Fenômeno crescente no campo dos negócios de impacto (especialmente em ecossistemas ainda em “desenvolvimento”) é comum nos depararmos com empreendedores que se descobrem como sendo “de impacto”.
Tinham (têm) um
negócio (startup, empresa, etc) e ao serem introduzidos ao conceito de
negócios de impacto, prontamente se reconhecem como sendo parte deste movimento. Que bom!
Trata-se de um
momento “eureka” de cunho identitário. Um certo rito de passagem, digamos.
E o que parece ser um
ato banal e de menor importância, é, na verdade, a porta de entrada a um “novo mundo” de oportunidades e
conexões.
Daí a brincadeira com
a expressão “sair do armário” ou, entrar num novo “armário” como preferir, caro(a) leitor(a).
Se autorreconhecer
como sendo um negócio de impacto, implica em algumas mudanças de identidade e, sobretudo, rumo.
De um lado, assumir
seu propósito (do fundador e da organização) como sendo algo chave na proposta de valor do
negócio. O que antes era algo “desejável”, passa a ser “vital”.
De outro, acessar um
novo repertório de ferramentas e conexões – aceleradoras, intermediários, investidores, narrativas, métricas, etc.
Isso reduz a energia
necessária para “inventar rodas” que ajudem a gerir e a expandir o negócio,
pois, a conexão com outros players e possíveis parceiros traz boas ofertas
nestes quesitos.
E quais os ônus que esta autodescoberta traz?
Vejo, ao menos, três:
1 – Necessidade de destinar tempo e energia para mergulhar mais fundo neste novo tema, compreendê-lo com mais profundidade e identificar possíveis sinergias e apoios que tenham fit com seu negócio. Se isso ocorre num ecossistema ainda em “desenvolvimento”, provavelmente demandará recursos financeiros para participação em eventos, em acelerações em SP (ou outro “centro” mais “desenvolvido” no tema).
Encare isso como investimento e não como despesa. Mas, atenção: como a oferta é crescente, é preciso ter muita clareza do que/onde participar.
2 – Precisa “catequizar” outros neste tema – equipes, parceiros e, especialmente, investidores. Talvez eles também não estejam antenados no assunto e precisarão de estímulo para “saírem do armário” também. Na medida em que o negócio estimula um “microecossistema” ao seu redor, aumentam suas chances de prosperar neste novo movimento.
3 – Sensação de solidão. Para nós que vivemos e estamos “fora do eixo”, em ecossistemas “em desenvolvimento”, é natural a sensação de “pregar no deserto” e de “solidão” ao não estar na zona sul de SP e ter acesso a ampla oferta de eventos, cafezinhos, conexões. Para este tipo de sentimento, a saída é seguir em frente e, sempre que possível, buscar esse “oxigênio” estando presencialmente em ecossistemas mais “desenvolvidos”. Sempre quando possível, claro.
Sem dúvida a internet também pode nos ajudar (e como!) a reduzir a distância e a disparidade entre esses ecossistemas e a nos deixar mais “por dentro” das novidades e tendências. Mas sempre é bom lembrar que nosso Brasil é gigante, repleto de diversidade regional e, portanto, há espaço para todos(as) neste “movimento”.
A água é um direito e um recurso natural valioso, muitas vezes utilizado como moeda. Conheça as relações que esse bem comum tem a ver com iniciativas de impacto social no Brasil na série de 2 reportagens especiais desse mês da Aupa.
A água é um direito social e pensar este recurso natural é também pensar sua política. Afinal, ter acesso à água – sobretudo, potável e ao saneamento básico–, são marcas socioeconômicas fundamentais em países como o Brasil, ainda mais quando o debate envolve brasileiros em situação de vulnerabilidade. Segundo dados do ministério das Cidades (2018), mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e 100 milhões não têm saneamento básico. Outro problema que aflige os brasileiros, diz respeito aos que tem acesso à agua, mas que seu consumo pode estar contaminado. Segundo levantamento, cerca de 25% dos municípios brasileiros registram contaminação com agrotóxicos.
É nesse mesmo cenário desigual e contraditório de acesso à água no país onde multiplicam-se iniciativas em busca de soluções. A partir de um mapeamento que extrapola o eixo Sudeste, a redação da AUPA procurou atores do ecossistema e produziu duas reportagens exclusivas sobre o acesso à água. Com base em exemplos de ações comunitárias, públicas e privadas – em âmbito local e nacional–, a editora Fernanda Patrocínio investigou o tema e trouxe para o debate a pergunta: qual o lugar dos negócios de impacto no debate público sobre o acesso à água?
As provocações e os exemplos você confere em duas partes:
“Entre os galhos retorcidos do sertão, há água. No solo árido, cresce o verde. Da sabedoria popular, nascem tecnologias sociais”. Este trecho faz parte da apresentação do Centro de Educação Popular e Formação Social, o Cepfs, que atua no Sertão, desde 1985. O objetivo da organização é buscar soluções para o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar no Semiárido brasileiro. “Algumas pessoas, que integravam essa associação, compreendiam a importância da organização como caminho para o desenvolvimento regional no fortalecimento da agricultura familiar rural local”, conta José Dias Campos, economista e coordenador executivo do Cepfs, organização, não-governamental e sem fins lucrativos, criada em 1989.
Diante do trabalho que relaciona a sabedoria popular com a tecnologia, Dias explica que a compreensão do conhecimento local é fundamental para o processo de desenvolvimento. “Para nós, as tecnologias sociais devem ser compreendidas como inovações frutos do processo de compartilhamento de saberes e conhecimentos já existentes. Assim, tecnologia social, saberes e conhecimentos tradicionais são componentes que caminham juntos ou um nasce do outro”, explica ele.
Oficina de agroecologia e geração de renda promovida pelo Cepfs na Serra de Teixeira, ao sul do sertão do estado da Paraíba
A água é uma pauta especial para o Cepfs. No Sertão, chove, em média, de 200 a 800 milímetros por ano – e a evaporação desta água é três vezes maior do que a quantidade de chuva que cai na região. “A água é fonte de vida, em todos os lugares, mas, no Semiárido, ela é mais preciosa ainda”, comenta o coordenador. O Cepfs oferece capacitações para o desenvolvimento de tecnologia sociais de captação, armazenamento e manejo de água de chuva. Dias elenca exemplos destas práticas, como construção de cisterna de enxurrada, os lajedos de pedras bem como barragens subterrâneas e barreiros-trincheiras. O primeiro passo no diagnóstico feito pelo Cepfs é sempre o ecossistema da família participante, para identificar quais práticas já são adotadas pelo agricultor, suas potencialidades aliadas à natureza, para, então, serem definidas ações que podem ser feitas com as tecnologias sociais.
Família beneficiada com cisterna do tipo enxurrada e sistema simplificado de irrigação na comunidade São Sebastião Cacimbas, na ParaíbaVisita de técnicos em área experimental dos Cepfs, Riacho das Moças, Matureia, Paraíba. Foto: Foto Renalle Benicio
A agricultura familiar é a referência de sabedoria popular adotada pelo centro. “É na agricultura familiar que está a fonte de conhecimentos e necessidades que precisam de suporte para promover inovações rumo ao desenvolvimento local”, diz Dias. O Cepfs atua em 10 municípios e em 116 comunidades da Paraíba, e até o final de 2018 impactou cerca de 95.480 pessoas por suas ações, sempre com dois eixos nos programas realizados: meio ambiente e desenvolvimento sustentável e fortalecimento e desenvolvimento comunitário. “Há o desenvolvimento comunitário por meio de processos de troca de saberes e conhecimentos, processos pelos quais nascem as inovações sociais”, comenta Dias.
O PROBLEMA NÃO É FALTA DE ÁGUA
O Serta (Serviço de Tecnologia Alternativa) é uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), fundada em 1989 por agricultores, técnicos e educadores, atuando, sobretudo, nos municípios do estado de Pernambuco. Com foco em educação e formação, promove atividades para que jovens, educadores e pequenos produtores rurais trabalhem no desenvolvimento sustentável no campo, tendo a água como uma de suas principais áreas de atuação.
A construção de cisternas no Semiárido é um projeto bastante desenvolvido pelo Serta. “É preciso ter um método e um estudo, não adianta construir a cisterna por construir. Nós identificamos as famílias, conversamos com elas, as capacitamos para que possam, além de captar água, aprender a utilizar este recurso natural”, conta Sebastião Alves dos Santos, também conhecido na região como Tião do Serta. Autodenominado como pesquisador da Caatinga, Santos é técnico em agropecuária e biólogo. Tião diz que, hoje, o projeto é a maior obra de engenharia hídrica do Semiárido. “Chegamos a um milhão e 200 mil cisternas já construídas no semiárido. Isso é bastante significativo na qualidade de vida das pessoas, sobretudo daquelas que vivem no campo”, afirma.
Tião do Serta: “O maior problema do Semiárido é a aridez mental, sobretudo da política, que não direciona políticas públicas que sejam capazes de responder à demanda do povo e aproveitar as oportunidades que o Semiárido oferece”. Foto: divulgação/Youtube/Rede Globo
Santos tem uma visão diferente sobre a Seca no sertão nordestino. “Temos o Semiárido mais chuvoso do mundo. Na nossa região, chovem, em média, 500 milímetros ao ano. Se olhar atentamente, o problema não é a falta de água, mas, sim, de matemática aplicada, pois se a escola ensinasse jovens e crianças que um milímetro de chuva em um metro quadrado corresponde a um litro de água, desde cedo aprenderíamos que é possível captar, para cada metro quadrado, 500 litros de água para um ano regular de chuva no Semiárido. E engana-se quem pensa que é pouco: isso é muito!”, calcula ele. “Discordamos de quem culpa a seca, pois a aridez do bioma não é, nunca foi e nem será um problema. A gente precisa aprender a conviver com essa aridez. O maior problema do Semiárido é a aridez mental, sobretudo da política, que não direciona políticas públicas que sejam capazes de responder à demanda do povo e aproveitar as oportunidades que o Semiárido oferece”, reclama. O Serta se define como uma organização sem representação política, mas que auxilia e incide na construção de políticas públicas. “Lamentavelmente, a gente encontra ainda pouco espaço no meio político para que essas propostas virem, efetivamente, ações que possam transformar as realidades locais. E eu estou me referido ao Semiárido como um grande e vasto campo que o governo brasileiro teria para atuar”, conclui.
AMAZÔNIA: SABERES LOCAIS
O saber das populações ribeirinhas da Amazônia também tem muito a nos ensinar a respeito de iniciativas da sociedade civil e políticas públicas sobre a água. O Projeto Saúde e Alegria – uma organização não-governamental fundada em 1987–, começou seus trabalhos ao lado de 16 comunidades-piloto da zona rural de Santarém, no Pará. Em 2003, este número subiu para 129 comunidades. “Com a ampliação, estendemos a atuação a praticamente todo o território da Floresta Nacional dos Tapajós, atingindo também comunidades da região do Assentamento Lago Grande – de Agro extração”, comenta João Carlos Dombroski, técnico de organização comunitária do projeto. Estas comunidades foram beneficiadas, na época, pelo projeto Saúde na Floresta, recebendo também incentivos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para ações, como o saneamento, os poços semiartesianos, as cisternas e os filtros.
Ação local realizada pelo projeto Saúde e Alegria
Segundo os responsáveis, o Projeto Saúde e Alegria já impactou entre 30 e 35 mil pessoas dentro das comunidades e na própria percepção de Carlos o modelo se encaixa atualmente nos moldes de um negócio de impacto social . “Trazemos ideias inovadoras em projetos que podem ser multiplicadas em outras comunidades. Trazemos também inclusão social, principalmente, pois são comunidades bem isoladas. Trabalhamos com questões como saúde, saneamento, renda e inclusão das mulheres na produção de artesanato”, elenca Dombroski, comparando as soluções escaláveis e a entrega do projeto para a população em situação de vulnerabilidade.
Um dos aspectos de impacto que evidencia o modelo de negócio está na geração de renda e trabalho com as mulheres com a criação de uma cooperativa. “É por intermédio desta cooperativa que há uma coordenação mais específica sobre a produção de artesanato e sua comercialização, tanto na região quanto fora dela”, explica o técnico. Além disso, há ainda geração de renda a partir do turismo comunitário e da comercialização de galinhas, abelhas e hortas. “Tudo isso impacta a renda das famílias. Vai além da renda direta, pois as famílias observam e aprendem novas técnicas, novos jeitos de trabalhar: um trabalho coletivo”, comenta ele. E vale ressaltar: organizados em cooperativas e associações, o valor dos produtos oferecidos [veja matéria sobre produção de queijos na Serra da Canastra] tende a ter maior valor agregado do que aqueles que comercializados por quem empreende sozinho.
“Tudo isso impacta a renda das famílias. Vai além da renda direta, pois as famílias observam e aprendem novas técnicas, novos jeitos de trabalhar: um trabalho coletivo”
E o que os saberes indígenas de um território de povos originários podem nos ensinar sobre ações de impacto social em relação à água? Dombroski, que atua há 25 anos no tema e na região, afirma que os aprendizados indígenas são essenciais na construção das soluções propostas pelo projeto, principalmente em relação ao saneamento básico comunitário. Hoje são mais de 40 comunidades com o sistema de abastecimento de água instalado, atendendo cerca de 3.400 famílias, ou seja, mais de 16 mil pessoas com água potável vindo da torneira de suas casas. “Se somarmos os trabalhos feitos na cidade e nas comunidades rurais, hoje são mais de 215 quilômetros de rede hidráulica”, se orgulha o produtor.
Outros destaques do Projeto são ações como a implantação de energia alternativa, energia solar, micro-usinas e a introdução de internet em localidades isoladas. “Nosso forte é o saneamento básico, com a inclusão social, principalmente, em torno de políticas públicas, que vão garantir saúde, saneamento e educação às comunidades”, pontua o sociólogo italiano Tibério Alloggio, que mora na Amazônia desde 1989 e é coordenador de desenvolvimento territorial – o sociólogo também já foi fellow da Ashoka. Essa conexão entre o projeto e o poder público é, inclusive, um dos grandes trunfos e resultados como modelo de negócio de impacto social. O Projeto Saúde e Alegria aproximou e influenciou as políticas públicas locais, como é o caso da implementação do programa de Saúde da Família Ribeirinhas e Fluviais, do Ministério da Saúde. “Ele surgiu da experiência do Projeto Saúde e Alegria, que levava assistência via barcos. O Ministério da Saúde gostou da ideia e hoje são mais de 60 barcos atendendo a população ribeirinha”, explica o sociólogo.
O projeto realiza ações e oficinas com a população local. Acima, imagens do “Teia Cabocla”
Como o próprio nome traduz, a metodologia utilizada nas atividades do Saúde e Alegria é uma proposta lúdica. “A alegria não tira a nossa seriedade. Ela serve para mobilizar, colocar temas dentro das comunidades de uma maneira mais fácil”, comenta Alloggio. A questão principal do projeto hoje é tornar a economia da floresta rentável para quem mora no território e gerar assim sustentabilidade financeira e ambiental juntos. “Estamos fazendo um esforço grande em relação a algumas cadeias produtivas, como o extrativismo da borracha, que entrou em crise. Hoje, a maioria da população tradicional aqui da Amazônia trabalha mais em torno da produção de farinha de mandioca. E usando uma alternativa ainda muito primitiva, que é o corta e queima”, explica ele. “O desafio é produzir um modelo que possa garantir sustentabilidade dos recursos e dos moradores”, completa, acerca de um novo mindset que demanda uma roça sem fogo e a restauração florestal.
Paralelamente às atividades de organização social, o projeto apoia ainda micro e pequenas empresas ligadas às atividades e às cooperativas. “Há um movimento para que tanto as famílias quanto os agroextrativistas saiam da informalidade – pois, se nela permanecerem, eles continuarão sendo vítimas de atravessadores”, destaca Alloggio. São alternativas como essas que transformam há décadas o Semiárido Nordestino e a região amazônica que hoje dialogam com o ecossistema de impacto e influenciam política públicas do estado brasileiro. Os saberes tradicionais se misturam com saberes econômicos mais contemporâneos e jogam luz para uma reflexão em como pensar a água como um direito e um recurso econômico sustentável e de grande impacto para todos nós.
(Na próxima reportagem, o exemplo da água AMA, da empresa Ambev e um sobrevoo sobre a água dentro das políticas do governo).
“A gente precisou mostrar para as empresas que acessibilidade é uma oportunidade.” Ronaldo Tenório demorou para encontrar o equilíbrio entre ser “missionário” e “mercenário”, como ele próprio costuma dizer. CEO e fundador da Hand Talk, Ronaldo enfrentou o desafio de trabalhar em uma empresa charmosa e com uma causa forte: um tradutor de libras digital para a inclusão de surdos na sociedade. Porém o faturamento não vinha. Potenciais clientes da sua solução viam a Hand Talk apenas como mais um projeto legal, mas demoraram a entender que poderiam contratar seu serviço. A virada veio com uma mudança de mentalidade: falar menos da causa em si para aprender a se vender melhor, enquanto negócio. “Se o negócio for escalável, ganhar dinheiro e gerar impacto é a melhor forma! A turma do bem sempre tem que trabalhar de graça?”, questiona.
A Banca ajudou a transformar o Jardim Ângela, em São Paulo, e fomenta o tema de empreendedorismo social nas periferias. Mas um deslize burocrático quase pôs tudo a perder
“De fato tomei um chapéu de burocracia por não me atentar aos prazos.” O depoimento de Marcelo Rocha, o DJ Bola, poderá não ser uma novidade para muitos empreendedores que já se enrolaram por alguma questão jurídica ou burocrática da empresa. Fundada por Bola, A Banca nasceu em 1999 como um movimento de música, cultura e educação popular no bairro do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Com o tempo, o movimento se reconheceu enquanto negócio social e, atualmente, tem CNPJ de associação e título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Porém, mesmo depois de passar por tantas orientações, um dos deveres requeridos dessa razão social acabou passando batido, o que cobrou um custo alto. “Não podíamos sacar, receber, emitir nota ou fechar novos negócios.”
A Empresa
A Banca nasceu como movimento muito antes de qualquer noção sobre empreendedorismo social chegar no Jardim Ângela. Era um tempo particularmente difícil para o bairro, que, em 1996, foi considerado pela ONU como o mais violento do mundo. Diante de um desafio tão grande, A Banca surgiu como um movimento juvenil que sonhava viver de hip-hop e usá-lo como ferramenta de cidadania e educação. “Nós não tínhamos acesso a muitos livros”, relembra Bola. “Meus livros foram meus discos. Racionais MC, Sabotage, Sistema Negro e tantos outros.”
A falta de grana, porém, sempre foi um problema. No início, já com uma pegada de produtora musical, A Banca segurava as pontas e pagava as contas realizando eventos de música no comércio local. Somente em 2007 houve uma virada. O ainda movimento participou de um programa chamado Expedição Jovens Empreendedores, da Artemísia, que buscava dar mentoria e oportunidades para iniciativas juvenis das periferias.Naquela época, A Banca começou a se entender como negócio social.
“Não queríamos que nosso sonho morresse por falta de grana”, relembra Bola. “Foi quando a gente virou a chave para montar um plano de negócios. A gente se ligou no significado do que é empreendedorismo e eu pensei: ‘Mano, isso eu já sou há quinze anos ali na quebrada’.”
Atualmente, A Banca atua em três frentes para manter-se financeiramente. O primeiro continua sendo o braço da produtora musical, que leva arte, música e cultura da quebrada em eventos pela cidade. O segundo é um programa desenvolvido para escolas, universidades e fundações que convida jovens de outras regiões a se confrontar com a realidade da periferia. Por fim, o braço mais recente é a Aceleradora de Negócios Periféricos, que já está na sua terceira turma de negócios acelerados dentro da periferia.
O Erro
Na época de profissionalizar o trabalho d’A Banca, Bola e sua equipe optaram por um modelo jurídico de associação, em vez de um CNPJ de empresa ou de ONG. O modelo permite a realização de atividades econômicas para manter ou ampliar seu patrimônio, mas não autoriza a geração de lucro para seus associados. Por não ter fins lucrativos, goza da imunidade de impostos.
Para criar uma associação, é preciso criar um estatuto social, com a assinatura de dirigentes e associados, que deve ser renovado a cada mandato de quatro anos. Foi aí que a coisa ficou venenosa. No fim do primeiro mandato, em 2011, Bola e seu time não atentaram para os prazos de renovação. “A gente não se ligou”, relembra. “E isso bloqueou toda nossa movimentação financeira. A gente não podia mais emitir nota fiscal. Tínhamos até entregue um trampo, mas não podíamos receber dinheiro na conta.”
Isso não é necessariamente o fim do mundo. Mas burocracias levam tempo para ser resolvidas. Na prática, A Banca ficou sem seu estatuto nos trinques por quarenta dias. Mais de um mês, portanto, sem poder mexer no próprio dinheiro. Sem, inclusive, tirar d’A Banca a renda que mantinha as famílias em torno dela. “Eu tinha acabado de ganhar a minha filha. Tivemos que recorrer à família e aos amigos, pedindo grana emprestada para poder ter o mínimo para sobreviver.”
A Solução
Talvez pareça um erro bobo, mas uma comida de bola dessa, que qualquer um poderia ter cometido, pode colocar tudo a perder. Marcílio Guedes Drummond é advogado especializado em atender startups e alerta para a importância de estar por dentro dos deveres legais de um negócio, seja de qualquer tipo de razão social. “O empreendedor precisa entender que as normas são as regras do jogo”, avisa o advogado. “O descumprimento delas geralmente ocasiona alguma punição ou impedimento. Inclusive o empreendedor deve estar atento aos detalhes jurídicos para saber quais riscos corre, caso decida ignorar ou cumprir algum ponto.”
Em se tratando especificamente de associações, Marcílio conta que é comum encontrá-las em irregularidade por não manter seus estatutos e atos societários atualizados. Um modo de organizar a casinha, segundo o advogado, é reforçar a regularidade de assembleias gerais ordinárias a cada ano, de forma a manter uma cultura de transparência, e a cada quatro anos, para realizar eleições.
No caso d’A Banca, a estratégia foi mesmo se precaver quanto aos prazos para não perdê-los de novo. O tema jurídico e administrativo acabou ficando mais importante: hoje há uma sede d’A Banca só para assuntos criativos e outra que cuida apenas da papelada.
Buscar ajuda profissional de um advogado pode ser um diferencial. “Eu sinceramente indico auxílio jurídico desde o início das atividades”, aconselha Marcílio. “Mas para startups e negócios sociais é preciso buscar um profissional com mentalidade moderna. O serviço de mentorias, normalmente mais em conta, podem ser bons para essas demandas por serem mais flexíveis.”
Os Desafios
Hoje, principalmente com o braço de aceleradora, A Banca assumiu a missão de fomentar o tema de negócios sociais e negócios de impacto na periferia. Atualmente, é vista como referência para quem buscar entrar em contato com esses conceitos ou por quem começar um negócio na quebrada.
Para continuar atuando, Bola diz que o desafio é ampliar o networking e continuar levando a voz da periferia para o centro, fazendo pontes, de forma a ter acesso a novos clientes e a novos recursos.
“O mercado de captação para a periferia sempre foi zero. A gente não conhece essas pessoas que estão na tomada de decisão para fazer esse investimento com retorno”, relata. “Mas a gente acredita que tem uma transformação. Na nossa equipe, com meus filhos, com os filhos dos meus manos e também as pessoas que participam das nossas atividades. Todos trazem como é importante ter essa troca em diferentes realidades.”
A Hand Talk foi pioneira ao criar uma solução digital de acessibilidade a deficientes auditivos. Mas demorou para que os potenciais clientes a vissem como um negócio, e não como filantropia.
“A gente precisou mostrar para as empresas que acessibilidade é uma oportunidade.” Ronaldo Tenório demorou para encontrar o equilíbrio entre ser “missionário” e “mercenário”, como ele próprio costuma dizer. CEO e fundador da Hand Talk, Ronaldo enfrentou o desafio de trabalhar em uma empresa charmosa e com uma causa forte: um tradutor de libras digital para a inclusão de surdos na sociedade. Porém o faturamento não vinha.Potenciais clientes da sua solução viam a Hand Talk apenas como mais um projeto legal, mas demoraram a entender que poderiam contratar seu serviço. A virada veio com uma mudança de mentalidade: falar menos da causa em si para aprender a se vender melhor, enquanto negócio. “Se o negócio for escalável, ganhar dinheiro e gerar impacto é a melhor forma! A turma do bem sempre tem que trabalhar de graça?”, questiona.
A Empresa
A Hand Talk é um dos cases queridinhos do ecossistema de empreendimentos de impacto no Brasil. O primeiro motivo foi seu pioneirismo. Em 2012, Ronaldo e seus sócios Carlos Wanderlan e Thadeu Luz desenvolveram um aplicativo de celular que traduz e ensina libras, a linguagem de sinais brasileira. O projeto inicial nasceu quando Ronaldo, ainda na faculdade, cursando Ciências da Computação, havia bolado o app como projeto acadêmico.Pouco tempo depois, em 2013, a solução havia ganhado um prêmio da ONU como um dos melhores negócios sociais do planeta.
O aplicativo é gratuito e continuará sendo. O modelo de negócios da Hand Talk é construído em torno de uma extensão instalável em navegadores. Por meio dela, o tradutor digital de sinais, Hugo, interpreta textos de sites na internet. Essa solução, especificamente, é um serviço vendido a empresas que desejam comunicar-se com o público surdo do Brasil – um total de 10 milhões de pessoas, segundo o Censo 2010 do IBGE.
Ao longo desses anos, a Hand Talk passou por processos de aceleração e mentoria importantes, como Quintessa, InovAtiva Brasil e Endeavor. Segundo Ronaldo, nos últimos dois anos, a empresa cresceu impressionantes 200% ao ano, alcançou mais de 2 milhões de downloads do app e tornou acessíveis mais de 5 mil sites. Entre seus clientes estão Maxmilhas, Magazine Luiza, Azul Linhas Aéreas, Natura, Samsung e BNG Pactual.
O Erro
Parece difícil de acreditar, mas, apesar do pioneirismo, a recepção à solução da Hand Talk não atraiu dinheiro logo de cara. Ronaldo conta que, no princípio, o jeito de sustentar o aplicativo rodando gratuitamente foi o de buscar empresas para que elas contratassem o serviço do tradutor. Em um primeiro momento, o foco foi chegar a negócios de pequeno e médio portes em modelos de assinatura mensal. Porém não demorou para entender que essas empresas não sentiam a dor de ter que alcançar surdos e nem tinham verba.
“No primeiro mês que apertar, um restaurante corta o serviço do site. A gente apostava mais nos planos via cartão de crédito. Só que vimos que o caminho não era por ali. Não tínhamos fechado nenhum grande case. E a grana do investimento anjo estava acabando”, recorda-se Ronaldo. “É nessa hora que o empreendedor fica criativo: quando o dinheiro acaba.”
Mas, mesmo ajeitando o foco, ainda haveria uma montanha a ser escalada: levar as pessoas a entender como sua solução beneficiaria seus clientes. “A gente percebeu que estávamos pendendo muito pro lado da causa. Falávamos nas reuniões sobre os surdos, como eles eram desprovidos de acesso, como se pedíssemos ajuda para os clientes. Mas a empresa que não é social não entende isso”, analisa. “Eles até se emocionavam nas reuniões, me abraçavam, porém iam embora e não fechavam nenhum negócio.”
O tempo foi passando, o dinheiro foi acabando, e a Hand Talk se viu muito próxima de baixar as portas caso não conseguisse atrair a clientela. A empresa ficou na UTI, respirando graças a uma bolsa de desenvolvimento científico vinda do governo federal. Os sócios pararam de retirar seu pro labore. O fundo do poço estava muito perto.
A Solução
Como ganhar dinheiro e mudar o mundo? A pergunta movimenta o ecossistema de impacto há tempos. No caso da Hand Talk, vender diretamente para o beneficiário iria gerar um conflito com a intenção de impacto, pois o preço poderia ser uma barreira ao acesso ao app. Vender para empresas, então, seria mesmo o melhor caminho a ser seguido.
“Quanto mais serviços vendidos a empresas, mais faturamento, mais lucro gerado, mas também novos conteúdos e espaços acessíveis aos surdos”, relata Anna de Souza Aranha,diretora de aceleração da Quintessa, por onde passou a Hand Talk no início da jornada. “Além disso, percebemos que havia necessidades reais do lado das empresas que a Hand Talk poderia suprir, como entrada em novos mercados.” Só que, dessa feita, em vez de pequenos e médios negócios, a Hand Talk miraria alto e venderia para grandes corporações – que, afinal, têm verba para investir em acessibilidade.
Falar em oportunidades era a chave. O Hugo permitiria que as empresas falassem com 5% da população brasileira que poderia comprar seus produtos. Além disso, os riscos de compliance para as companhias seriam reduzidos e as multas fixadas pela Lei Brasileira de Inclusão (n. 13.146/2015) para quem não possui sites acessíveis seriam evitadas. Ronaldo precisou aprender a trazer a ênfase para esses benefícios. Assim, finalmente, aprendeu a “se vender”, no melhor dos sentidos.
“A mudança no jeito de nos posicionarmos fez a gente amadurecer no mercado. Em 2014 falava-se pouco sobre acessibilidade. A gente mesmo ajudou a criar essa onda e acabamos nos aproveitando dela”, conta. “A gente diz para as empresas que quem não tiver acessibilidade está de fora.”
Para Anna, não existe fórmula única para equilibrar a causa com a busca por faturamento em um negócio de impacto. Mas o segredo pode estar em um olhar mais frio e racional para o modelo de negócios, de modo a entender o que de fato ele oferece como proposta de valor. “A Hand Talk mostrou que solucionar uma demanda social tinha correlação com solucionar necessidades de negócio não atendidas das empresas, alinhando geração de lucro e impacto”, conclui.
Os Desafios
Com a casa arrumada, Ronaldo e sua equipe estão em uma fase de levar o Hugo para fora do país e ganhar em dólar. A Hand Talk pode facilmente ser desenvolvida em outras línguas. Por isso mesmo, estão abrindo escritórios nos Estados Unidos, expandindo a equipe e buscando escalar novos clientes. “Eu tinha até um pouco de receio antes. Como se em um negócio de impacto fosse proibido ganhar grana. Não, cara!”, conclui Ronaldo.
“Eu estava começando um negócio a partir de uma ideia. Mas um negócio deve começar para resolver problemas.” Henrique Castan já tinha 36 anos e muita experiência enquanto executivo quando fundou com sua irmã, Natalia, a Nutriens. A empresa nasceu para democratizar e popularizar o acesso a alimentação orgânica no país, principalmente entre faixas da população de menor renda. Porém, antes de se tornar o que é, a Nutriens teve de passar pela prova de fogo de sobreviver à vaidade, principalmente do seu fundador. Como ele mesmo disse, começar no empreendedorismo social partiu de uma solução, que, para Henrique, parecia maravilhosa. Se tivesse insistido nela, a Nutriens nem chegaria até aqui. “Às vezes aquela ideia aparentemente perfeita que vem da cabeça do fundador pode não ser a melhor. Aliás, ela não é a melhor”, conclui Henrique.
“Tem que testar pequeno para depois fazer a rolagem.” Simples assim. Gustavo Fuga aprendeu de modo até um pouco pitoresco qual é, às vezes, o limite do ímpeto disruptivo que o levou a criar a 4you2. A escola de idiomas nasceu em 2012 com o sonho de democratizar o acesso ao ensino de inglês usando de tecnologia para baratear seus custos. O foco está em alcançar principalmente a população de baixa renda. E tem dado certo: são mais de 10 mil estudantes desde o início da operação em cinco unidades espalhadas pela cidade de São Paulo. Recentemente, porém, na tentativa de digitalizar os processos, a escola optou por enviar os boletos de pagamento para os clientes por e-mail. “Foi quando a galera começou a não pagar”, resume Gustavo.
O crescimento é uma situação comum a muitas organizações do setor de impacto socioambiental que conseguiram testar seu modelo e empacotar sua solução ir à rua vender. Resultado: conseguiram parar de pé e, melhor, identificaram oportunidades de crescimento, novos produtos, ampliação da carteira de clientes, novos mercados e outras possibilidades no radar.
Encarando esse “bom problema” o tão sonhado momento de ‘escalar’ bate à porta da organização, mas ele traz consigo alguns ‘transtornos’ a seus líderes e fundadores. A meu ver há 5 questões a serem enfrentadas:
1. Cultura
• A organização cresceu rápido demais e muita gente já não sabe mais o nome da galera! • Como lidar com a sensação de perda de identidade organizacional? • Será que nossa organização contratou gente desalinhada com a cultura? • Será que a cultura está mesmo consolidada? Detalhe: culturas organizacionais são dinâmicas e, faça chuva ou sol, sofrerão modificações. É preciso lidar com isso e fomentar mudanças culturais que sejam alinhadas ao crescimento que se almeja.
2. Financiamento
• Onde a organização buscará recursos para alavancar seu crescimento? Quais as fontes? • O que esse recurso trará junto? Novos sócios? Prestação de contas? Externalidades negativas? Casa própria como garantia? • Fundadores e líderes estão preparados e dispostos a lidar com esse ‘pacote’? Sim, noites mal dormidas, certamente, farão parte deste enredo.
3. Liderança e times
• Novos líderes conseguem deixar para trás suas funções operacionais? Conseguem assumir-se como líderes? • Fundadores conseguem desapegar da operação para, enfim, liderar? • Há condições de reter bons talentos da equipe?
4. Referências
• Há benchmarkings possíveis: poupem neurônios e tempo da organização na identificação de um modelo de crescimento ‘de prateleira’? Isso existe? • Quais seriam as “não referências” que a organização não quer seguir? O exercício às avessas pode ser interessante e permitir trazer à mesa pontos relevantes para a reflexão sobre queremos crescer “a qualquer custo”, mas a qual custo?
5. Arrumação da casa
• É preciso preparar o terreno e arrumar a casa para crescer: a organização já tem esse quadro traçado? …preparar pessoas, dispor de espaço e ferramentas adequados, repensar conselho e governança, etc. • Aqui, não há como fugir do famoso ditado “é preciso trocar o carro com o pneu andando”, mas o mais importante é que o carro siga na direção correta.
Para fechar
Escalar e crescer não devem ser encarados como algo mandatório que toda organização de ‘impacto’ precisa trilhar. É o que mais se ouve no setor de ‘impacto’. Questionar a “não escala” soaria como uma insanidade para muitas organizações, mas esse é o caminho a seguir.
Para outras
Escalar pressupõe refinar mais a profundidade do impacto gerado do que sair ampliando mercados, adotar ferramentas tech ou abrir filiais, mas essa prosa fica para outro momento…
O sonho de Henrique Castan, da Nutriens, era popularizar a alimentação orgânica e saudável no Brasil por meio da Nutriens. Mas, para alcançá-lo, teve de domar seu orgulho
“Eu estava começando um negócio a partir de uma ideia. Mas um negócio deve começar para resolver problemas.” Henrique Castan já tinha 36 anos e muita experiência enquanto executivo quando fundou com sua irmã, Natalia, a Nutriens. A empresa nasceu para democratizar e popularizar o acesso a alimentação orgânica no país, principalmente entre faixas da população de menor renda. Porém, antes de se tornar o que é, a Nutriens teve de passar pela prova de fogo de sobreviver à vaidade, principalmente do seu fundador. Como ele mesmo disse, começar no empreendedorismo social partiu de uma solução, que, para Henrique, parecia maravilhosa. Se tivesse insistido nela, a Nutriens nem chegaria até aqui. “Às vezes aquela ideia aparentemente perfeita que vem da cabeça do fundador pode não ser a melhor. Aliás, ela não é a melhor”, conclui Henrique.
A Empresa
A Nutriens é um negócio de impacto social jovem. Sua fundação é de setembro de 2018. Todavia, a ideia da empresa foi gestada assim que sua filha mais velha, Júlia, hoje com cinco anos, passou a habitar o ventre da mãe. Durante a gravidez da esposa, Henrique passou a prestar mais atenção na alimentação e foi descobrindo alguns problemas crônicos brasileiros em relação ao tema. No mesmo país, 18,9% da população brasileira é obesa, enquanto 2,5% está desnutrida – número mantido estável desde 2007. Um paradoxo brutal!
“Eu quero que todo mundo tenha acesso a um alimento orgânico e saudável.” E foi com esse desejo que Henrique adotou um modelo de assinatura de cestas de frutas, legumes e vegetais fornecidos por pequenos produtores de orgânicos a partir de R$ 37,36 mensais. Outra sacada é a chamada “espiral do bem”. Para garantir que os alimentos cheguem a preço acessível também às periferias e comunidades, aplicou-se um sistema de revenda: pessoas desses locais poderiam vender as assinaturas nas suas vizinhanças e levar 30% dos lucros, bem como ganhar 30% de desconto nas suas próprias compras.
Em fins de 2018, a Nutriens passou pelo processo de aceleração da Artemísia. Faturam, atualmente, cerca de R$ 20 mil mensais. No total, a empresa conta com 120 assinantes das cestas e trinta revendedores.
O Erro
Henrique não nasceu ontem. De acordo com estudo do Sebrae, a GEM 2017, 57% dos empreendedores têm entre 18 e 34 anos. Um pouquinho acima dessa média, Henrique já tinha conquistado uma carreira sólida enquanto executivo de planejamento e marketing em grandes corporações. Foi dos frutos dessa carreira, inclusive, que veio o capital semente da Nutriens. Com esse histórico, era de se imaginar que fazer a transição para empreendedor também seria um sucesso. Foi o que ele imaginou no primeiro momento. “Na hora em que comecei a tirar a ideia do papel, meu choque foi descobrir que eu não tinha conhecimento para isso”, revela Henrique.
Foi um tapa na cara. Antes, a Nutriens se chamava Mercado Vivo. Henrique imaginava que o problema da alimentação, sobre o qual ele estava estudando havia alguns anos, era uma questão cultural. Bastaria que as pessoas entrassem em contato com o alimento de uma maneira diferente para começar a comer melhor. “Eu sou do interior, sempre sonhei com essa coisa de colher a comida do pé, sabe?”, comenta. O Mercado Vivo seria, então, um mercado mesmo, onde as pessoas pudessem colher o próprio o alimento e comprá-lo. Uma ideia mirabolante que ofereceria uma experiência ao consumidor, inspirada em modelos de hortas urbanas nos topos dos prédios de São Paulo.
Hoje o próprio Henrique percebe o quanto essa ideia era inviável. “Exigiria um alto custo para manter um mercado assim, a começar pelo aluguel em uma cidade como São Paulo. Isso encareceria o alimento e o manteria elitizado, sendo acessível apenas aos poucos que podem pagar”, reflete. Mas esse é o Henrique com a cabeça de hoje. Naquele tempo, ele tinha certeza absoluta de que a ideia era genial. Foi preciso um estalo para se dar conta do que ocorria. Em um curso sobre design thinking, ele fez o pitch do Mercado Livre para outros onze colegas de sala. O objetivo era que alguém viesse trabalhar com ele no desenvolvimento do plano. Para sua surpresa, ninguém se disponibilizou. Ninguém acreditou no seu projeto. “Eu me lembro muito bem daquele dia. Estava chovendo e eu voltei para casa chorando”, recorda-se. “Se não havia interesse algum pela minha ideia é porque algo estava muito errado.”
A Solução
Logo no início da trajetória de um negócio, a fase de ideação pode ser fatal. Uma ideia fora do lugar, com pouco embasamento ou sem contato com o problema real que ela quer resolver, levará a empresa a um fim precoce. Não se pode fazer de qualquer jeito.
A motivação por trás da Nutriens tinha e ainda tem razão de ser. Segundo o estudo Tese de Impacto Social em Alimentação, da Artemísia, há oportunidades para negócios que atuem para tornar acessível alimentos orgânicos de modo a incorporá-los principalmente na dieta entre pessoas de vulnerabilidade e baixa renda. De acordo com Dorly Neto, da equipe de aceleração da Artemísia, a Nutriens se encaixa nessa descrição.
Porém, para chegar a esse modelo, Henrique teve de dar dois passos para trás e, primeiramente, entender que o alto do conhecimento acumulado ao longo dos anos era, para esse novo contexto, só vaidade. “Tive que descontruir aquela ideia formatada, tão certa, tão perfeita”, comenta. “Eu estava tão cheio de mim mesmo que não percebi o quão falha era a minha ideia.”
Depois, foi preciso voltar a estudar e a pesquisar para entender que o problema da alimentação no Brasil se baseia na solução de um complicado tripé: acesso, preço e conveniência. Ou seja, alimento saudável, barato, fácil e próximo do consumidor. Já na aceleração, Henrique foi incentivado a aprofundar essa percepção para chegar ao modelo de negócios. “A Nutriens foi estimulada a amadurecer o conhecimento dos seus clientes e usuários, quais são suas dores e como o negócio irá ajudar a mitiga-las de fato”, afirma Dorly. “Suposições iniciais tendem a mudar ao longo da trajetória, e para isso é preciso sempre estar aberto a ouvir e adaptar as ideias iniciais para entender a fundo o que o cliente e o usuário precisam.”
Os Desafios
Agora o desafio é crescer. Trabalhar com alimentação pode ser complicado, ainda mais em um setor que tem uma margem de lucro pequena – principalmente quando o objetivo é mesmo ter um produto barato – e, por isso, precisa vender em grande volume. Ainda assim, Henrique acredita que atingirá o equilíbrio entre o que entra e o que sai em junho deste ano e fechará 2019 com um faturamento de R$ 2 milhões.
A 4you2 busca democratizar e inovar o ensino de inglês. Para inovar, porém, é preciso se certificar de que o público consegue acompanhar suas novidades.
“Tem que testar pequeno para depois fazer a rolagem.” Simples assim. Gustavo Fuga aprendeu de modo até um pouco pitoresco qual é, às vezes, o limite do ímpeto disruptivo que o levou a criar a 4you2. A escola de idiomas nasceu em 2012 com o sonho de democratizar o acesso ao ensino de inglês usando de tecnologia para baratear seus custos. O foco está em alcançar principalmente a população de baixa renda. E tem dado certo: são mais de 10 mil estudantes desde o início da operação em cinco unidades espalhadas pela cidade de São Paulo. Recentemente, porém, na tentativa de digitalizar os processos, a escola optou por enviar os boletos de pagamento para os clientes por e-mail. “Foi quando a galera começou a não pagar”, resume Gustavo.
A Empresa
O modelo de negócios da 4you2 é muito simples: oferecer cursos de inglês. Por conta do foco em baixa renda, o esforço da empresa foi conseguir fornecer um curso de qualidade ao preço mais acessível do mercado. Atualmente, o estudante desembolsa R$ 79,90 por uma hora semanal de aula. Mas a inovação não está só no preço. De um lado, a sacada foi trazer gringos para dar aulas no Brasil, em uma experiência de intercâmbio cultural. De outro lado, Gustavo e a 4you2 se empenharam em digitalizar o ensino para criar aulas dinâmicas e personalizadas. Exercícios de gramática, por exemplo, são feitos por meio em um aplicativo, sem nenhum custo extra. Com isso foi abolidoo material didático que encarece outros cursos no mercado.
Sua história começou quando, aos 18 anos, Gustavo iniciou o curso de Economia na Universidade de São Paulo (USP). Natural do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, a família de Gustavo não pôde oferecer a ele acesso a um curso de inglês. E as consequências disso vieram na faculdade, que exigiu dele toda uma literatura baseada em língua estrangeira. A solução encontrada foi inscrever-se para hospedar, em sua república, estudantes de outros países. No contato com eles e no diálogo, aprendeu tanto sobre outras culturas quanto a falar inglês.
O Brasil ocupa a 53ª posição no mundo no ranking de proficiência em inglês, considerada baixasegundo a edição de 2018 do Índice de Proficiência em Inglês. Do total da população, 95%simplesmente não domina a língua e apenas 1% é considerada fluente. “O que me motivou a criar a 4you2 foi um idealismo absurdo, uma vontade de mudar o mundo”, recorda Gustavo.
Sem investidores ou nada do tipo, Gustavo abriu a primeira escola da 4you2 no Capão Redondo, bairro onde desenvolvia trabalhos voluntários. “Foi a loucura mais acertada que já fiz na vida.Eu não tinha experiência, não tinha grana, não falava inglês… Mas essa loucura às vezes é necessária”, avalia sobre si mesmo.
O Erro
Existem loucuras necessárias que funcionam, apesar de tudo apontar para o contrário. E existem loucuras necessárias que simplesmente não dão certo. Foi em 2017 que a 4you2 avançou no sentido de criar soluções digitais para seus estudantes, o que permitiu não só dinamizar as salas de aula, mas reduzir a folha de custos da própria empresa.
Uma das mudanças que Gustavo julgou fundamental foi abandonar o sistema de carnês impressos para cobrança da mensalidade em favor do envio de boletos por e-mails. A razão por trás disso faz todo sentido: ganhar tempo, economizar recursos e dar praticidade à relação com os estudantes. Não foi preciso pensar duas vezes para colocar a ação em prática. De um mês para o outro foi feita a migração para o digital.
“A gente decidiu rápido. Só depois percebemos que 30% dos alunos não abriam e-mail. O cara não via, nem sabia o que era”, relembra Gustavo. Com isso, o índice de inadimplência, que sempre foi mínimo ou zero, começou a subir. As pessoas foram parando de pagar porque não tinham o hábito de checar e-mails. Porém demorou para notarmos o real motivo da falta de pagamentos, o que começou a levar a um rombo no caixa.
“Foi uma inovação que a gente fez com a melhor das intenções”, opina Gustavo. “Mas trocar o hábito de alguém leva tempo, e aquele era um tempo que a gente não tinha. Não pedimos o feedback das pessoas.” Ele reconhece que não criou canais de comunicação com seus clientes não só para entender seus hábitos, mas para ouvir deles o que melhor os atenderia.
A Solução
O dinheiro que possibilitou parte da criação de soluções digitais na 4you2 veio de um empréstimo realizado pela Sitawi Finanças do Bem. A gerente de Finanças Sociais da instituição, Andrea Resende, acompanhou o caso da empresa e conta como pode ser fácil para um negócio se desconectar de seus clientes quando se concentra nos seus próprios processos.
“Fazer uma gestão da mudança é fundamental, olhando quais os principais efeitos e riscos que aquela inovação pode trazer”, explica Andrea. A solução para evitar riscos como esse, segundo ela, é inserir validações em diferentes pontos do processo ou escolher grupos de clientes para entender mais a fundo o que aquela mudança pode representar para eles.
“A mensagem aqui e nos processos de inovação em geral é sair do escritório e ir conversar e entender mais profundamente as dores e os comportamentos do cliente”, conclui Andrea.
No caso da 4you2, a primeira ação foi remediar o ocorrido. Gustavo e sua equipe buscaram os “inadimplentes” para explicar o ocorrido e se surpreenderam com a forma compreensiva com a qual foram recebidos. Com isso, parte dos pagamentos foi recuperada, mas parte acabou se perdendo. O segundo passo foi abrir para os estudantes opções de pagamento, que englobam tanto o e-mail quanto o velho carnê.
De todo modo, a 4you2 entende que é preciso, sim, continuar avançando na migração para o digital, mas não sem ouvir as pessoas antes.
Os Desafios
Numa outra fase que se inicia, Gustavo quer prestar atenção em partes do processo da sua empresa que antes ficavam em segundo plano. É claro que o sonho é continuar expandindo e abrir novas unidades em São Paulo e no Brasil. Mas a preocupação com a equipe, por exemplo, passará a fazer parte das prioridades no sentido de contratar mais pessoas que tenham a veia do impacto e do propósito do negócio.
“Quando você resolve criar uma empresa sem investimento, o nível de priorização tem que ser muito maior. Deliberadamente, você tem que deixar de olhar para algumas coisas. Eu tive que deixar as coisas dar ruim”, analisa Gustavo. “Durante muito tempo você tem essa postura de herói, de querer fazer tudo. Hoje, envolver mais pessoas, estudar e entender os riscos é mais maduro.”