“Lutamos por uma nova cultura da agricultura, diferente e viável para a vida das pessoas, que preserve a natureza, gere trabalho e renda. E que seja sustentável.”
O Aupacast dessa semana abre espaço para a ambientalista Luiza Avelar, CEO da startup Regenera. Entre suas ideias, a importância do olhar para as nossas riquezas e a possibilidade de trabalhar as agroflorestas de forma lucrativa
Filha de agricultores urbanos, criada na periferia do Rio de Janeiro, Luiza Avelar cresceu entre hortaliças, galinhas e patos criados no quintal dos pais. Nem a faculdade de veterinária e a especialização em aves silvestres despertaram a paixão de Luíza. Sua verdadeira inclinação a levou de volta às raízes, viver de agricultura, plantar árvores e se reconectar com a terra.
Assim nasceu a Regenera, startup que une tecnologia e técnicas de agrofloresta com agricultura regenerativa, biodiversa, de forma sucessional. Hoje, o principal foco do projeto está em Roraima, na região amazônica.
Luiza acredita no futuro que produza melhor, empregando mais pessoas de forma digna. “Uma agricultura que valorize as espécies nativas e se aprenda a domesticá-las. Queremos fazer com que a terra seja fertil em todos os aspectos, contribuindo com a conservação da biodiversidade.” Ainda que, nas suas palavras, Roraima seja uma região cada vez mais tomada por empreendimentos que desprezam importantes questões como mudanças climáticas e sequestro de carbono. Para Luiza, é uma mudança possível. Esse é só o começo da conversa. Acompanhe essas e outras reflexões no nosso Aupacast.
O que (o negócio) faz: fomento e desenvolvimento de sistemas regenerativos de produção de alimentos e madeiras em larga escala.
De onde é: Roraima.
Principal tema da conversa: a importância de se valorizar as riquezas da região amazônica, e levar uma forma diferente, regenerativa e sustentável, de fazer agricultura.
Soluções buscadas:uso prioritário de espécies nativas em sistemas de silvicultura mista, agroflorestas sucessionais e sistemas de integração pecuária-floresta (IPF).
“Não queremos ser monopolistas e sim, incentivar a imensidão de pastos no Brasil a se regenerarem através da nossa tecnologia.”
Para o entrevistado do podcast dessa semana, sustentabilidade, conservação ambiental e inclusão social precisam gerar receita para se tornarem algo possível
Como pode haver tanta abundância e tanta miséria em uma mesma cidade, região ou país? Por que temos de escolher entre crescer economicamente ou preservar o meio ambiente? Se eu salvo um ecossistema e destruo outro, estou realmente sendo sustentável? Observar e sentir essas contradições levaram Johannes Zimpel ao caminho do empreendedorismo socioambiental.
Formado em agricultura biodinâmica, economia e administração na Alemanha, Johannes trabalhou durante sete anos no programa Floresta em Pé até ser convidado para o cargo de diretor no programa Inocas, em Minas Gerais.
Johannes defende a grande importância da formação de uma rede de apoio em torno dos empreendimentos ambientais, tanto da parte dos consumidores quanto de investidores: “Desde empresas automobilísticas e aéreas até cosméticas e alimentícias, o setor privado tem cada vez mais interesse em deixar uma pegada socioambiental positiva sem esperar que o Estado faça normas”.
Quer saber mais sobre as ideias de Johannes Zimel? Puxe o banquinho e ouça o Aupacast.
“não se faz restauração de milhões de hectares apenas com fiscalização e multa. É preciso induzir novos processos aos agricultores”
Conhecimento técnico, investimento e abordagem comercial. São as três grandes barreiras para o pequeno agricultor na visão da Belterra, empresa que atua com assistência técnica, fintech e cooperativa
“Jovens estão deixando o meio rural por não verem mais sentido em reproduzir o modo de produção dos pais. Mas isso não seria necessário se houvesse acesso a oportunidades de geração de renda e qualidade de vida superiores”. Valmir Ortega, fundador da Belterra, enxerga na aceleração desse processo a melhor forma de conter a evasão rural, reconectar gerações e, assim, atingir os objetivos da empresa.
Valmir atuou no setor público como sub-secretário de meio ambiente em Mato Grosso do Sul (MS); no ministério federal do meio ambiente (durante a gestão de Marina Silva), foi diretor de ecossistemas no IBAMA. Voltou ao MS, como secretário e, em 2010, atuou no time da Conservação Internacional, em Brasília. Hoje mora e trabalha em Curitiba.
Para Valmir, as cooperativas representam o ponto em comum entre as agroflorestas bem sucedidas. “Como aceleradora, ao final da nossa permanência no território, esperamos que ele esteja mais resiliente e fortalecido estruturalmente”.
Para saber mais sobre o trabalho de Valmir Ortega e da Belterra, puxe seu banquinho e venha conosco na estreia da nova série do Aupacast!
O que (o negócio) faz: promoção de sistemas agroflorestais (SAF) e silvipastoris.
De onde é: Rondônia, Pará, Bahia e Minas Gerais.
Quando começou: 2019.
Principal tema da conversa: a atuação em múltiplos segmentos como forma de combater o desmatamento de maneira ampla e completa.
Soluções buscadas: possibilidades de financiamento, assistência técnica para a implantação, inteligência de mercado e garantia de escoamento da produção.
Poderia ser a solução para a crise climática uma semente plantada de boas ideias para mudar o futuro? E se essa semente germinasse em solo brasileiro repleto de soluções férteis envolvendo gente criativa, muito barro no pé e uma boa conversa? Sonhar com a esperança de um futuro de impacto socioambiental positivo é possível e real. Já existem empreendedores plantando e escrevendo histórias de restauração e preservação ambiental nos quatro cantos do país. Em se plantando tudo dá. Basta adubar com trabalho, apoio, investimento, sol e água que startups verdes desabrocham em mudas de agroflorestas e dão frutos em comunidades engajadas.
A Aupa Impacto, em parceria com o Fundo Vale, conversou com cinco empreendedores, gente que já colhe a restauração e a preservação ambiental no país. Impacto Verde é um podcast em formato bate-papo apresentado pela empreendedora ambiental e plantadora de sementes Bárbara Pacheco. Do cerrado brasileiro ela conversou com os seus parceiros ambientais sobre o fundamental e inovador universo das soluções de impacto em restauração e preservação. O primeiro episódio será lançado no dia 1 de setembro, com Valmir Ortega da Belterra. Puxe o seu banquinho e sente para ouvir um papo verde com gente verde. Todas as quintas-feiras de setembro no seu tocador favorito.
A primeira temporada da série Impacto Verde: narrativas de restauração e preservação ambiental é fruto da parceria entre a Aupa Impacto e o Fundo Vale. Esta temporada de cinco episódios é apresentada por Bárbara Pacheco, CEO da Verde Novo Semente, negócio de impacto socioambiental que atua diretamente no Cerrado brasileiro com o fortalecimento de coletores de sementes nativas. As cinco startups convidadas e entrevistadas foram Belterra, Inocas, Regenera, Bioenergia e Caaporã. Em cada episódio, uma conversa com os empreendedores, suas trajetórias e os impactos dos negócios verdes a partir dos resultados das soluções em sustentabilidade realizadas em parceria com o Fundo Vale.
Confira o cronograma de lançamento no site e puxe o seu banquinho
• Ep. 1 / Dia 1/9: com Valmir Ortega da Belterra
• Ep. 2 / Dia 8/9: com Johannes Zimpel da Inocas
• Ep. 3 / Dia 15/9: com Luiza Avelar da Regenera
• Ep. 4 / Dia 22/9: com Gustavo Araújo da Bioenergia
• Ep. 5 / Dia 29/9: com Luis F. Laranja da Caaporã
Apresentação: Bárbara Pacheco da Verde Novo Semente
Quando se fala sobre profissões do futuro, normalmente é sobre o futuro do trabalho. O trabalho tem um futuro pautado, mas o que eu prefiro analisar é sobre qual é o trabalho que o futuro espera. Com a presença da tecnologia e de tantas pessoas permeadas pelo darwinismo digital, precisamos compreender algo fundamental: seres humanos criam tecnologias para melhorar a sociedade de forma gradual.
É um fenômeno histórico feito por empresas e governos. Humanos são alocados em jornadas de trabalho porque ainda são considerados como recursos. Nada mais fordista que esse modelo. Empresas ainda utilizam humanos para produzir dados, enquanto isso é uma tarefa de um sensor que custa R$ 0,16. A mudança de mindset precisa ir na direção de que nós os humanos, temos capacidades que as máquinas não terão, como por exemplo, análise de ambiguidades e análise crítica. Não podemos mais confundir humanos com máquinas. Até por que humanos adoram se parecer com máquinas ruins.
O retorno à humanidade é o resultado das máquinas empurrando o ser humano para o lugar pelo qual ele nunca deveria ter saído: o fato de ser tão somente humano.
A visão fordista das empresas ainda atrapalha demais a percepção real do local e do tempo exatos de onde estamos agora. Estamos vivendo a 5ª Revolução Industrial, uma convergência homem/máquina, cada um trabalhando em seu melhor. Humanos para fazer perguntas, máquinas para responder, humanos para criar, cocriar, máquinas para simular e não mais o contrário.
Acontece que o mundo moveu as empresas para o formato de plataformas, e elas insistem em adotar o modelo de pipeline e defasado. Isso gera um desgaste e um deslocamento enorme entre o que é trabalho e, nós, os humanos. Com a pandemia, demos um salto gigantesco na questão do nomadismo digital. Agora é permitido, trabalhar de qualquer lugar, mesmo que seja muito distante. E também promoveu um salto enorme na correção de alguns ângulos sobre o trabalho. Percebemos que viver, trabalhar e aprender são uma instância única. No centro, o propósito. Afinal, quem tem propósito, faz tudo de propósito, não faz nada por acaso.
Toda essa transformação nos ajuda a compreender como as organizações das eras industriais do passado não foram feitas e não estão desenhadas para este mundo. Existe a necessidade de se estudar para sempre – tem a ver com o esgotamento dos conteúdos, que pede hoje indivíduos com visão polímata e nexialista, ou seja, seres inquietos que não se conformam e buscam conhecimento amplo e saberes não restritos a uma carreira. Um ser resiliente ao futuro e em busca de relevância, no qual emprego e trabalho são coisas diferentes. Um lugar onde a tecnologia vai tomar das pessoas o que elas adoravam fazer e vai sobrar tempo para expressões humanas mais próprias. É isso é o que o Fórum Econômico Mundial disse sobre a pandemia, que talvez a covid-19 seja uma oportunidade de ouro para se colocar pessoas e o planeta em primeiro lugar. Todo o resto virá depois. É o que se deu o nome do The Great Reset.
Esse movimento de mudança está conectado a tecnologia e ao trabalho. Devido à incapacidade de se domesticar as tecnologias e dado o fato de que elas mudam radicalmente em tempos muito curtos, o trabalho deverá assumir um formato de sprints ultrarrápidos, com todos focados na resolução de problemas em janelas de tempo cada vez mais estreitas. Por este motivo muitas empresas já se colocam à disposição de novos ecossistemas produtivos, descentralizados e de formato holacrático, em que não há mais hierarquias e especialidades.
Há distribuição de poder no qual indivíduos estão dispostas a trabalhar muito, mas não querem mais ter empregos.
Essa força de baixo para cima interfere no próprio sistema. O deslocamento do capitalismo é visível há muito tempo, existe um esgotamento no modelo que precisa ser revisitado. Há a necessidade da volta da consideração da visão social sobre as economias. O capitalismo neomarxista trouxe o mundo do excesso, mas isso não se traduz em felicidade, nem em abundância, pelo contrário, o capitalismo de base foi o grande responsável por todas as desigualdades e iniquidade que se tem hoje além de exaurir o planeta pela retirada massiva de recursos para bancar produção, distribuição e consumo de massa. Hoje isso não faz mais sentido.
Mas ainda permanece a visão “curtoprazista” patológica das empresas, pautando trimestres, tentando tirar tudo no curto prazo, deixando as mazelas para longo prazo. No pós pandemia se vive um cenário de um novo renascimento. A descontinuidade das economias no mundo trouxe também uma nova ordem. O capitalismo se desloca, mas muitos ainda pensam que um modelo que não tem mais do que 150 anos não tem como acabar.
Certamente a internet mudou os requisitos, trouxe avanços e outras mazelas pautadas pela hipermoderinidade, pelo capitalismo de vigilância, pela cultura do excesso e da felicidade idealizada, que leva pessoas ao burnout e ao suicídio, muitas vezes. Na realidade, o modelo capitalista se desloca e com ele novos formatos de trabalho, aliando tecnologias e pessoas em ambientes convergentes. Daí a necessidade de um propósito claro para as pessoas, uma vez que o empreendedorismo requer uma visão mais própria de contribuição de trabalho e de resultados. Isso também precisa ser visto à luz dos impactos transgeracionais. Novas gerações alfa e Z não têm a mesma lógica da educação e aspirações das gerações baby boomer, X e Y, por exemplo.
A única obrigação do ser humano é ser feliz, nada mais. É preciso entregar para as máquinas tudo que amou fazer e no lugar delas entender definitivamente que a vida não é algo que se tem que ganhar. Muitos perdem ao querer ganhar.
Também, não esperem o futuro mudar suas vidas, porque o futuro é tão simplesmente a extensão do seu presente. O futuro existe, ele está na cabeça das pessoas, com vontade, elas apontam os vetores do que se quer e do que não se quer. O futuro é humano, do poder da contemplação, do impacto de como vemos nossa atual responsabilidade que é o pensamento regenerativo do planeta e pessoas em prol de uma visão utópica e abundante.
Carlos Alberto Piazza Timo Iaria é Darwinista Digital, Futurista, Consultor Polímata, Palestrante, Autor e Professor
A pergunta sobre qual será o futuro do trabalho levanta visões utópicas e distópicas. A relação do homem com o trabalho no passado foi marcada pela escravidão e pela exploração, mas também pela emancipação e pelos direitos sociais. Com a globalização e o avanço das tecnologias tudo se mistura e deixa o ambiente ainda mais complexo. Afinal, o que significa a palavra emprego hoje?
O mundo do trabalho moderno fez surgir alguns fenômenos como a uberização ou home office, tendências que parecem ter vindo para ficar e confundir ainda mais os múltiplos significados do que é trabalhar. Poderia um trabalho oferecer liberdade, e ao mesmo tempo precariedade? Para muitos trabalhadores de diferente metrópoles pelo mundo, sim. Expostos a falta de emprego e obrigados a se tornar empreendedores de si mesmo, os trabalhadores se submetem a fazer qualquer coisa por falta de algo melhor. Se somarmos o desemprego, grandes plataformas digitais, sindicatos fracos e pouca intervenção estatal, o copo vazio do trabalhador parece estar quase seco para quem só quer pagar as contas no final do mês.
Com ou sem carteira de trabalho, com ou sem direitos, empregado ou empreendedor, o contexto de fragilidade extrapola as relações de trabalho e invade a própria vida, como afirma socióloga do trabalho, Marta Bergamin. “A precarização do mundo do trabalho é, no final, a precarização da própria vida. Se você tem um trabalho precário, com remuneração baixa, você vai morar e viver em piores condições”. Marta se refere a crise social quase permanente ocasionada pelo desemprego ou pela falta de oportunidades cada vez mais estruturantes no Brasil e no mundo. Fato que o contexto da pandemia descortinou deixando evidente como as desigualdades atingem mais trabalhadores pobres e vulneráveis. Depressão e burnout formam a outra ponta do mesmo problema.
Mas, se por um lado há uma engrenagem de moer gente e um poder econômico que coloca indivíduos reféns a lógica do crescimento a qualquer sacrifício humano e planetário, há também um copo meio cheio formado pela resistência a tudo isso. Existe um movimento no qual pessoas simplesmente deixam de trabalhar para viver. Parece contraditório, surreal e sim, a maioria de nós trabalha por que precisa e ponto. Mas aqui estamos falando que existe uma narrativa potente sobre o significado do trabalho a ser superada. As amarras mentais disseminadas por séculos em frases como “O trabalho dignifica o homem” ou ainda “Basta trabalhar duro para conquistar as coisas”, fizeram muitos estragos em todos nós. Meritocracia misturada com propósito e uma pitada de empreendedor de si mesmo, pode te levar ao inferno e levar a glória para o patrão que, sem você saber, pode até ser um algorítmo.
Essa transformação no sentido do trabalho pode vir com mais intensidade para os jovens. Eles vivem a crise de futuro com o trabalho e podem ser os mais afetados por tudo isso. Vem de baixo para cima a percepção de que não faz muito sentido trabalhar em algo que não gosta para conquistar as coisas. E mais, ganhar pouco, e ainda sustentar uma lógica em que uns terão mais à custas de outros, e no final de tudo, o planeta está derretendo pelo PIB que precisa crescer. Ou seja, o jovem vai pagar a conta de um planeta em colapso e de um mundo sem emprego com a tecnologia fazendo as tarefas humanas. Talvez ele não queira isso hoje, como relata o estudante Thomaz Alves, de 20 anos.
“Olha, um trampo ideal para mim é um lugar que primeiramente eu goste de fazer as coisas. Eu priorizo mais isso do que quanto dinheiro vou ganhar. Isso para mim é o principal. E um trabalho que não tenha uma carga muito pesada e consiga trabalhar o psicológico. Hoje eu preciso estudar e me dedicar, e mais pra frente eu gostaria de ter liberdade e ter meu próprio negócio.”
A visão de equilíbrio do trabalho de um jovem entra em conflito com a lógica de episódios de trabalho extenuante para muitos adultos. Saúde mental e suicídio são temas presentes nas corporações que buscam mudanças em suas estruturas defasadas e cheias de hierarquia. O LinkedIn é palco desse debate. De fato, inclusão e diversidade nas equipes, assim como mais autonomia para as pessoas é a ordem do dia, mas o buraco segue lá embaixo, ou melhor, lá atrás no passado. Sejam empresas ou trabalhadores, todos seguem a anos luz de um trabalho mais conectado com as aspirações humanas e condizentes com nossa época. Segundo o futurologista Carlos Piazza, estamos na 5ª revolução industrial enquanto as organizações ainda seguem padrões no século passado.
“A visão fordista das empresas ainda atrapalha demais a percepção real do local e do tempo exato de onde estamos agora. Estamos vivendo a 5ª Revolução Industrial, uma convergência homem/máquina, cada um trabalhando em seu melhor. Mas ainda permanece a visão “curtoprazista” patológica das empresas, pautando trimestres, tentando tirar tudo no curto prazo e deixando as mazelas para longo prazo.”
Piazza acredita que a internet e as tecnologias impactaram – e seguirão impactando – de tal maneira nossa relação com o trabalho que no futuro o trabalho deve se voltar para subjetividades mais humanas. “O retorno à humanidade é o resultado das máquinas empurrando o ser humano para o lugar pelo qual ele nunca deveria ter saído: o fato de ser tão somente humano. Nossa única obrigação é ser feliz, nada mais. É preciso entregar para as máquinas tudo que amou fazer e no lugar disso entender definitivamente que a vida não é algo que se tem que ganhar. Muitos perdem ao querer ganhar.”
A perspectiva parece ser um colírio para os olhos e faz o copo ficar cheio novamente, mas a realidade ainda impera, e no Brasil, é ainda mais perversa com os mais vulneráveis, reféns da falta de políticas públicas do Estado que inclua os que mais sofrem com a desigualdade. O último país a abolir a escravidão no mundo também não fez inclusão dos trabalhadores negros, que permaneceram sem condição de escolha até hoje. Eles não tem o poder de escolha do Thomaz e nem podem esperar o futuro de esperança do Piazza chegar. São os mais pobres que sofrem mais e que não podem escolher para além de um prato de comida, como relata Rafael Graça, 35 anos, trabalhador registrado que conseguiu fugir de informalidade e ter a segurança garantida pela carteira de trabalho.
“Eu não tinha garantia de trabalho nenhum dos pedreiros para quem trabalhava de bico. Em caso de acidente era ruim para manter a alimentação da família. Eu prefiro estabilidade da carteira assinada da firma para poder escolher o que vamos comer e conseguir pagar as contas. Só mexemos no salário para roupas e passeios. É bem melhor que autônomo, ainda posso fazer os bicos de final de semana.”
Rafael é parte da população que precisa de garantias e direitos sociais advindas do trabalho formal mas que encontra cada vez menos esse tipo de emprego. O país já tem metade da força de trabalho na informalidade e a tendência é que vai crescer. A precariedade sempre fez parte da vida dos mais pobres e a “sevirologia” nas periferias veio muito antes da palavra empreendedorismo existir. O vai e vem, entre emprego e bico é estruturante, como afirma Natália Di Ciero Leme, gerente de programas da Fundação Arymax, coordenadora do estudo sobre Retrato do Trabalho Informal no Brasil, desafios e caminhos de solução. “A presença da informalidade não é algo recente ou inusitado. Ela acompanha o Brasil já no início da formação do seu mercado de trabalho e divide as ocupações em extratos de qualidades distintas, desde situações de subsistência e alta vulnerabilidade, cada vez mais comuns, até ocupações bem remuneradas e protegidas”. Natália afirma ainda que a formalidade e a informalidade se alternam em períodos de crise econômica. O estudo aponta para quatro tipos no Brasil e as possíveis soluções em inclusão produtiva para cada perfil. A publicação constata como o avanço do padrão tecnológico e do sistema produtivo poupa a mão de obra e não cria novas ocupações e também como a pressão por redução de custos e o aumento da produtividade tem impulsionado a adoção de práticas de ocupações em que existe a “informalização da formalidade”.
Entre copos meio cheios ou meio vazios, empregos formais ou informais, passado e futuro, o trabalho e seu sentido se moldam e seguirão transformando nossas vidas. Não cabe perguntar quais as profissões do futuro e sim como será o trabalho no futuro que queremos. Talvez ainda estamos perdidos na transição entre algo que não morreu e o que ainda não nasceu. O importante é refletir sobre o sentido que as pessoas buscam em fazer algo e não o que o sistema quer que façamos. A tecnologia é algo criado por humanos e mesmo que nossa realidade seja atravessada por algorítmos, ainda resta o lado humano frente a máquina de fazer sentidos do capital. Os sem carteira e sem identidade de hoje serão os agentes econômicos e sociais do futuro. O trabalhador brasileiro seguirá buscando alternativas e sentidos entre empreender por necessidade ou precarizar-se por subsistência. No meio da deriva e em busca de renda e de identidade no mundo de likes, todos perseguem também a realização, a autonomia, o dinheiro, a segurança, a estabilidade e a liberdade. O trabalho pode entregar tudo isso.
Em uma era de retrocesso de direitos e aumento do desemprego, qual o papel e os desafios do trabalhador hoje?
A recente reforma trabalhista e as mudanças no mundo do trabalho resultaram em menos acesso a direitos sociais pelos trabalhadores. Para além disso, a própria crise econômica e política do país se expressa no mercado de trabalho, e o acesso aos direitos conquistados no passado ficam mais difícil. A legalização do trabalho intermitente e a dificuldade de acessar a justiça do trabalho são exemplos dessa realidade. Sem alternativas, os trabalhadores estão adotando caminhos por conta própria em um processo brutal de individualização do trabalho. Os coletivos, os sindicatos ou outras organizações não conseguem mais proteger como antes e a precarização acaba minando os direitos sociais. A chamada digitalização do trabalho de plataforma e a uberização dão uma falsa sensação de segurança e as pessoas acabam se engajando de forma individual e sem proteção social. É fundamental olhar para esse fenômeno de individualização que o mundo digital vai provocando no mundo do trabalho para perceber como todas as desigualdades estão presentes nessas relações. As desigualdades raciais e de gênero fazem as bordas desse mundo onde vivem pessoas ainda mais desprotegidas e o momento de desemprego atual acaba empurrando os mais vulneráveis para trabalhos piores e com menores remunerações.
E como ficam os jovens e a perspectiva de futuro? Há alguma alternativa que produza mais sentido no mundo do trabalho?
A precarização do mundo do trabalho é, no final, a precarização da própria vida. Se você tem um trabalho precário, com remuneração baixa, você vai morar e viver em piores condições. Para os jovens isso é ainda mais desafiador. Eles têm maior dificuldade para acessar o ensino universitário e a entrada no mercado é mais difícil. Essa condição determina menores possibilidades de trajetórias profissionais que pudessem superar o passado e os próprios pais, uma questão geracional. O jovem vive essa crise de futuro. Uma crise também na questão ambiental e do próprio futuro do trabalho. O que estamos comunicando para os jovens? Que as tecnologias desempregam, precarizam e que não vamos gerar oportunidades para empregar a massa de desemprego estrutural que estamos produzindo. Mas também aparecem perspectivas otimistas dentro desse contexto. Existem trabalhos no campo da cultura em que as pessoas podem realizar uma produção de sentido para além da remuneração. Uma espécie de trabalho fora do trabalho, uma complementação subjetiva capaz de produzir sociabilidades mais relevantes. Uma vida mais forte em subjetividades e menos precária. Vejo o campo da cultura e da economia solidária, por exemplo, produzindo relações sociais e possibilidades de uma sociedade mais interessante para o mundo do trabalho e para o próprio futuro.
Qual o maior desafio para o trabalhador informal hoje e o que o estudo realizado apresentou como solução para esse problema?
As soluções para a informalidade são diversas e devem ser combinadas entre diferentes setores para que esse problema complexo de fato seja resolvido. A Fundação Arymax realizou a pesquisa em parceria com o Instituto Veredas e a B3 social, e o estudo mostrou que há diferentes tipos de trabalhadores informais do Brasil, bem como quais os caminhos de solução para cada um desses perfis. O estudo aponta quatro eixos de intervenção para a redução da informalidade: 1- facilitar a formalização (reduzindo custos e burocracias); 2- estimular uma cultura de conformidade legal; 3- garantir a proteção social, prevenindo contextos de vulnerabilidade e 4- promover o desenvolvimento produtivo de trabalhadores e negócios. O estudo revelou que enfrentar os problemas relacionados à informalidade dos negócios e das ocupações não é tarefa fácil na América Latina. Não há uma solução simples ou receita pronta a ser seguida. No entanto, é importante manter em vista que o que está em questão em uma discussão sobre inclusão produtiva e informalidade não é estritamente a obtenção do registro formal, seja como empresa ou assalariado. A pergunta que se apresenta é como criar oportunidades de inserção produtiva de qualidade para um número cada vez maior de pessoas.
E como criar oportunidades no cenário atual de desemprego e precarização que o país enfrenta? O futuro do trabalho será informal?
A presença da informalidade não é algo recente ou inusitado. Ela acompanha o Brasil já no início da formação do seu mercado de trabalho e divide as ocupações em extratos de qualidades distintas, desde situações de subsistência e alta vulnerabilidade (cada vez mais comuns) até ocupações bem remuneradas e protegidas (cada vez mais escassas). O estudo que realizamos mostra que longe de serem setores separados, a formalidade e a informalidade estão em constante interação. A existência de um grande contingente de pessoas na informalidade, por exemplo, em diversos momentos criou a possibilidade para contratações formais com baixos salários. Em momentos de crise econômica e de consequente redução das ocupações no setor formal, grandes contingentes de trabalhadores são levados à informalidade. Com o avanço do padrão tecnológico que poupa mão de obra e não cria novas ocupações, ou daquele que fragmenta e externaliza as atividades, as possibilidades de inserção no setor formal se tornam cada vez mais restritas, restando os caminhos oferecidos pela informalidade. Além disso, a pressão por redução de custos e o aumento da produtividade têm impulsionado a adoção de práticas de informalidade em ocupações formais, a “informalização da formalidade”, tornando os setores cada vez menos diferenciados, e talvez a formalidade menos atrativa, especialmente nas posições de entrada do mercado de trabalho.
1) O modo de vida contemporâneo acaba nos forçando há uma desconexão interna com nós mesmos. Nos conte como o processo de autoconhecimento que vivenciou ajudou a enxergar melhor a realidade? Se sente conectado consigo mesmo hoje?
Com certeza eu já senti muito a desconexão, uma desconexão interna, comigo mesmo e com tudo. E acho o processo de autoconhecimento, ele começa na infância, antes mesmo da gente nascer. E tem diferentes fases, mas falando dessa fase, digamos como adulto, maduro ou buscando o amadurecimento e o processo de busca de autoconhecimento e transformação pessoal, sobre o ponto de vista de um esforço consciente, esse meu processo é mais recente. Eu completei 50 anos em 2022, e eu diria que eu venho trabalhando com esse esforço mais consciente no sentido desse autoconhecimento de transformação nos últimos 10 anos. E já experimentei diferentes técnicas e práticas, muitas me ajudaram, mas acho que duas têm sido e foram mais poderosas, no sentido de enxergar a realidade e me conectar comigo mesmo e me conectar com a natureza e o universo, o cosmos que existe em mim. Essas duas práticas, uma a Ayahuasca e a outra a Vipassanã, a meditação profunda. São duas sabedorias ancestrais que têm origens diferentes, a Ayahuasca eu tive uma experiência tomando o chá e participando de uma cerimônia, que foi um divisor de águas, muito transformador no sentido de eu sentir que eu sou a natureza de uma maneira muito poderosa, e com implicações incríveis. Essa experiência foi em 2016, e depois o Vipassanã, a meditação profunda e o modo de vida Vipassanã que eu venho experienciando desde 2017, e aprofundando muito desde 2019, e tem sido fantástico, maravilhoso, com certeza no sentido de enxergar a realidade, mas eu queira muito falar, é enxergar muito mais, viver e sentir realidade, viver na pele todas as reações bioquímicas do corpo e da mente. Então é muito, muito além, mais profundo e mais poderoso do que um enxergar baseado no entendimento intelectual. Então com certeza essas experiências têm sido fundamentais e eu venho adicionando à elas, outras que são complementares, mas que eu também encontro nelas, que estão relacionadas por exemplo a alimentação mais natural, jejum etc…uma série de práticas de vida, que eu vivo a cada momento do meu dia, que me ajudam a viver melhor a realidade no sentido da minha conexão comigo mesmo, com a natureza, com o universo e com todas as vibrações que estão a minha volta, e com certeza me sinto cada vez mais conectado e essas conexões e essas vivências, vão fazendo brotar e crescer mais amor, gratidão, compaixão, renúncia, doação e assim por diante. Então minha vida tem se transformado muito nesse sentido de viver para o próximo, conectado com o próximo, com tudo a minha volta.
2) Nossa mente e nossa consciência é repleta de inquietudes sobre a vida e o cotidiano. Você acredita que a espiritualidade, a meditação ou outra prática pode ajudar quem busca um alívio mental? Nos fale sobre sua experiência?
Com certeza a mente é repleta de inquietudes, e eu, de todas as práticas que experimentei, eu conheço uma a qual eu me dedico que é pra mim fantástica e para as pessoas que eu conheço que praticam, também é fantástica, nesse sentido de trazer essa calma mental, espiritual e meio que limpando a mente e o corpo das negatividades, para que eu viva a paz, mais paz interior, mais gratidão, amor e assim por diante. E é um processo que pode ser longo, depende de cada pessoa tem o seu caminho, então o processo que pode ser longo para mim, essa é uma prática de uma vida, essa prática de autocura, autopurificação, de limpeza e de ir trabalhando a mente cada vez mais etc. Essa prática é a meditação Vipassanã, e que a gente aprende e pratica junto com o modo de vida, que tem vários preceitos. Não é uma religião, é uma prática de meditação profunda, mas a cada nova ida ao centro de meditação, acabo lendo e ouvindo outras palestras, mas o principal é realmente, o pilar central é a meditação. Então são esses retiros de 10 dias, depois de 20 dias, você pode participar e também servir como voluntário e o trabalho de Vipassanã é digamos: na vida a gente recebe muitos estímulos externos, então todos os nossos sentidos recebem estímulos externos. E esses entram no nosso corpo através dos sentidos e causam reações bioquímicas no corpo , e a mente reage à essas reações bioquímicas, então na nossa vida estamos constantemente reagindo mentalmente as coisas que acontecem no corpo por conta de coisas que acontecem no mundo exterior, ou que acontecem na mente. E daí quando a nossa mente reage, nós reagimos com palavras, e ações que podem ser negativas, autodestrutivas, então isso acontece constantemente em nossas vidas. E a meditação Vipassanã é uma maneira de trabalhar isso para que a mente não reaja tanto, reaja cada vez menos e reaja quase nada. E à medida que a gente vai fazendo essa purificação, o que vai ficando é o amor, a gratidão e muitos outros preceitos incríveis. É um caminho maravilhoso, lindo e é o caminho para mim. Viver com mais compaixão, mais autruísmo e menos egoísmo, mais intuição, mais sentir e menos pensar. Mais agir, mais se entregar, mais se doar, e menos planejar, menos acumular. Menos me restringir. Viver bem tem sido um resultado natural desses caminhos que eu venho caminhando. Viver bem também no sentido de qualidade de vida e a minha vida tem se transformado muito como resultado disso, então a minha vida é uma entrega para tudo a minha volta, para o próximo, para os outros seres. Tudo o que eu sou e o que tenho, eu venho recebendo em processos ancestrais, inclusive da natureza, toda natureza materializada no meu corpo. Todo ar que respiro, toda água que eu bebo, todo alimento como que vem da terra e do trabalho de outras pessoas.
1) O dia a dia da escola pública te ensina a enfrentar pressão e dificuldades. Qual o maior aprendizado que você tira dessa situação de estresse? Como é ser uma diretora de escola na periferia?
A Educação é um espaço de construção e esperança. Situações de estresse são cotidianas no trabalho por se tratar de instituição com cidadãos em formação e no momento de maior fragilidade e potencialidade de seus corpos e vidas. Ser diretora na periferia é ter embrenhado o papel de educadora na integralidade e reconhecer o papel social da escola. A “competição” com o que acontece fora dos muros é desleal! Nos extremos da periferia a única instituição que tem capilaridade para todos é a escola, nenhum outro direito é garantido. Em especial com os adolescentes, o acesso à cultura, lazer e ao esporte fora do espaço escolar é praticamente inexistente. São mais suscetíveis a outros tipos de aliciamento pois ficam muito tempo na rua e sem supervisão. Os bairros são dormitórios e as famílias trabalhadoras passam boa parte do tempo no transporte público e trabalho. Estes são aspectos que não podem ser desconsiderados. Precisamos saber onde, para quem e por que oferecemos o nosso trabalho sempre com máximo de presteza num contexto em que o povo é acostumado a ser desrespeitado.
2) E sobre o trabalho com educação de crianças e adolescentes. Eles te ensinam algo? Como é essa relação de troca e como foi a pandemia
Penso que ser educadora é ter a capacidade de se realizar no outro. Todo professor é embalado por uma alegria imensa a cada pequena conquista: quando leem pela primeira vez, quando são protagonistas numa atividade externa, quando estão esplêndidos numa mostra cultural ou todos saudosos na formatura. Trabalhar com crianças e adolescentes é também sempre estar atualizado com gírias, músicas e personagens infantis e também é ter contato com diferentes realidades e vivências. A relação de troca e cuidado são constantes, até mesmo num momento difícil! Outro dia uma criança de 11 anos me procurou e relatou uma situação de violência sexual vivida em casa. Imagine a confiança e desespero que sentiu ao decidir contar isso para a diretora da escola? Muitos educadores são considerados pontos de confiança. Por eles não podemos falhar. A escola é um espaço que cabe a todo mundo e não podemos esquecer isso. A pandemia nos trouxe um sentimento da importância de valorizar o essencial, o que nos sustenta, o imprescindível. Ser modelo, educador em tempo integral e no contexto de precarização e desrespeito, inclusive por autoridades, não é algo fácil, mas precisa ser uma decisão. A precarização é tão presente no nosso cotidiano que aprendemos a agir com a tal criatividade desde a formação no magistério. Ser educador não é dom, é escolha. E não é qualquer escolha, pois traz consigo a militância por melhores condições de trabalho e de construção de um mundo melhor. Se isso ainda te move mesmo que precise de pausas para cuidar de si, a escola ainda é seu lugar. Juntos somos mais fortes!