos que foram constituídos ao longo do tempo e que ainda vão alocar recursos. “Um exemplo é o fundo Performa, que está no Brasil, e que captou 150 milhões de reais lá fora, mas está começando seu processo de investimento”, completa.

Dito isso, Torres joga luz para uma questão estrutural: a dificuldade de o dinheiro chegar ao empreendedor. “Um fundo que captou 100 milhões de reais tem um custo de administração muito alto. Então, para fazer sentido, do ponto de vista operacional, é possível começar a investir a partir de 5 milhões de reais. Só que para um negócio de impacto chegar a uma condição de poder captar 5 milhões de reais, ele tem que ter uma história muito bacana e evidências muito claras da qualidade do negócio e da possibilidade de escalar. E isso poucos negócios terão”, avalia Torres. Isso explica o baixo número de negócios que os fundos de investimento apostam. “A relação é superior a 1% entre o número de empresas investidas por empresas estudadas”, afirma.

A tese pode ser bem ilustrada com dados da Vox Capital, um dos principais fundos de investimento de impacto no país. Em 2018, a Vox investiu em equity (comprando porcentagem da empresa), no valor de 7 milhões de reais, na Sanar, uma empresa de educação para profissionais da área de saúde. O relatório completo do impacto da Vox, em 2018, deve ser divulgado em meados de março.

Tua vara e teu cajado me consolam

Ainda que o empreendedor ande pelo vale da morte, é possível trilhar caminho. E as soluções vão se desenvolvendo junto com o próprio setor. Em 2017, a SITAWI fez seu primeiro investimento via crowdlending, ou empréstimo coletivo. Foram 100 mil reais em uma empresa que cria soluções para o ensino de Matemática no Brasil.

De lá pra cá, foram outros três investimentos seguindo o modelo e uma nova rodada está prestes a ser anunciada. “A SITAWI sempre trabalhou com dinheiro de doações e emprestava esse dinheiro ao empreendedor. O que a gente começou a fazer é: se temos 100 mil reais de doação, a gente empresta 33 mil para três empresas e convida nossos doadores e o público em geral a colocar mais dinheiro, mas como investimento”, conta Leonardo Letelier. “Ou seja, de 100 mil a gente faz 300 mil”.

Outra ponte que está sendo criada entre os grandes fundos e as empresas em estágio de maturação é a Din4mo, que por meio do Programa Inovadores apoia negócios em tração para conseguirem escalar. Um de seus braços de atuação é a Din4mo Ventures, que reuniu cerca de 100 investidores na plataforma Broota em um sindicato de investimento. Se a Din4mo decide liderar uma captação para alguma empresa, no mínimo 20% do valor alvo da rodada é colocado por eles.

Até agora a Din4mo já investiu e fez três captações: duas no Programa Vivenda e uma no Impact Hub. Um quarto investimento está saindo do forno e deve se anunciado em final de março.

De onde vem e pra onde vai o dinheiro grande?

O relatório publicado pela GIIN mostra que, ao longo destes quatro anos, quem despontou como principal investidor foram bancos e instituições financeiras. Em 2014, a categoria foi responsável por injetar pouco mais de 7 bilhões de dólares em ativos. Um mero trocado, se comparado aos quase US$ 110 bilhões investidos no ano passado.

Era de se esperar, com a explosão das Fintechs (só o Brasil viu este setor crescer mais de 60% desde 2017, de acordo com dados do Mapa das Fintechs lançado em meados de 2018), que entre os setores que tenha atraído mais capital seja o de Serviços Financeiros. Em 2014, os 21% representavam pouco menos de 10 bilhões de dólares. No segundo período, o número pulou para pouco mais de US$ 43 bilhões, representando o principal setor, com 19%. Outro destaque vale para o setor de Água e Sanitização que teve, proporcionalmente, o maior crescimento, saindo de 1%, em 2014, para 4% em 2018.

Para 2030 ainda é pouco

Apesar de 226 bilhões pareça muito, o recente artigo Catalyzing the growth of the impact economy publicado pela gigante consultora de empresas McKinsey adverte que é preciso conter a animação ao olhar para este aumento de quase 500% nos últimos 4 anos. Os autores lembram que as estimativas de gasto anual de capital exigido para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030 são entre 1.4 trilhão e 2.5 trilhões de dólares. “Para fechar a lacuna, os proprietários de ativos e gestores de fundos precisarão adotar estratégias de investimento que enfatizem ainda mais os resultados sociais positivos, em vez de estratégias que apenas procuraram minimizar ou evitar resultados negativos”, afirma o artigo assinado por David Fine, Hugo Hickson, Vivek Pandit e Philip Tuinenburg.

Eu Errei: Adriana Barbosa, da Feira Preta

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“Tive que trabalhar isso na terapia. Inclusive para aprender a separar o que é a Adriana e o que é a Feira Preta.” Quando a Feira Preta quebrou, Adriana Barbosa, sua fundadora, quebrou junto. Apesar de anos de caminhada e de construção de uma sólida reputação, a Feira Preta entrou em uma profunda crise em 2016. Adriana e sua equipe preparam um superevento para comemorar os quinze anos da feira. A expectativa era de um público de 12 mil pessoas. Foram só 4 mil. Uma frustração que deixou dívidas e muita reflexão a ser feita. Afinal, por que as pessoas não foram à Feira Preta?

Leia a reportagem completa no Eu Errei!

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