Três em cada quatro brasileiros acessam a internet, o que equivale a 134 milhões de pessoas. Os dados são da pesquisa TIC Domicílios (2019), divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Porém, apesar de a quantidade de usuários e de serviços on-line utilizados ter aumentado, ainda persistem diferenças de renda, gênero, raça e regiões. As diferenças de acesso são acentuadas também por classes sociais, segundo dados do TIC Domicílios, de modo que o acesso se dá da seguinte forma: 95% na classe A; 93% na classe B; 78% na classe C; e 57% nas classes D e E.
Vale destacar também que: falar sobre tecnologia é necessariamente trazer as pessoas para o centro da discussão. A partir deste contexto, Silvana Bahia, coordenadora de comunicação do Olabi, organização que trabalha pela democratização da tecnologia, comenta nesta entrevista como a tecnologia pode contribuir na mobilização de organizações sociais, grupos e coletivos em favelas e periferias. Ainda: ela explica que o preconceito étnico-racial está, muitas vezes, introduzido em softwares de reconhecimento facial e inteligências artificiais. Por este motivo, o foco de seus estudos são as relações entre redes, diversidade e inclusão digital. “Devemos olhar para o acesso à internet como um direito que faz parte da cidadania”, destaca.
Confira a entrevista a seguir.
AUPA – Você já trabalhou no Observatório de Favelas e foi a partir desta experiência que percebeu, sobretudo, a falta de mulheres negras no espaço de tecnologia, que é majoritariamente ocupado por brancos e homens, segundo a pesquisa #QuemCodaBr, feita pela PretaLab. Poderia falar mais a respeito, por favor?
Silvana Bahia – Quando eu trabalhava no Observatório da Favela, notava essa ausência. Fazia pesquisas ligadas à Comunicação e percebi o quanto a tecnologia estava presente em nossas vidas. Logo, fiquei interessada em saber quem produz as ferramentas, porque percebia o aumento de conteúdo vindo dessas parcelas vulnerabilizadas da sociedade. Constatei que aqueles que produzem a tecnologia são pouco diversos. Homem, branco, heterossexual, jovem e de classe socioeconômica média e alta.
Assim, a tecnologia é uma ferramenta que pode aumentar a desigualdade. Segundo pesquisa desenvolvida por Luiz Valério Trindade [University of Southampton (UK)], 81% dos discursos de ódio na internet são direcionados a mulheres negras. Isso revela a vulnerabilidade offline e online. Logo, um caminho para que a tecnologia seja mais diversa é mais mulheres negras produzindo tecnologia.
AUPA – Segundo o IBGE, 46 milhões de pessoas não têm acesso à internet no Brasil. O que acredita ser necessário para democratizar a internet no país?
Silvana Bahia – Há muito a ser feito. Primeiro, entender que por trás do acesso à internet há uma estrutura, onde deve-se considerar também como se dá o acesso. Acredito nas tecnologias vistas como um direito humano. Vivemos em um período pandêmico e vimos o quanto esse mito de que estamos conectados é uma falácia. Porque não estamos todos conectados.
Quando olhamos para esse acesso, vemos que ele difere de outras classes – afinal, classe social tem gênero e cor. É preciso trabalhar para a internet ser, de fato, democratizada, não só do ponto de vista de consumo, mas da produção.
AUPA – O que é o racismo algorítmico e quais são os impactos da discriminação racial na tecnologia?
Silvana Bahia – É basicamente o que fazemos no offline sendo reproduzido pelas ferramentas digitais. Percebemos nos filtros no Instagram que clareiam as peles, por exemplo, e os impactos podem ser variados.
Usamos a inteligência artificial para validar quem tem acesso a crédito e quem é o potencial criminoso. Nesses dois aspectos, quando trabalhamos com inteligência artificial, trabalhamos essencialmente com dados. E dados têm cultura usamos dados do passado para prever o futuro.
AUPA – É possível entender a internet como um benefício na luta contra o racismo? E como a falta de acesso interfere na nossa relação com a inovação?
Silvana Bahia – Sim, ela trouxe benefícios. Podemos conectar e acessar outros repertórios. É uma camada positiva tanto da internet, quanto de outros aparatos tecnológicos. A falta de acesso acaba impossibilitando que se amplie a nossa visão sobre o mundo e as possibilidades de criação. Contudo, a inovação não necessariamente depende da internet – embora seja um meio relevante. Afinal, a inovação vem antes das tecnologias digitais. A falta de acesso acaba reforçando que há desigualdades, inclusive para inovar.
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