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Meu mundo caiu

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A Feira Preta construiu uma longeva e sólida trajetória no fomento do empreendedorismo negro. Mas não estar atento ao seu público a levou a quebrar.

Texto Tiago Mota | Fotos Agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Tive que trabalhar isso na terapia. Inclusive para aprender a separar o que é a Adriana e o que é a Feira Preta.” Quando a Feira Preta quebrou, Adriana Barbosa, sua fundadora, quebrou junto. Apesar de anos de caminhada e de construção de uma sólida reputação, a Feira Preta entrou em uma profunda crise em 2016. Adriana e sua equipe preparam um superevento para comemorar os quinze anos da feira. A expectativa era de um público de 12 mil pessoas. Foram só 4 mil. Uma frustração que deixou dívidas e muita reflexão a ser feita. Afinal, por que as pessoas não foram à Feira Preta?

A Empresa

Prestes a completar dezoito anos de vida, a Feira Preta é praticamente uma instituição na cidade de São Paulo, com braços cada vez mais espalhados pelo Brasil. Trata-se de um conjunto de ações que visam fomentar o empreendedorismo e o desenvolvimento econômico negro. Para isso, há atividades que capacitam empreendedores negros a criar, produzir e distribuir seus produtos. Em outra ponta, modos de incentivar consumidores a comprar e recomendar produtos feitos por homens e mulheres negras. O evento em si ocorre anualmente e é a principal forma de escoar e divulgar essa produção.

A história da empresa começa em 2002, quando Adriana e uma amiga se viram obrigadas a trabalhar em feiras de rua de São Paulo logo após perderem seus empregos. Adriana vendia roupas no Brechó da Troca. Em uma dessas feiras, na Vila Madalena, um arrastão levou todo seu dinheiro e as mercadorias. Cansadas desse esquema de vender de dia para comer à noite, tiveram a ideia pioneira de criar a própria feira, direcionada a fortalecer a identidade de negros e negras. Logo o primeiro evento mobilizou quarenta empreendedores e 5 mil pessoas. Em 2018, foram mais de 50 mil visitantes.

O modelo que segura a feira mudou bastante ao longo desses anos. Atualmente,  um Instituto é o guarda-chuva de todas as atividades que levam o nome da Feira Preta. Sua atuação se dá em conjunto com incubadoras, aceleradoras e empresas interessadas no mapeamento do afroempreendedorismo. Já a feira, em si,  é gratuita para visitantes e cobra uma taxa dos expositores.

O Erro

Muitos foram os percalços no caminho de Adriana e da Feira Preta. No começo, Adriana conta que patrocínios eram difíceis de chegar. Empresas temiam a associação da sua marca com o termo “preta”. Depois, enquanto a feira acontecia no centro, com o apoio da Prefeitura, ocorreu mais um arrastão. A solução foi levá-la ao pavilhão de exposições do Anhembi, onde ficou até 2016, cujo aluguel na época ficava na casa dos R$ 100 mil.

Mas o público, que na época era pagante, ajudava a segurar as contas e acabava valorizando a feira para os expositores. Em um dos melhores momentos, em 2014, o evento recebeu 14 mil pessoas. No ano seguinte, 2015, foram 6 mil. Mas, por incrível que pareça, isso não acendeu uma luz amarela para Adriana.

Ela e sua equipe entraram em 2016 confiantes. A Feira completaria quinze anos e eles se preparavam para realizar o que seria seu maior evento. Adriana chegou a pedir demissão de seu emprego em uma multinacional, com ótimo salário. Pegou um empréstimo relevante para fazer a feira acontecer, também na expectativa de um patrocínio que lhe fora prometido.

Tudo pronto, as portas são abertas. E as pessoas não aparecem. Sem público, sem dinheiro de bilheteria e sem vendas dos expositores. Para piorar, aquele patrocínio simplesmente não vem. O caixa não fecha. Uma dívida enorme nas mãos. A feira quebra.

“E caiu a ficha com o evento rolando. Eu sofrendo e chorando na sala de produção, pensando como ia pagar tudo aquilo”, recorda Adriana. “No ano em que eu quebrei, fui ao fundo do poço. Fiquei deprimida, não queria sair da cama. De repente eu estava endividada, não podia pagar o aluguel e tive que tirar minha filha de três anos da escola. No ano seguinte, eu não tinha dinheiro para comer. Eu me perguntava o que tinha feito de errado.”

Foi quando Adriana se deu conta de que ela não conhecia mais seu público. Não sabia quem eram os interessados na feira. “Em algum momento a gente não se deu conta de que a geração que participava da Feira Preta havia mudado. Começamos a fazer a Feira Preta quinze anos atrás para a galera preta se encontrar e se fortalecer do ponto de vista identitário. A geração que frequenta agora a Feira Preta já vem negra”, analisa Adriana. “Nosso maior erro foi não atentar para as mudanças que qualquer negócio tem, seja de contexto, de público, de consumo ou de quem é seu cliente hoje.”

A solução

Adriana se acostumou a ser chamada de “Adriana da Feira Preta”, como se seu negócio fosse seu sobrenome. Um empreendimento tão cheio de afeto e subjetividade realmente se misturou a quem ela era. O fracasso da feira se tornou o fracasso da Adriana. A primeira dura lição foi aprender a separar as coisas.

“Empreendedores sociais são apaixonados pelo que fazem. Além disso, empreender socialmente no Brasil pressupõe muitas vezes levar a ideia a cabo tendo que se financiar de outras maneiras, com bicos ou outros trabalhos”, diagnostica Mirella Domenich, diretora da Ashoka Brasil, que agora também conta com Adriana como fellow.

Segundo Mirella, é comum que empreendedores como Adriana acabem se amalgamando aos negócios. O resultado é que, de acordo com pesquisa da Ashoka, o índice de depressão e divórcios entre empreendedores sociais é maior que a média geral. “Esse é um alerta de que é fundamental que o empreendedor social cuide de sua saúde mental e que crie espaço para cuidar de si também”, aconselha Mirella.

Depois dessa pancada, Adriana se cercou de amigos e novos parceiros que toparam sonhar com ela mais uma vez. Foi um longo período de escuta para reencontrar seu negócio. Mas algumas ações foram importantes, como uma pesquisa e a organização de grupos com frequentadores da feira.

Das pesquisas vieram algumas surpresas. Por exemplo, o público da Feira Preta não era fiel como Adriana imaginava. A cada feira, novos visitantes a conheciam e dificilmente alguém ia dois anos seguidos ao evento. De fato, uma nova geração visitava a feira, mas ela era feita para a geração anterior.

Foi depois de 2016 que a Feira Preta ganhou a cara que tem hoje, com ações mais transversais e conversando com um público maior, inclusive buscando também atrair e dialogar com outras etnias e identidades.

Os desafios

A partir de agora, a proposta da Feira Preta é expandir-se pelo Brasil. Adriana não centraliza mais as ações, mas conta com intermediadores e facilitadores que mapeiam oportunidades em outros estados brasileiros. Além disso, em 2018, o trabalho junto à Ashoka proporcionou uma parceria com o Mercado Livre para comercializar produtos de empreendedores negros da rede. E tudo indica que a feira continuará crescendo, mas agora com um novo olhar.

“É importante compreender essa relação de afetos com o negócio. É preciso vir outras pessoas, novas cabeças, que vão desconstruir todas as suas certezas”, comenta Adriana. “Esses jovens já são pretos. E estou aprendendo. Alguém me acordou e eu entrei num mundo novo de panteras negras.”

Qual é a responsabilidade de empresas com a causa LGBT?

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Falar sobre LGBTs ou enxergar a comunidade como um público específico para consumo pode fazer com que uma empresa pareça praticar a inclusão e respeitar a diversidade. Mas nem sempre a prática repete aquilo que é dito no discurso. E, afinal, o que LGBTs tem a ver com o ecossistema de impacto e seus negócios? Spoiler: tudo.

Partindo dos preceitos da responsabilidade social, conheça exemplos da relação da comunidade LGBT com negócios sociais e como ela e suas pautas estão inseridas. As práticas de empresas, ideias e cases, como a Casa 1 e o Transemprego, precisam ser conhecidos por todos.  A sigla LGBT, diz respeito a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros; é comum as grafias LGBTQ+, onde o Q remete também ao queer e o + às demais minorias sexuais, LGBTI+, destacando também os intersexuais ou, até mesmo, LGBTQI+. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, adota a sigla LGBTI em seus documentos oficiais.

 

Responsabilidade Social e Políticas Públicas

Quando o assunto é responsabilidade social, as ações concretas e os diálogos devem acontecer entre a sociedade, a iniciativa privada e a gestão pública. Com relação às pautas LGBTs, iniciativas da esfera federal amplificam tais diálogos, por exemplo. A Medida Provisória (MP) 870, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 2 de janeiro de 2019, levantou debate público sobre se a população LGBTI continuaria fazendo parte das políticas destinadas à promoção de Direitos Humanos.

Quanto a isso, vale explicar a hierarquia das pastas: a Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, de responsabilidade de Marina Reidel, funciona dentro da Secretaria Nacional de Cidadania, cujo Secretário Nacional é Sérgio Augusto de Queiroz, que, por sua vez, é subordinada ao Gabinete Ministerial que diz respeito ao Ministério de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, coordenado por Damares Alves.

Reidel afirma que a MP “Não retirou nada” do cenário do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), com a manutenção da Diretoria LGBT e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNDC), onde atualmente atua como presidente. “Estamos tendo a manutenção das políticas e dos processos que somaram resultados positivos nos últimos dois anos. Inclusive, a proposta do pacto contra a violência LGBTfóbica, que foi uma adesão do MDH com diversos estados, o nosso intuito é de manutenção desse trabalho”, explica ela, que completa: “Nós não estamos sendo retiradas de pauta, só foi mudada a nomenclatura de Secretaria Nacional de Cidadania para Secretaria de Proteção Global”.

Ilustração: Fernanda Sanovicz
Ilustração: Fernanda Sanovicz

Ainda durante a corrida eleitoral para a Presidência, em 2018, a Out&Equal Workplace Advocates, considerada uma das maiores entidades do mundo sobre LGBT nas organizações, elaborou uma carta intitulada Carta de Apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBT+ nos Locais de Trabalho no Brasil. Trata-se de uma ação conjunta de 35 empresas e organizações não governamentais para que os candidatos reafirmassem compromisso com a diversidade e a inclusão para todos nos locais de trabalho no Brasil – e isso inclui as pessoas LGBT.

Para se ter ideia do peso das empresas que assinam a carta e a importância de ter pessoas LGBT inseridas no mercado de trabalho: tais empresas, em sua maioria multinacionais, empregam mais de 110 mil LGBTs, o que gera movimentação econômica e impacto social. “A Carta solicita aos candidatos presidenciáveis das eleições de 2018 que reconheçam a importância da diversidade e inclusão no local de trabalho, porque é a coisa certa a se fazer, é bom para os negócios e é bom para o Brasil” dizia o texto. Dos presidenciáveis, assinaram a carta de compromisso: Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL). Já entre os senadores eleitos, apenas Mara Gabrilli (PSDB/SP) assinou, além de 12 deputados federais e 17 deputados estaduais eleitos – a Aliança Nacional LGBTI disponibiliza os dados detalhados neste link.

Segundo Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade , “há um forte simbolismo” tanto sobre quem assina ou não a carta quanto ao fato de as empresas se unirem e se posicionarem a respeito. “Foi uma forma de pressão, partindo de 35 grandes empresas, que afirmam que a pauta [da Carta] é importante para elas. E isso é muito significativo”, avalia ele. A Mais Diversidade atua junto às organizações para que elas desenvolvam práticas para tornar o seu ambiente de trabalho mais inclusivo. Só em 2018, a consultoria realizou mais de 200 palestras por todo o Brasil sobre o tema.

Ainda no âmbito político, Reidel afirma que a Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT tem pensado ações mais pontuais para impactar a necessidade de responsabilidade social das empresas. “Nós precisamos trabalhar em um conjunto de redes de inserção, principalmente com as empresas que atuam com a pauta dos Direitos Humanos, para que isso não fique apenas como inclusão, mas também um trabalho integral, com toda logística que faz parte da inserção da população”, explica.

 

Pink Money e bom senso

Uma das ações políticas que implica debate sobre visibilidade, respeito e responsabilidade da sociedade, como um todo, é a Parada do Orgulho LGBT. Em termos práticos, ela é um exercício de ocupação de espaço e respeito à diversidade. Usando business como parâmetro, ela é uma injeção de dinheiro notável – basta lembrar que São Paulo é a cidade que abriga a maior Parada do mundo; em 2018, em sua 22ª edição, o evento contou com a presença de cerca de três milhões de pessoas, segundo dados da própria organização. Em 2017, quando o público estimado também foi de cerca de três milhões de pessoas, a Parada movimentou cerca de 309 milhões de reais. A título de comparação do quão alto é este valor: o evento que mais arrecada dinheiro em São Paulo é o Carnaval, pois, em 2018, movimentou 730 milhões de reais (soma dos 550 milhões de reais do Carnaval de Rua e dos 180 milhões de reais no Sambódromo). Os dados são segundo o Observatório de Turismo e Evento da SPTuris.

Quando o assunto é LGBT e negócios há uma expressão bastante polêmica em voga: pink Money, ou dinheiro rosa, que diz respeito ao poder de compra da comunidade, com ênfase em gays, lésbicas e bissexuais, ações de negócios que a consideram como o público comprador e também um mercado nela especializado. Contudo, é comum vermos empresas e pessoas públicas sendo acusadas de monetizarem pautas da comunidade LGBT, para atrair o pink money, sem nenhuma ação efetiva relacionadas a essas pautas e seu envolvimento com direitos sociais. Sales ensina que “O melhor antídoto contra o pink money são duas palavrinhas: coerência e consistência”.

Ele se refere à coerência no sentido de que o discurso da empresa precisa ser coerente com os seus valores, bem como com a realidade cotidiana dos funcionários. Já a consistência, segundo ele, é no sentido de que não basta fazer ações pontuais, fazendo-se necessárias ações concretas ao longo do tempo, dialogando com a comunidade. “Entendendo, inclusive, que as causas não são das marcas e das empresas e este é um ponto muito importante. As causas são dos movimentos sociais. O papel das empresas e marcas pode ser o de amplificar os debates e fazer contribuições concretas para que aquele grupo obtenha algum ganho ou que o preconceito possa diminuir”, pontua.

“Nós precisamos trabalhar em um conjunto de redes de inserção, principalmente com as empresas que atuam com a pauta dos Direitos Humanos, para que isso não fique apenas como inclusão, mas também um trabalho integral”, Marina Reidel.

Para Iran Giusti, fundador da Casa 1, a questão do pink money é bastante delicada para as corporações. “Há uma estrutura complexa nas organizações, com núcleos de pessoas recém-ingressas no mercado de trabalho e profissionais na faixa dos 30 e 40 anos, já com algum poder de decisão, mas este não é absoluto dentro das empresas. No geral, são essas pessoas que estão fazendo tentativas de trazer a diversidade para dentro das organizações, mas não conseguem nem de forma estrutural nem sistemática, porque ainda há uma gestão masculina, branca, hétero e cisgênera”, explana ele.“Ao mesmo tempo em que consigo visualizar um diretor falando para o responsável da agência ‘mexe com essas coisas de viado[sic] aí que dá dinheiro’, eu também consigo ver um planejamento super bem estruturado e organizado por um departamento de marketing e de pessoas que acreditam nas pautas da comunidade.”

Afim de auxiliar nessas mudanças estruturais e transformar discursos em ações efetivas, a Casa 1 trabalha com parcerias neste tipo de proposta, partindo das seguintes proposições para o processo por um todo: como se dá a articulação da pauta internamente, quais são as políticas adotadas, o que as organizações fazem ou não sobre a pauta que envolve o público LGBT, o que estas empresas podem fazer.

Iran cita a PepsiCo e a Starbucks como empresas que fazem um trabalho efetivo sobre as pautas LGBT, além de serem parceiras da Casa 1. Em 2017, a PepsiCo lançou o Doritos Rainbow (ideia que acontece nos Estados Unidos desde 2015) em junho, o mês do Orgulho LGBT. Ao comprar o kit, que custava 20 reais e vinha com o salgadinho e uma bandeira LGBT, a verba arrecadada era doada para a Casa 1. “Temos trabalhado com a PepsiCo há três anos. A empresa criou o programa de formação de unidades de base, conversamos com o marketing sobre a questão trans e também com os trabalhadores das fábricas, quando surgiu problema com ‘piadas’ homofóbicas”, comenta ele. Com as ações e mudanças houve a contratação de uma jovem aprendiz trans, a partir da própria estruturação interna da empresa.

Já com a Starbucks, a parceira se deu  em verba revertida de produto. “Só topamos, porque a empresa fez um trabalho muito legal. A empresa veio,  fez café para os moradores, trouxe a equipe de RH que contratou uma menina – e agora mais duas ex-moradoras para as unidades do café”. Como a Starbucks não é fraqueada é possível fazer com que este trabalho de inclusão e formação para a diversidade chegue a todas as unidades. “Percebemos a acolhida da empresa, de fato”, conclui o fundador da Casa 1.

Nem tudo é para ontem

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A Redação Online cresceu rapidamente, oferecendo uma plataforma de correção de redações. Mas sua cultura organizacional não cresceu junto.

Texto Tiago Mota | Fotos Agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Às vezes a gente pressiona muito as pessoas para perseguir um resultado, mas não vê que elas já estão dando 100%.”  Uma sinceridade dessas, como a de Otavio Pinheiro, faria muito bem ao ecossistema de inovação e empreendedorismo em geral. Ele é o fundador da Redação Online, uma plataforma digital na qual vestibulandos e concurseiros submetem suas redações e as recebem corrigidas por especialistas. Em dois anos de operação, a empresa conseguiu atender 70 mil alunos. Mas a pressão por resultados e por atender tanta gente acabou desmobilizando toda a equipe.

A Empresa

O modelo é simples: a partir de R$ 19,97, parcelado em até duas vezes, os estudantes já podem usar a plataforma. Fundada em 2016, a empresa já contava com 2 mil alunos pagantes com menos de um ano de operação. Passou, também, por concursos e importantes processos de aceleração, como o InovAtiva Brasil e a Rio Startups. É a primeira startup de educação acelerada pelo Facebook, via programa Estação Hack, desenvolvido junto com a Artemisia.

Tudo muito intenso. Um ritmo que reflete a personalidade frenética do próprio Otavio. Gaúcho da cidade de Balneário do Pinhal, aos dezessete anos ele já tinha aberto três autopeças junto com seu pai, mecânico. Decidiu, em seguida, estudar História em Florianópolis. O curso mal havia terminado quando ele resolveu abrir um cursinho popular. A ideia veio da percepção de como alunos de escola pública, tal qual ele, tinham mais dificuldade em ingressar nas universidades e permanecer lá.

Anos depois, a mesma fagulha o levou a fundar a Redação Online. A intenção inicial foi a de criar um elaborado sistema de videoaulas e cursinho à distância. Afinal, era possível levar educação a muito mais pessoas por meio do digital. De toda essa solução complexa, porém, o que fez sucesso mesmo entre os alunos foi uma pequena parte do pacote: a plataforma de correção de redações. Agilmente, Otavio entendeu que era ali que morava de fato uma oportunidade. E foi pra lá que direcionou seu foco.

O Erro

Otavio é um exemplo (dentre muitos) de como a vida pessoal de um empreendedor social se mistura com a de seu empreendimento. Ainda na época do cursinho, veio de dentro de casa o sinal vermelho que o fez perceber: alguma coisa estava errada na condução dos negócios. “Minha esposa queria engravidar, e eu sempre dei uma enrolada nela”, recorda, aos risos. Mas a primeira gravidez veio e, infelizmente, o casal passou por um aborto espontâneo. “Aquilo foi o divisor de águas. Tomei a decisão de sair do dia a dia do cursinho para me dedicar a minha família.”

Foi durante o sabático que começou a nascer a Redação Online. No entanto, conforme o novo negócio demonstrou potencial, o jeitão elétrico e intenso de Otavio começou a reaparecer. Trabalhando muito, e agora entre os escritórios em Porto Alegre e São Paulo, Otavio começou a formar equipes conforme o aumento de demanda. A transição para atender também empresas e instituições, no modelo B2B, rendeu novos contratos e mais trabalho. O resultado: uma equipe no limite e sem conexão com o propósito inicial do que deveria ser a Redação Online.Foi bem desgastante do lado pessoal e para a equipe, tendo de tirar muito do pessoal num curto espaço de tempo”, relembra.

Uma equipe sem motivação e sem identificação com a empresa pode custar caro. “As pessoas não comemoravam as realizações da empresa, como prêmios e novos clientes”, conta Otavio. Com isso, a rotatividade dos colaboradores aumentou, e o custo de contratar e demitir funcionários também passou a pesar.

A Solução

Para resolver a questão, Otavio teve de atacar em duas frentes. A primeira, e a principal delas, foi na vida pessoal: compreender que essa história de empreendedor solitário e de que tudo é para ontem não funciona. E tira tempo com a família também. O final foi feliz para o casal: nesse período, eles tiveram uma filha, Ana Ester (3), e o casal de gêmeos Liah Raquel e Levi Benjamin (2).

Esse cair de ficha o levou a mudar o jeito de levar o negócio à frente. O primeiro passo foi colocar no papel sua tese de impacto. Entre negócios de impacto, a tal tese sempre responde a simples, porém crucial pergunta: por que fazemos o que fazemos?

“A ‘construção da tese de impacto’ é o exercício no qual a startup busca especificar de forma clara e bem definida a natureza do impacto social que pretende produzir e como isso pode ser comunicado”, explica Haroldo Torres, sócio-fundador da Din4mo, a apoiadora no atual processo de aceleração pelo qual passa a Redação Online. Foi durante esse processo que a Redação Online foi capaz de diagnosticar e resolver seu problema.

A tese de impacto foi uma das orientações dadas pela Din4mo. Tê-la formalizada é, segundo Haroldo, “essencial no diálogo do empreendedor com colaboradores, investidores e outros apoiadores externos”. No caso da Redação Online, a tese reconecta a empresa ao seu propósito: aperfeiçoar os resultados nas notas de redações, principalmente de alunos das escolas públicas, possibilitando seu acesso a universidades.

Com isso pronto, Otávio estruturou um setor de RH na empresa para contratar colaboradores que se identifiquem com esse propósito. “Hoje quem entra na empresa chega muito alinhado com essas características. Sabe que precisamos de resultados rápidos, mas acredita no que está fazendo”, comenta Otavio. Com isso, a lealdade à Redação Online aumentou substancialmente, segundo ele.

Mas houve também um aprendizado de liderança. Otavio entendeu que ele, enquanto empreendedor, precisava estar mais próximo de seus colaboradores. “Às vezes o maior RH de uma empresa é um bate-papo”, opina. “Uma empresa que tem um DNA de impacto social precisa ter uma parte humana vigente. E quando ficávamos resolvendo só pepino, isso foi se perdendo.”

Os Desafios

Os horizontes não poderiam ser mais promissores. Com a equipe coesa e o próprio Otavio entendendo melhor seu propósito, o objetivo é expandir a Redação Online para os países de língua espanhola. Os planos começarão ainda no primeiro semestre de 2019, com Colômbia e México. Para isso, o gaúcho pretende continuar estimulando uma empresa mais horizontal, onde todos percebam possibilidades de crescer, criar e executar com autonomia.

“É um aprendizado ainda, mas saber separar o que é formal e burocrático do que é humano, e não pensar só que vamos crescer e crescer, e ganhar prêmios”, conclui Otavio.

 

 

Quem ganha com a regulamentação dos fundos patrimoniais?

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Logo após o incêndio que destruiu o Museu Nacional em setembro de 2018, no Rio de Janeiro, o governo entrou com uma Medida Provisória 951/2018 que autoriza a captação de recursos via fundos patrimoniais, ou endowments. Meses depois, janeiro de 2019, foi sancionada já pelo presidente Jair Bolsonaro a lei 13.800/2019 que regulamenta a criação desses fundos. Trata-se de recursos vindos, principalmente, de doações que podem ser aportados para o mantimento de patrimônios públicos ou culturais. Para o governo, a iniciativa é vista como alternativa de captação para manter instituições públicas como o próprio Museu Nacional, algo que está longe de ser simples no Brasil.

Hoje, o que dificulta essa captação é o percurso que os recursos fazem até chegar ao seu destino, neste caso, o Museu. Normalmente, a doação vai para um fundo público, correndo o risco de ser contingenciada. Por isso, não existe a garantia de que aquele dinheiro irá chegar até a instituição pública. Assim, diante desse risco, a nova lei possui um modelo que define que a organização que gere o dinheiro deve ser diferente da que recebe o recurso, o que cria uma proteção para o fundo. A coordenadora de Advocacy do Grupo de Institutos Fundações e Empresas, o GIFE, Aline Viotto, explica que a tentativa de separar as organizações é para que a ofertante do fundo não responda por dívidas da receptora. Dessa forma, o fundo fica intacto não correndo riscos.

 

O caminho até aqui

Mas antes mesmo do poder executivo pensar na pauta, muitos atores trabalhavam para que projetos de leis avançassem no legislativo. Para entender melhor o caminho da regulamentação dos fundos patrimoniais, voltamos para 2011, quando o Instituto para o Desenvolvimento Do Investimento Social (IDIS) começou a trabalhar a pauta.

No ano seguinte, foi criado um grupo de estudos que se dedicou à análise do primeiro projeto de lei sobre o tema proposto pela deputada Bruna Furlan (PSDB/SP). Foi então que o IDIS, ao lado de parceiros, iniciou inúmeras reuniões e eventos para debater a importância de uma lei para regulamentar os fundos patrimoniais no Brasil. Os principais atores nas discussões foram o GIFE, Associação Paulista de Fundações (APF), Confederação Brasileira de Fundações (Cebraf), Levisky Negócios e Cultura, BNDES e Humanitas360.

A deputada Bruna Furlan (PSDB/SP) relatou o projeto de lei que regulamentou a criação de fundos patrimoniais no Brasil. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
A deputada Bruna Furlan (PSDB/SP) relatou o projeto de lei que regulamentou a criação de fundos patrimoniais no Brasil. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

A discussão sobre fundos patrimoniais também está contemplada no documento-base da Enimpacto, que estabelece os quatro eixos de atividades da Estratégia Nacional, dentre estes o fortalecimento dos intermediários e melhoria do macro-ambiente institucional e normativo. Este, especificamente, propõe avançar na criação de regulamentação dos fundos patrimoniais.

O GIFE também acompanhava os projetos sobre a questão desde 2012. O grupo possui o projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações, financiado pela União Europeia, que discute entre muitos temas, como criar um ambiente mais favorável para as organizações atuarem.

Em 2018, foi criada a Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, congregando mais de 60 organizações, incluindo o GIFE, e sendo liderada pelo IDIS. Assim que a Medida Provisória criou os fundos patrimoniais, foi iniciada a atuação da Coalizão no processo de melhoria do texto. O resultado foi um documento com a leitura inicial medida no qual eram elencados os principais pontos a serem aprimorados.

“A gente já tinha um acúmulo comum das organizações sobre quais eram os pontos importantes de existir uma legislação de fundos. A gente acompanhou todo o processo, tanto em reuniões com parlamentares para apresentar quais eram nossos pontos, quanto na audiência pública em novembro sobre a MP”, conta Aline Viotto. A Coalizão chegou a distribuir panfletos informativos sobre o tema dentro do parlamento em 2018, mas o fato de ser ano de eleição atrapalhou a discussão.

“Até a gente chegar nesta regulamentação que temos hoje, cada um tinha que tratar de forma diferente com contratos privados, faltava homogeneidade”, avalia Rachel Karan.

Aline explica que a redação inicial da MP era restrita a algumas causas de interesse público, como os direitos humanos e segurança pública. Por isso, uma das reivindicações foi a ampliação da legislação, garantindo que os fundos pudessem apoiar qualquer organização que trabalhasse em causas de interesse público.

Pelo fato da MP ser motivada pela necessidade de recuperação do Museu Nacional, o texto foi voltado para criar fundos que apoiassem principalmente instituições públicas. E, ao tratar do direito público, o texto era restritivo e excluía a participação de instituições privadas.

“A gente foi olhar internamente e, hoje, as organizações privadas que têm fundos, na verdade, possuem um arranjo diferente umas das outras e cada uma funciona de um jeito. O problema da MP é que ela engessava muito, pensando em um determinado modelo. A gente falava, ‘olha tem um universo aqui que já existe, está funcionando e é muito maior do que isso que vocês estão propondo”, explica ela.

O texto que se tornou a lei 13.800/2019 é mais flexível, garante Viotto, mas ainda não é o ideal. Além disso ampliou a abrangência das causas. Porém, a advogada afirma que um dos principais itens apontados, os incentivos, não foram atendidos. “Nós pedíamos muita atenção para a necessidade de ter incentivos para atrair doação, e esses foram vetados. Eles já não eram amplos, já eram restritos a organizações que apoiavam instituições públicas e, ao serem vetados, passaram a não servir também para as instituições privadas.” O único incentivo fiscal que restou, segundo a redação da MP, foi para a área de cultura.

 

Quais são os avanços?

A lei 13.800/2019 cria uma figura jurídica com o objetivo de gerir e captar recursos para sustentar no longo prazo instituições e causas. Os principais pontos são: os doadores contam com a segregação patrimonial protegendo, assim, os recursos de eventuais passivos gerados na organização apoiada e contam, ainda, com regras de governança, contratuais e de transparência.

Para Rachel Karam, coordenadora do Grupo Jurídico B do Sistema B, existia um vazio no que diz respeito a caracterização jurídica do fundo patrimonial antes da legislação. “As pessoas contratavam de várias formas, sem uma regulamentação própria, e agora existe um norte muito mais claro para qualquer financiado poder aportar recurso de fundo patrimonial, criar um fundo ou até investir em empresas com recursos de fundos”, analisa. “Até a gente chegar nesta regulamentação que temos hoje, cada um tinha que tratar de forma diferente com contratos privados, faltava homogeneidade. Com a nova leia, os fundos são geridos por organizações gestoras com responsabilidades e limites da atuação bem definidos.”

Os fundos patrimoniais, geralmente, possuem regramentos próprios sobre a forma de utilização de seus recursos e sua estrutura de gestão. O objetivo é garantir que os rendimentos do fundo sejam aplicados apenas nas atividades finais de ONGs ou Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e que sejam geridos de forma a assegurar sua preservação e capitalização, reitera Rachel. Antes da regulamentação, os fundos patrimoniais não possuíam personalidade jurídica própria, não havia definição precisa sobre quais são as obrigações dos endowments e os limites no relacionamento com as OSCs às quais estavam vinculados.

A importância da regulamentação, segundo Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS, é trazer segurança aos doadores, já que cria um instrumento de sustentabilidade para organizações e causas. “Além disso, terá impacto positivo no mercado de capitais, pois os endowments são investidores que trazem capital permanente, ‘paciente’ e com maior apetite para inovação.”

 

E os negócios de impacto com isso?

Para Rachel Karam, que também compõe a Enimpacto, os negócios de impacto podem se beneficiar dos investimentos, abrindo-se, assim,  um novo formato e uma nova forma de captação. Já na análise de Paula Fabiani, é importante fomentar o surgimento de fundos patrimoniais no Brasil. Segundo o relatório da McKinsey & Company, 7% dos 114 bilhões de dólares investidos em impacto no mundo têm origem de fundações e fundos deste tipo.

No ponto de vista de Aline, o início do debate é positivo, “mas a nossa leitura [do GIFE] é que esse novo modelo vai ser mais útil para as instituições públicas do que para as privadas. Quando falamos de negócios de impacto, tratamos de organizações privadas, por isso tende a atingi-los um pouco menos”.

Eu Errei: Otavio Pinheiro, do Redação Online

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“Às vezes a gente pressiona muito as pessoas para perseguir um resultado, mas não vê que elas já estão dando 100%.”  Uma sinceridade dessas, como a de Otávio Pinheiro, faria muito bem ao ecossistema de inovação e empreendedorismo em geral. Ele é o fundador da Redação Online, uma plataforma digital na qual vestibulandos e concurseiros submetem suas redações e as recebem corrigidas por especialistas. Em dois anos de operação, a empresa conseguiu atender 70 mil alunos. Mas a pressão por resultados e por atender tanta gente acabou desmobilizando toda a equipe.

Leia a reportagem completa no Eu Errei!

Uma casa para todxs: a Casa 1 poderia ser um negócio de impacto?

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Afinal, o que LGBTs têm a ver com o ecossistema de impacto e seus negócios? Spoiler: tudo.

Uma das histórias que ajudam a pensar em como negócios sociais ou de impacto podem somar no tema é a Casa 1. Ela surgiu como ideia no final de 2015, quando o relações públicas e jornalista Iran Giusti recebia em seu apartamento jovens LGBTs expulsos de seus lares. Com a situação, ele fez um post no Facebook, que viralizou e, em dois dias, tinha mais 50 jovens pedindo ajuda. Pensando no que poderia fazer de efetivo para a questão, ele largou o emprego como redator, com a ideia de criar um espaço para ampliar a acolhida e oferecer atividades de cultura e formação.

Detalhe da decoração da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.
Detalhe da decoração da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.

“A ideia era: trocar meu apartamento por uma casa, ter um cômodo a mais para ter mais duas pessoas. Algo bem pequeno. Eu, porém, acabei me empolgando, fiz um financiamento coletivo e, no final de 2016, alcançamos a meta: conseguimos 112 mil reais para alugar a casa pelo período de um ano e abrigar inicialmente 8 pessoas”, conta o fundador e organizador da Casa 1. “Desde então, o projeto cresceu e passamos a ter uma articulação muito forte no campo da cultura e de impacto social, em especial, na estrutura do bairro, pois o trabalho é focado na comunidade local”, comenta ele.

Todavia, após quase quatro anos de funcionamento, Iran informou pela sua conta no Facebook que a Casa 1 fecharia as portas em dezembro deste ano. Na sua publicação, ele comenta ser a dificuldade de financiamento a principal razão para o fim do projeto. “Semana passada tive que pedir doações de alimentos não perecíveis. Dois anos de trabalho, parcerias com empresas gigantes, apoio de muita gente legal e ainda precisamos pedir arroz e feijão”, escreve Iran.

Ele também comenta como percebe um arrefecimento de políticas públicas voltadas à cultura e à população LGBT. “Diante desse governo pavoroso, do sucateamento dos serviços públicos, da escassez de editais e fontes de financiamento, da negativa das empresas a pagarem por serviços como consultoria ou então patrocínio de um projeto de pessoas LGBTs em vulnerabilidade não vemos saída senão fechar as portas”, afirma Iran.

Por dentro da Casa 1

A Casa 1 atua no bairro do Bixiga e tem estrutura para receber 20 moradores por até quatro meses – afinal é uma casa de passagem. Além disso, em outro prédio próximo ao alojamento, conta com um centro cultural, que funciona das 10h às 22h, de segunda a segunda. “Somos muito reconhecidos pelo trabalho de acolhimento, que obviamente é nosso DNA e tronco, mas vamos muito além disso. Hoje, a acolhida de jovens LGBTs é uma parte do projeto e que demanda maior dedicação dos funcionários contratados, que são voluntários remunerados com um ajuda de custo, pois ainda não temos sustentabilidade para contratação”, conta Iran em entrevista para a Aupa.

A outra parte do projeto é a formação continuada que ocorre dentro da Casa 1 e em empresas parceiras. A Casa realiza ações pontuais de formação, cultura e conscientização, além de consultorias. É durante a Parada Gay que, geralmente, a Casa realiza essas ações. Em 2017, durante a Parada, houve um faturamento de R$ 300 mil. Em 2018, o faturamento alcançou R$ 150 mil, o que demonstra um arrefecimento do mercado de publicidade e marketing das companhias para o tema LGBT de um ano para o outro. A equipe da Casa 1 conta com Iran (que não tem remuneração) e mais sete voluntários.

Crianças jogam bola em frente à Casa 1, no Bixiga. Foto: Agência Ophelia.
Crianças jogam bola em frente à Casa 1, no Bixiga. Foto: Agência Ophelia.

Duas partes compõem a Casa 1: o alojamento e o centro cultural/galpão. O alojamento tem a residência na parte de cima e três salas comerciais, na parte de baixo, sendo uma para atendimento e distribuição de roupas e produtos de higiene pessoal para população em situação de rua. A outra é uma sala emprestada ao coletivo Trans Sol, formado por costureiras trans. A terceira sala é a Biblioteca Comunitária Caio Fernando Abreu.

O galpão Casa 1 é um centro de cultura, onde há três salas de aula, com oferta de 16 turmas de línguas (inglês, espanhol e português para estrangeiros), quatro salas de atendimento individual – em três dessas salas acontecem atendimentos psicoterápicos da Clínica Social (Clínica Social Casa 1); uma das salas está dedicada à pesquisa do PrEP Adolescente, profilaxia pré-exposição sexual para este público, que é uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Há ainda o ateliê de artes plásticas, sala de informática e um salão principal para atividades em geral.

O centro cultural da Casa 1 permanecesse sempre aberto para comunidade. Acima, detalhe da sala de computadores à disposição. Foto: Agência Ophelia.
O centro cultural da Casa 1 permanecesse sempre aberto para comunidade. Acima, detalhe da sala de computadores à disposição. Foto: Agência Ophelia.

O critério para ser morador da Casa 1 é ter entre 18 e 25 anos, ter sido expulso de casa, não ter questões severas com dependência química e/ou saúde mental e deve ser residente da cidade de São Paulo. A Casa 1 tem, em média, 10 solicitações por semana para o alojamento. A Casa realiza ainda trabalho e atendimento ao público do próprio Bixiga e é bastante comum ver dezenas de crianças no centro cultural, brincando, mexendo nos materiais, papeando e assistindo aos filmes na sala de cinema – quando a apuração ocorreu, as crianças assistiam Mulan e carregavam um balde de pipoca e refrigerantes.

No geral, as crianças atendidas residem nos cortiços do Bixiga ou nas ruas; sobre a participação delas nas atividades culturais, Giusti afirma que houve muita solicitação do próprio bairro para essa acolhida. “As crianças vinham, mexiam, pintavam e foram ótimos agentes disseminadores, que começaram a trazer os pais e vizinhos para cá, começaram a articular”, comenta o fundador. Assim, havia dois públicos para o espaço, que tem por prerrogativa trabalhar o bairro: crianças e idosos, que são as pessoas que vivem efetivamente ali, e os adultos, que usarão o espaço como dormitório. “A gente veio para ficar. Entendemos o papel socioeducativo da Casa, em todos os aspectos, inclusive, na infância. Então, hoje eles são um público muito forte, dominam bastante o rolê”, acentua Giusti.

Detalhe da biblioteca da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.
Detalhe da biblioteca da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.

Vale ressaltar que é preciso uma ordem para garantir impacto social e atendimento. “Nosso atendimento é universalizado, mas temos prioridade nos casos das vagas nos cursos de línguas e o preparatório para o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio): pessoas trans em primeiro lugar, seguido de mulheres negras, depois homens negros e, finalmente, pessoas brancas cis heteros. O processo de seleção considera gênero, raça e classe”, explica Giusti. A Casa 1 oferece também curso profissionalizante de maquiagem exclusivo para mulheres trans. “No custeio do curso, temos que considerar tudo: transporte, alimentação, todo o material, incluindo aquele para a pessoa começar a trabalhar depois. Então, ainda é um curso muito caro e, por isso, restringimos à parcela de maior vulnerabilidade social”, pontua ele.

 

É um modelo de negócio sustentável?

Giusti explica que cerca de 60% da verba é via financiamento de pessoa física, um crowdfunding que funciona intermediado por benfeitoria recorrente. O financiamento coletivo recorrente deposita mensalmente R$ 20 mil para a Casa. Até novembro do ano passado, outros 30% vinham da iniciativa privada, empresas para quem a Casa 1 faz alguma ação específica. Nesta fatia está, efetivamente, a atividade da Casa 1 que poderia ser pensada enquanto proposta de valor: promover igualdade e inclusão em empresas por meio de consultorias ou outras atividades. Mas, de novembro para cá, Iran fala sobre um “desaparecimento” de propostas e empresas parceiras, e não há perspetivas para isso tão logo. Sem esta receita, a conta não fecha, e a casa começa a entrar em um déficit mensal de R$ 15 mil.

Quadro de avisos e programação da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.
Quadro de avisos e programação da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.

Um dos exemplos de parceria com empresas se deu junto à PepsiCo. Em 2017, a PepsiCo lançou o Doritos Rainbow (ideia que acontece nos Estados Unidos desde 2015), em junho, o mês do Orgulho LGBT. Ao comprar o kit, que custava 20 reais e vinha com o salgadinho e uma bandeira LGBT, a verba arrecadada era doada para a Casa 1. “Trabalhamos com a PepsiCo há três anos. Eles fizeram o programa de formação de unidades de base, conversamos com o marketing sobre a questão trans e também com os trabalhadores das fábricas, foi quando surgiu o problema com ‘piadas’ homofóbicas”, comenta ele. Com as ações e mudanças houve a contratação de uma jovem aprendiz trans, a partir da própria estruturação interna da empresa.

Os outros 10% do dinheiro que banca a operação ainda vêm do bolso do fundador, decorrente de freelas e projetos especiais. E, nesses meses de dificuldade, Iran repete aquilo que é comum entre tantos outros empreendedores sociais: ele tira do bolso a grana que cobre o rombo do caixa. Sendo assim, a Casa 1 ainda não possui um modelo que garanta receita de maneira sustentável, sem contar primariamente com doações.

 

E por que estamos falando da Casa 1?

A começar, pelo seu importante impacto positivo. Para justifica-lo, Iran ampara-se no relatório, ainda em fase de finalização, feito para o COMAS (Conselho Municipal de Assistência Social), que é uma das principais certificações da assistência social. A estimativa é a de que, até agosto de 2018, cerca de 180 LGBTs tenham residido desde o começo da Casa. O atendimento médio é de 350 pessoas por semana – dentre atendimento de alunos, população de rua, crianças, etc. Isso significa aproximadamente 2.400 atendimentos por mês. “Considerando que algumas pessoas são atendidas mais de uma vez, esses números remetem cerca de 14.500 atendimentos em dois anos”, explica o fundador.

Iran Giusti, da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.
Iran Giusti, da Casa 1. Foto: Agência Ophelia.

“Podemos ser um processo de empreendedorismo social e falar sobre impacto, mas tais termos e configurações precisarão expandir muito para que nos encaixemos”, comenta Iran GIUSTI.

Apesar de a Casa 1 apresentar uma proposta de transformação social, que atinge a população vulnerável, Iran Giusti também não considera sua atuação como negócio social ou de impacto. “Fazemos tudo certinho: declaramos e pagamos impostos, há a empresa de contabilidade e o escritório de advocacia, mas é muito difícil enquadrar as coisas”, pondera. “Podemos ser um processo de empreendedorismo social e falar sobre impacto, mas tais termos e configurações precisarão expandir muito para que nos encaixemos”, comenta Iran sobre este tipo de negócio que ele define não ter concorrentes. “Eu não estou na rua disputando a tapa a bicha [sic] mais sofrida para a Casa 1. E eu sei que é difícil encontrar nomenclaturas para estes negócios”, avalia.

A Casa 1 opera, portanto, naquela fina linha fronteiriça de atividades filantrópicas que não se adequariam a um modelo de negócios? Ou ferramentas de mercado poderiam auxiliar na manutenção e sustentabilidade da iniciativa? Se sim, como? Algumas perguntas importantes que testam os limites de até onde atuariam negócios sociais ou de impacto no empoderamento de transformadores como Iran.

Nesse momento difícil, a estratégia, por enquanto, é investir tempo e energia para expandir a estratégia de financiamento coletivo. Questionado se ele pretende apresentar a Casa 1 efetivamente como negócio para buscar captação de recursos e investimentos, Iran demonstra certa resistência. “Há tentativas nesse sentido”, afirma. “O grande problema é que o meu lugar de empreendedorismo é um pouco difícil para atrair investimento. Eu trabalho com cultura, formação e Direitos Humanos. E nós ainda vivemos em um país muito preconceituoso”.

O desejo de Giusti não é fechar as portas. A outra esperança, ainda que pequena, seria a de participar de editais de cultura e leis de incentivo. Mas Iran tem receios sobre o futuro dessas políticas nas atuais administrações federal e estadual.

Ele afirma ainda que o espaço, transformado e criado por ele e tantos outros, é onde sua vida é possível. “Eu criei um espaço para viver a minha vida. E estamos num contexto que não gosta do jeito que vivemos. É frustrante perceber que o negócio em que você se dedicou pode acabar assim”, conclui Iran. E a pergunta que fica é: como o setor de impacto pode se aproximar para auxiliar na sustentabilidade de iniciativas como a Casa 1?

ATUALIZADO EM 12/03/2019, por Tiago Mota.

Eu Errei: Matheus Cardoso, do Moradigna

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“Não dá para assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.” Dessa maneira Matheus Cardoso sintetiza o seu maior erro – e o maior aprendizado – à frente do Moradigna. A empresa já realizou mais de quinhentas reformas em cômodos e residências insalubres nas periferias de São Paulo. Mas se dar conta de qual era o problema no negócio não foi tão direto e simples quanto enunciar um ditado. Fundada em 2015, o Moradigna nasceu para oferecer reformas à população de baixa renda no sentido de conferir mais conforto e dignidade à vida das pessoas. Uma obra pela empresa custa em torno de R$ 5 mil – muito dinheiro para pagar de uma vez só. Então, desde o início o Moradigna passou a financiar as reformas diretamente junto aos clientes, parceladas em até doze vezes, via carnês. E assim começou o erro. “Ou a gente criava uma financiadora para a população de baixa renda ou uma empresa de reforma. Os dois juntos é muito complexo”, conclui Matheus.

 

Leia a Reportagem Completa no Eu Errei

Por que mensurar impacto, afinal?

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Andrea Resende_Sitawi
Andrea Resende_Sitawi

Por que conhecer o seu cliente e suas necessidades? Por que medir a satisfação do cliente? Essas são perguntas para as quais nenhum empreendedor vai titubear em responder. Sem conhecer seu cliente, seus problemas e como a sua solução resolve esses problemas, poucas organizações vão longe.

Mas, e por que medir o impacto? Se pensarmos em uma linha temporal, estamos ampliando a visão do cliente para além do momento exato em que ele comprou ou usou o produto ou serviço. Não seria essa informação também algo vital para a sustentabilidade das organizações? Saímos de uma visão de super curto prazo, para olhar para frente. E quanta coisa podemos aprender!

Quando pensamos em impacto social, na SITAWI, olhamos duas dimensões principais: extensão e profundidade. Extensão é o número de pessoas que você vai alcançar, facilmente derivado do número de produtos ou serviços entregues. Já a profundidade, envolve o grau de mudança gerado na vida das pessoas a partir da intervenção, do produto ou serviço oferecido. E isso requer uma escuta atenta e um relacionamento com o seu cliente. Certamente as organizações que conseguem desenvolver isso ganham vários insights adicionais sobre as necessidades dos seus clientes e como ela pode apoiá-los.

Quando falamos de negócios de impacto, então, tem um efeito exponencial. Para esses negócios, que nasceram para resolver um problema social ou ambiental, lançar seu olhar para além do curto prazo e avaliar o impacto real que estão tendo na vida daquelas pessoas a quem servem muda tudo.

Essa informação tão rica permite perceber que, às vezes, determinada estratégia não é a mais adequada para atingir o objetivo ou impacto esperado pela empresa. Permite identificar, também, que aquele resultado obtido no curto prazo não gera o impacto de longo prazo esperado. Pode, também, mostrar que sua solução precisa de atributos diferentes para continuar a ser usado pelos clientes no longo prazo. Ou mesmo apoiar na segmentação de clientes, ajudando a entender o que acontece com cada grupo específico (por exemplo, a diferença no aumento da renda familiar entre homens e mulheres que utilizam microcrédito).

Para organizações que vendem para empresas ou para o governo, comprovar o impacto é argumento de venda. Como exemplo, podemos citar uma intervenção que consegue comprovar que gera aumento no aprendizado de matemática dos alunos ou que reduz a taxa de evasão escolar, quando falamos de governo. Para negócios que tem empresas como clientes, um exemplo seria conseguir demonstrar um aumento na taxa de sucesso do recrutamento e efetivação de empregos para pessoas com deficiência.

Para quem capta investimentos, todo o mundo do investimento de impacto se abre. Na América Latina são quase 5 bilhões de dólares! Para quem capta doações, há uma tendência global que são os outcome funds. São fundos que doam recursos mediante à comprovação do impacto, como, por exemplo, o India Education Outcome Fund.

Acima de tudo, olhar com carinho e seriedade para o efeito de suas ações no médio e longo prazos permite alinhar tempo, energia e recursos rumo ao objetivo comum das pessoas que se uniram ao redor de uma organização e garantir que aquele propósito se cumpra.

Enimpacto divulga relatório de atividades de 2018

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Criada por meio de portaria presidencial desde dezembro de 2017, a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, a Enimpacto, firmou-se como principal lugar de articulação do ecossistema e governos. Com um ano completo de atividades em 2018, o comitê publicou relatório com resumo de realizações nos temas trabalhados pelo grupo.

Leia também nosso resumo de ações da Enimpacto aqui.

O que é e onde está a Enimpacto?

A estratégia é um grupo composto por órgãos do governo e entidades privadas para discutir meios de fortalecer o setor de negócios de impacto no Brasil.

Os grupos são divididos em quatro eixos temáticos, cada qual com objetivos e ações estratégicas específicos. No primeiro eixo, Ampliação da Oferta de Capital, basicamente buscam-se novas formas de financiar novos negócios de impacto. No segundo, Aumento do Número de Negócios de Impacto, procura-se expandir conexões com cadeias de valor de grandes empresas, aumentar o acesso à compras públicas e promover diversidade de gênero, raça e social entre empreendedores. O tópico Fortalecimento de Organizações Intermediárias é auto-explicativo: financiar e espalhar incubadoras, aceleradoras e centros de formação e pesquisa no tema.

Até o ano passado, a estrutura que acolhia a Enimpacto era a da Secretaria de INovação e Novos Negócios, dentro do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Com a posse do governo de Jair Bolsonaro, no entanto, a estrutura do antigo MDIC migrou para o Ministério da Economia. Atualmente, a Enimpacto se encontra enquadrada na Subsecretária de Inovação que, por sua vez, responde à Secretária Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade. Em última instância, tornou-se competência do ministro Paulo Guedes.

Quais são os avanços?

O documento detalha algumas das ações priorizadas pelo grupo e como avançaram as entregas referentes a estes tópicos.

Entre as realizações, o relatório destaca a criação de um fundo de investimentos públicos direcionados especificamente aos negócios de impacto. A ação é uma conquista no sentido de ampliar ofertas de capital para o ecossistema. Trata-se uma colaboração entre BNDES, Caixa Econômica Federal e Fundação Banco do Brasil, com apoio técnico do Sebrae. Aproximadamente R$ 30 milhões do fundo serão repassadas a organizações sem fins lucrativos, que ficarão responsáveis por identificar e selecionar modelos de negócio já em operação comercial, mas ainda sem tração.

Outro avanço foi no sentido de expandir a oferta da formações e mentorias para empreendedores sociais. Houve uma ampliação do programa InovAtiva Brasil voltado a especificamente negócios de impacto socioambiental. O programa de aceleração é uma parceria estabelecida pelo MDIC com a Fundação Certi e o Sebrae.

Por fim, outro tema importante é a da criação de uma personalidade jurídica específica para negócios de impacto.  Dentre os projetos de lei que caminham nesse sentido, o que tem demonstrado avanço é a PL nº 338/2018, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE). O projeto foi apresentado em julho e trata do Contrato de Impacto Social, que estabelece meios de entidades públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, se comprometerem a atingir metas de interesse social. O projeto foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e agora está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Uma vez aprovado na CCJ, segue para voto no plenário do Senado.

Leia o relatório completo de atividades aqui.

Financiar ou reformar, eis a questão

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O Moradigna nasceu para levar reformas de cômodos insalubres para a população de baixa renda, parcelando em doze vezes. Parcelar foi a parte difícil.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Não dá para assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.” Dessa maneira Matheus Cardoso sintetiza o seu maior erro – e o maior aprendizado – à frente do Moradigna. A empresa já realizou mais de quinhentas reformas em cômodos e residências insalubres nas periferias de São Paulo. Mas se dar conta de qual era o problema no negócio não foi tão direto e simples quanto enunciar um ditado.

Fundada em 2015, o Moradigna nasceu para oferecer reformas à população de baixa renda no sentido de conferir mais conforto e dignidade à vida das pessoas. Uma obra pela empresa custa em torno de R$ 5 mil – muito dinheiro para pagar de uma vez só. Então, desde o início o Moradigna passou a financiar as reformas diretamente junto aos clientes, parceladas em até doze vezes, via carnês. E assim começou o erro. “Ou a gente criava uma financiadora para a população de baixa renda ou uma empresa de reforma. Os dois juntos é muito complexo”, conclui Matheus.

A Empresa

Segundo o Censo 2010 do IBGE, aproximadamente 2,2 milhões de pessoas da região metropolitana de São Paulo moram em habitações classificadas como “submoradias”. No Brasil todo, 8 milhões moram em áreas de alagamentos e enchentes, conforme dados desse mesmo ano. Brasileiros que vivem, diariamente, pela falta de dignidade, segurança e saúde, além do flagrante problema ambiental que isso gera.

Matheus foi forjado nessa realidade. Durante sua infância e juventude, o bairro de Jardim Pantanal, na Zona Leste da capital paulista, foi sua morada. A região é uma área da várzea do rio Tietê ocupada irregularmente no fim dos anos 1980. Basta o verão chegar, e pronto: as chuvas volumosas alagam o bairro e tornam insalubres as moradias de parte dos 135 mil habitantes do entorno.

Ao concluir o curso de Engenharia Civil, em 2015, Matheus decidiu atuar na sua vizinhança realizando reformas que tirassem a população daquela situação. E o pacote era completo: ao contratar o serviço do Moradigna, a empresa entregava mão de obra, materiais de construção e a gestão de todo o projeto – feita pelo Matheus. E ia além: até 2017, a própria empresa financiava a reforma para o cliente.

O Erro

“No começo, era uma lua de mel. Como eu atuava no meu território, o financiamento acabava acontecendo porque eu estava muito próximo das pessoas. Mas, em escala, era insustentável”, recorda Matheus. O processo de avaliação de crédito no Moradigna era simples até demais: uma checagem do nome da pessoa e sua renda. Uma vez aprovado, tudo certo, e a obra começava. Mas, conforme a quantidade de clientes crescia, apareciam os problemas.

“No começo, era uma lua de mel. Como eu atuava no meu território, o financiamento acabava acontecendo porque eu estava muito próximo das pessoas. Mas em escala, era insustentável”

De um lado, ao optar pelo financiamento direto, o Moradigna passou a ter dificuldades em gerir o caixa. A reforma era realizada em cinco dias com todos os fornecedores pagos. Já o cliente só quitava o serviço em doze meses. Para piorar, a análise de crédito não era eficiente. Resultado: a inadimplência. No pior momento, a taxa de pagamentos não realizados chegou a 27% do total dos contratos fechados, o que começou a causar prejuízo. A empresa pagava seus fornecedores, mas não recebia de seus clientes.

“Por mais que fosse uma empresa que fizesse reformas, percebemos que a operação de crédito era muito relevante no modelo de negócios da Moradigna”, comenta Anna Aranha, diretora da aceleradora de negócios de impacto da Quintessa. Matheus e o Moradigna passaram por processo de aceleração na Quintessa em 2017, e lá começaram a mexer nos vespeiros. “Também havia o questionamento do quanto o preço era suficiente para cobrir os impostos, despesas, lucro e também o custo financeiro que eles tinham a partir dos empréstimos que financiavam a operação”, complementa Anna.

É nessa hora que fica perceptível o tamanho do desafio de ser um empreendedor social. Além de entender se a necessidade do cliente é relevante, se a solução é adequada e se impacto social acontece, a empresa “também precisa entender de forma lúcida se modelo de negócio é sustentável financeiramente”, ensina Anna.

E, no caso do Moradigna, o entendimento passou por assumir que o financiamento exige um conhecimento que a empresa não tinha. E a especialidade de Matheus é obra, não é carnê. “A minha ingenuidade foi achar que era simples esse processo de acompanhar o empréstimo, a perda, a inadimplência… Financiamento é um universo! Por não conhecer esse mercado, não fazíamos nem o beabá”, recorda o engenheiro.

A Solução

Segundo Anna Aranha, há algumas dificuldades mais comuns na hora de bolar o modelo de negócio. Uma das mais delicadas mora nas análises financeiras. Ou seja, entender de onde vem e para onde vai o dinheiro.

Ao olhar com lupa a distribuição de receita, uma empresa pode perceber, por exemplo, que é muito mais atuante em um segmento de mercado do que em outro. Ou, ao estudar seus custos, perceber quais são seus fornecedores cruciais e decidir quais competências podem ser terceirizadas e quais devem ser internalizadas.

O Moradigna passou por esse processo. Assumiu-se que, com essa dificuldade de entradas, era preciso abrir mão da operação de crédito. Com isso, Matheus buscou bancos especializados em crédito para baixa renda. Agora eles analisam o perfil do credor, emprestam e acompanham a dívida. Hoje, estão juntos com ele Creditas Virtus Pay, a SP CRED, o braço de microcrédito do Itaú e o banco Pérola.

A decisão fez bem para o caixa: o que antes o Moradigna recebia em doze vezes, agora é pago pela financiadora à vista, que, por sua vez, recebe dos clientes a prazo e com juros amigáveis.

Os Desafios

O erro deixou algumas cicatrizes. Para segurar as contas, a empresa contraiu uma dívida ainda no modelo de negócios antigo, a qual agora se esforça para pagar. Segundo Matheus, a insistência pelo financiamento causou uma retração no negócio, mas o horizonte é positivo. Faturou R$ 800 mil no ano passado e a expectativa é chegar à casa do milhão em 2019. Manter o fluxo de caixa continua sendo um obstáculo, mas pelo menos agora a conta fecha.

 

O objetivo também é expandir o atendimento do Moradigna. Atualmente, toda a Zona Leste de São Paulo pode contratar seus serviços. Indo além, a intenção é abrir unidades nas zonas Norte e Sul da cidade e, possivelmente, uma no Rio de Janeiro. “Sempre tive que transitar muito entre territórios. É essa vida de tentar hackear esse sistema e pensar como criar pontes e fazer movimentações acontecerem”, conclui Matheus.

 

 

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