Adélia Rodrigues, fundadora e sócia do Gastronomia Periférica, é a convidada do oitavo episódio da série “O que não te contaram sobre impacto?” do AupaCast.
Nordestina, nascida no Maranhão e periférica, Adélia brinca que sua história é um “Fruto de várias andanças”. A razão de tantas andanças era o trabalho de sua mãe em uma ONG (Organização Não Governamental) – vale dizer que a matriarca e a família materna de Adélia eram de Brasília. Por fim, desembarcou em São Paulo – mais precisamente, no bairro Jardim Boa Vista, na Zona Oeste paulista. “Quando cheguei em São Paulo, tinha muito sotaque, porém isso me incomodava. Também tinha o bullying (prática repetitiva de atos de violência física e psicológica) de crianças e não era fácil de lidar. Fui uma criança mais calada e, como consequência, me dediquei às leituras e aos estudos. Queria me colocar de outra forma”, relata. A paixão pelos livros a levou à Psicologia, onde tem Graduação, depois começou a atuar em projetos sociais.
Por oito anos, trabalhou na Fundação Julita, organização social que atua no Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, há mais de 60 anos. “Eu tenho a Zona Sul em meu coração, eu amo. Trabalhava com juventude, a faixa etária que gostava (de trabalhar) e dizia que ‘ninguém queria, eu queria!’. Eles têm um perfil que demanda o diálogo e o debate, você precisa trazer pontos verdadeiros. Você não consegue ludibriar um jovem, precisa estar junto e vivenciar o processo. Foi importante participar desse trabalho”, acrescenta. Foi na mesma ONG que conheceu o chef Edson Leite, um dos educadores no programa de juventude que Adélia coordenava. “Nossos pensamentos em relação à alimentação se cruzavam. A Psicologia diz que o afeto vem do alimento, por outro lado acredito que tudo é político. O que é plantado e o que não é, o que é valorizado e o que não é, enquanto que a comida tem a ver com noções políticas, inclusive, de colonização”, explica.
O negócio
A Gastronomia Periférica é uma empresa-escola de gastronomia para moradores da periferia da cidade de São Paulo. Fundado em 2018, o negócio de impacto oferece também serviços de consultoria, refeições coletivas e um aplicativo de delivery homônimo para restaurantes locais. “Como nascemos com pouca grana, já tínhamos desde o início a ideia de oferecer serviços para custear a nossa escola e oferecê-la de maneira gratuita para quem é periférico”, ressalta. Segundo Adélia, a sevirologia da iniciativa foi a solução para um modelo de negócio mais amplo, fugindo do modelo tradicional de organização social, onde teria limitações financeiras e de execução, como ter uma sede física, por exemplo.
A noção de ser um negócio de impacto socioambiental veio através da conexão com A Banca, organização do Jardim Ângela, também da Zona Sul, que promove a agenda dos negócios de impacto periféricos (NIPs). “Eles foram muito importantes nesse processo de consciência. Começamos a nos identificar (com as características) e dar um checklist em tudo. Nos inscrevemos na primeira turma da ANIP (Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia, braço da A Banca), porém não passamos e a resposta foi muito boa. Entendemos que precisávamos organizar melhor alguns aspectos (do negócio), antes de ‘jogar para o mundo’. Quando voltamos, no segundo ano, conseguimos entrar e, a partir dali, entendemos o tamanho do nosso trabalho”, enfatiza.
O desafio e as soluções
Os serviços de catering prestados em eventos custeavam o negócio e suas aulas no início. Com a chegada das restrições impostas pela pandemia da Covid-19, o investimento de empresas no projeto se tornou a principal fonte de recursos. “As marcas entenderam o quanto é importante (o apoio). Não só as áreas sociais, mas a área de marketing inclusive, o quanto é uma relação ganha-ganha. Eu invisto neste negócio e, ao mesmo tempo, tenho visibilidade e oportunidade de contratar estudantes formados por eles”, comenta. Atualmente, quatros organizações apoiam as iniciativas do negócio, entre elas, a Fundação Tide Setubal.
Sobre o tabu das relações positivas e negativas de se relacionar com marcas, Adélia ressalta que os processos de reflexão e ponderação são importantes e praticados entre os sócios nas decisões. “Sempre haverá prós e contras ao se associar a uma marca, ninguém é 100% só um lado. Pelo nosso discurso – sobre ter potência e ser visível na prática -, temos a liberdade de dizer exatamente o que pensamos sobre aquela proposta de parceria e propor soluções nos contrapontos”, afirma.
Na relação com o território, Adélia rebate alguns comentários negativos que escuta, indiretamente, afirmando que “se venderam” para as empresas: “Entendo que é uma falha social nossa (como sociedade), criticar ao invés de discutir quais foram os pontos que levaram até ali”, considera. “Costumo explicar assim: essa marca (empresa) pode não ser 100% adequada para todo mundo, porém, o que estamos fazendo, lhe garanto que é adequado. Estamos formando pessoas que não teriam oportunidades, melhor usar esse recurso (dinheiro) e fazer uma potência periférica do que deixar para ser investido em outra coisa. Sofremos pressões dos dois lados, mas já sabemos lidar com elas”, finaliza.
Confira o episódio completo.
Serviço
Nome do empreendedor: Adélia Rodrigues.
Negócio: Gastronomia Periférica.
O que (o negócio) faz: oferece aulas de culinária gratuitas para moradores da periferia da cidade de São Paulo.
De onde é: não possui sede física, os sócios-fundadores são da cidade de São Paulo (SP).
Quando começou: 2018.
Principal tema da conversa: como criar boas conexões com as empresas.
Soluções buscadas: através dos recursos investidos, ampliar a potência periférica e o impacto social.
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